Capítulo Vinte e Oito
«Todos conhecemos o final trágico para a história de Levi Saint, a superestrela que marcou toda uma nova maneira de criar música no nosso país. Mas e se tudo tivesse sido falso? Fontes legítimas dizem-nos que o suicídio por overdose que supostamente terminou a vida de Theo Levi – nome verdadeiro de Levi Saint – não foi bem sucedido. Isto significaria que, nos últimos cinco anos, Theodore Levi tem mentido ao mundo sobre o seu paradeiro. Não está morto, nunca desapareceu do nosso mundo...apenas das nossas vistas.»
Ele não conseguiu ler todo o artigo. Atirou a revista contra a parede mais próxima e respirou fundo, tentando acalmar-se. A sua mãe tinha ido comprar a edição em que sairia o artigo de Arden às oito da manhã, assim que os primeiros quiosques abrissem, para voltar antes de toda a confusão. Eram oito e meia e Theo ainda não conseguia ouvir nada na rua, mas sabia dentro de si que não demoraria muito tempo até o mundo acordar e ler o artigo de Arden Kallis. A última noite tinha sido passada em claro, com o seu telemóvel na mão e o seu polegar quase a clicar no nome de Arden, para lhe ligar e falar com ela. Queria voltar a perguntar-lhe o porquê de ela lhe ter feito aquilo, mas decidiu que seria mais fácil cortar todas as relações.
Arden Kallis não merecia a confiança.
Pelo pouco que lera do artigo que ela escrevia, o seu tom era um de crítica, de julgamento, algo que fez Theo duvidar se ela realmente tinha sido sincera quando ele lhe contara. Inicialmente, claro, ela tinha tido questões e tinha-se sentido traída, mas depois ele pensara que ela tinha realmente percebido a sua posição e a sua perspetiva das coisas. O artigo que ela escrevera comprovara que não, porque Arden era sempre cruamente honesta nos seus artigos e, se não o tiver sido naquele, de que lhe serviria? Theo tinha sido o seu bode expiatório, o seu modo de avançar na carreira, e estava mais que na altura de aceitar isso. Queria cortar Arden Kallis da sua vida de vez, mas não sabia se alguma vez conseguiria fazê-lo.
A sua mãe, depois de ouvir o barulho da revista a bater contra a parede, apareceu no quarto de Theo. Ele tinha passado os últimos dias na sua cama, demasiado fraco para sequer sair da divisão, além das vezes em que precisara de ir à casa de banho. Linda trazia-lhe a comida, que ele só comia porque ela o obrigava, e dava-lhe todo o carinho e cuidado que fossem necessários. Theo estava lentamente a voltar ao estado que o levara a tentar o suicídio e não queria; queria a todo o custo evitar aquilo, queria provar ao mundo que estava mais forte passados cinco anos, mas não sabia se conseguia.
Talvez fosse preciso enfrentar o mundo como Levi Saint uma última vez para ele provar a si próprio que era capaz. Enquanto estivesse a fugir, nunca saberia com certeza se conseguia viver sem a sua carreira, se conseguia voltar a ser Theo Levi sem ser Levi Saint. Talvez aquilo que ele precisava era sair de casa e dizer definitivamente ao mundo o que ser Levi Saint significara para ele. Precisava de conseguir ter forças para sair da sua cama, tomar banho e seguir com a sua vida. O artigo só tinha saído naquela manhã e ele já estava prestes a vomitar e ainda nem sequer tinha comido nada. O seu corpo estava a falhar-lhe, tal como tinha acontecido cinco anos antes.
Nas últimas horas, Arden tinha-lhe mandado mensagem e tentado ligar. Ele acabara por desligar o telemóvel exatamente por isso, porque estava tentado a acreditar nela quando ela lhe dissera, por via digital, de que estava arrependida. Theo sabia que ela estava a mentir, porque o seu olhar dissera-lhe o que ele precisava de saber: a sua carreira estaria sempre primeiro e nenhuma pessoa valeria o suficiente, aos seus olhos, para esse paradigma mudar. Arden Kallis seria sempre a pessoa egoísta que era antes de eles se conhecerem, e tudo aquilo que eles tinham passado juntos, todos os segredos partilhados e a intimidade ganhada...tudo tinha sido uma ilusão. Uma ilusão que resultara no coração partido de Theo.
- Theo? – a sua mãe chamou, mas ele mal teve forças para olhar para ela. Deitou-se de novo na cama e, com a cabeça pesada demais, tentou virar-se para o lado em que a sua mãe estava. – É muito mau?
- Não consegui ler tudo. Está ali. – e apontou para o chão, para onde o exemplar da revista tinha caído.
Linda andou até à revista, apanhou-a e voltou para junto de Theo. Sentou-se ao lado das suas pernas e abriu a revista, procurando lentamente a página onde o artigo estaria. Felizmente, ele não estava na capa, como seria de esperar, talvez por efeito surpresa. Por outro lado, tinha sido uma escolha pouco inteligente da parte da equipa de edição pois, tendo a foto de Theo na capa, aquela edição venderia muito mais. Theo nem sequer sabia porque é que estava a pensar nisso, em coisas que poderiam beneficiar a vida de Arden, quando ele sabia que a odiava. Nunca ninguém o magoara como ela o tinha feito.
Theo observou a sua mãe a ler o artigo, percebendo claramente as diferenças de expressão. Quando terminou, a sua mãe procurou por mais, quase como se não acreditasse que o texto só tivesse uma página, apesar de encher três colunas que ocupavam toda a página. Ele observou-a atentamente, querendo que ela reagisse oralmente, que lhe dissesse alguma coisa, mas ela limitou-se a suspirar e a levantar uma das suas mãos e a pousar sobre as de Theo. Aquilo significaria que era muito pior do que ele alguma vez ele pensara? Melhor? O que significava? Theo ficara com vontade de ler tudo, mas sabia que nunca teria forças para tal coisas. Um parágrafo e ele já queria morrer.
- O teu pai foi buscar o advogado, querido. Ele vai estar aqui todo o dia, para nos ajudar.
- É de confiança?
- É um amigo de infância do teu pai. – Theo assentiu. – Aparentemente, ele já representou muitos outros artistas. Claro que nenhum deles fingiu estar morto, mas...
Linda não conseguiu não rir com a sua piada, mas Theo não achou piada. Pela primeira vez em todos os seus trinta anos, ele não conseguia ver o humor na situação. A consciência desse facto fê-lo sentir-se mais quebrado do que alguma vez se sentira. Ele estava apenas a arcar com as consequências daquilo que fizera, mas nunca se preparara para uma traição como a que Arden cometera. Theo estava preparadíssimo para alguém o reconhecer na rua e causar uma confusão, ou mandar uma pista para um paparazzi e pronto. Nunca ninguém o poderia ter preparado para algo daquele nível: para que fosse a mulher que ele aprendeu a amar a traí-lo daquela forma.
- Theo...deves saber que a Arden ligou para nós. – Theo fechou os olhos ao ouvir o nome dela.
- Como é que ela tem o vosso número?
- Muitos jornalistas têm o número da casa, querido, não há de ter sido difícil.
- O que é que ela disse? Espera. Não. Não sei se quero saber. – a sua mãe suspirou. – Diz-me.
- Ela pediu desculpa.
- Acreditaste nela?
- Não sei. Pareceu-me sincera. – encolheu os ombros, respirando fundo. – Mas depois olho para ti e penso que foi ela que te deixou assim... Uma pessoa que faz isso ao seu namorado não pode ser de confiança.
Namorado. Nunca, em todos os últimos meses, tinham oficializado a sua relação com um título. Talvez tivesse sido esse o primeiro erro de Theo, talvez essa fora a primeira coisa que lhe escapara. Enquanto ele se apaixonava por ela, Arden via-o como uma possível forma de subir na carreira, mesmo que não o tenha decidido utilizar até à semana passada. Quando foi preciso, quando se viu numa situação profissional mais complicada, ela utilizou-o como se ele apenas servisse para aquilo. Como se fosse um trunfo que ela escondera na manga, apenas para utilizar quando mais ninguém esperasse. Arden Kallis não tivera nenhuma consideração ou empatia por Theo, e ele também não teria por ela, nem deixaria que a sua família tivesse.
- Não é, mãe. Nunca lhe devia ter contado.
- Tu próprio disseste que era melhor ela saber por ti que descobrir depois e eu concordo, Theo. Imagina quão pior o artigo seria se ela tivesse descoberto sozinha.
- Não sei se era pior que isto.
A sua mãe suspirou, mas não disse nada. Passado uns segundos, ele sentiu o peso do corpo dela desvanecer do colchão e ouviu a porta a fechar. Theo, encontrando-se sozinho mais uma vez, respirou fundo e pensou no estado da sua vida. Olhou para o relógio que tinha na sua mesa de cabeceira e viu que ainda faltavam uns minutos até às nove da manhã. Direcionou todas as suas forças para as suas pernas, para ter força o suficiente para ir tomar banho e preparar-se para o dia infernal que o esperava. Quando se conseguiu finalmente levantar do colchão, tomou isso como uma vitória e esperou até ter força para se levantar definitivamente. O próximo passo foi caminhar, um passo de cada vez, até à casa de banho privada que existia no seu quarto. Theo, na realidade, não sabia se era seguro tomar banho sozinho, mas tinha trinta anos e não queria pedir ajuda a nenhum dos seus pais.
Nem que demorasse uma hora, ele iria fazer tudo sozinho.
Preferiu encher a banheira a tomar um duche, para os seus músculos poderem descansar, e sentou-se no mármore enquanto esperava que a água enchesse a banheira. Tinha que estar bem seguro, pois sentia-se incrivelmente zonzo e tinha a sensação constante de que ia cair. Nunca o fez, nem sequer se desequilibrou, e ele tomou isso como um indicador de que, aos poucos, o seu corpo estava a habituar-se a ser humano outra vez. Ele tinha que ser mais que humano para conseguir enfrentar o que se avizinhava de queixo erguido, no entanto; tinha que, magicamente, ir descobrir forças e superpoderes onde não sabia se existiam, ou desabaria de novo.
Demorou perto de meia hora a tomar banho e uns dez minutos a vestir-se, apenas porque os seus músculos lhe pareciam atrofiados e lhe doíam. Aquela sensação não lhe era estranha e ele sabia exatamente o que causara aquilo, mas tinha que engolir em seco e continuar com a sua vida. Antes de qualquer outra coisa, ele tinha que conseguir admitir ao mundo tudo o que tinha feito. Embora preferisse nunca o fazer, de todas as formas em que tivesse obrigatoriamente que o fazer, aquela parecia-lhe a pior. Quando saiu finalmente da sua casa de banho, um pequeno refúgio em todos os sentidos, naquele momento, ouviu finalmente o som que esperava.
Sem mexer no estore, ele caminhou até à sua janela como se os seus pés não conseguissem levantar-se do chão e, depois de abrir a janela, conseguiu ouvir tudo na perfeição. Conseguia ouvir o som distinto de uma multidão e de câmaras a disparar – a sua estrada já estava inundada com jornalistas e todo os outros tipos de pessoas. O seu coração pareceu cair-lhe do sítio em que deveria estar preso e ele quis vomitar. Não o fez, porque resistiu à vontade e decidiu engolir em seco e beber um pouco de água. Olhou para o pequeno calmante que a sua mãe tinha deixado no último tabuleiro com comida que lhe levara, mas não o tomou. Calculou que, se queria que as pessoas percebessem exatamente o estado em que ele estava, precisavam de o ver sem estar sob nenhum efeito de drogas ou de outra coisa qualquer. Precisavam de ver o verdadeiro Theo Levi.
Já aguentaste pior, Theo. Não te esqueças. Nada vai ser alguma vez pior que aquilo, nem mesmo um coração partido.
Com o corpo pesado, ele decidiu sair finalmente do seu quarto. Ouvia os seus pais a conversarem com alguém por cima da confusão que se ouvia da rua e caminhou até onde achou que eles estavam. Quando os encontrou, viu um senhor que aparentava ter a idade do seu pai, vestido com um fato preto. O desconhecido olhou-o com olhos repletos de pena, um olhar que ele se apanhou a odiar mas que, ao mesmo tempo, calculou que ia receber imenso, se todo o mundo não o odiasse. Ele já tinha aceitado que as únicas reações possíveis à sua situação eram Raiva ou Pena – nenhuma das duas lhe parecia suficiente, mas era assim que funcionava.
- Bom dia, Theo. Eu chamo-me William, prazer em conhecer-te.
- Igualmente. – a voz de Theo estava mais rouca do que ele esperava, então ele tossiu. – Obrigado por me ajudar tanto. Eu sei que deve colocá-lo numa posição complicada.
- Nem pensar. Eu quero estar ao vosso lado. O teu pai já me ajudou imenso. Aliás, a fundação que vocês criaram foi o que nos fez entrar de novo em contacto. A minha filha só conseguiu ter a ajuda que precisava quando se envolveu com a Fundação.
- Fico feliz, então. Espero que ela esteja bem. – William sorriu. – Quando é suposto eu sair?
- Quando estiveres preparado, querido. – respondeu a sua mãe, com um olhar suave. – A Samantha não conseguiu estar cá a tempo, mas está a caminho. Talvez chegue entretanto.
- Não consigo esperar, mãe. Tem que ser agora. – olhou para o seu pai, procurando a segurança que ele lhe dava sempre. John Levi assentiu, apertando o braço do seu filho.
- O William já tem alguns polícias a afastar as pessoas da nossa propriedade e já pediu um microfone. Tens todos os meio que precisas. Só falta apareceres, se realmente o quiseres fazer. – o seu pai explicou e Theo assentiu, respirando fundo enquanto fechava os olhos.
- Quero. Tenho que o fazer.
E, com a decisão tomada, Linda agarrou uma das mãos do seu filho e ajudou-o a caminhar lentamente até à porta da frente. Theo respirou fundo mais uma vez e olhou para a sua mãe a pedir conforto; ela sorriu-lhe e esticou a sua mão para lhe fazer carícias numa das suas bochechas. Ele sentiu-se um pouco melhor, um pouco mais corajoso, embora fraco como sempre. Estava na hora de ele fazer o que deveria ter feito há cinco anos; estava na hora de ele enfrentar o mundo e contar, finalmente, o seu lado da história.
o theo dá-me tanta ansiedade, esqueçam. eu sei o que acontece, fui eu que escrevi e já reli imensas vezes esta história, mas fogo
mas o meu bebé vai ficar bem, garanto <3
obrigada a quem tem lido!! espero que estejam a gostar e que estejam ansiosxs para o próximo capítulo, da "confissão" de theo
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top