Capítulo Vinte

- De certeza que queres fazer isso, querido? – a mãe de Theo perguntou.

- Certeza absoluta não tenho, não é? – riu sem humor, como resposta. Linda olhou-o com um olhar severo. Theo suspirou.

Um mês tinha passado. Desde que Arden admitira a Theo de que Levi Saint era o seu cantor preferido que Theo sentia em si um peso fora do normal. Sempre que estava com ela, sempre que a beijava, sentia-se prestes a abrir a boca para contar o seu segredo. No entanto, conseguia sempre controlar a vontade. O dia anterior fê-lo decidir que contaria a Arden a verdade e lidaria com as consequências depois. Arden tinha terminado o trabalho intensivo que estava a fazer para uma edição limitada para a revista e quando Theo ficara curioso e lhe perguntara o tema pela centésima vez, ela finalmente desvendara o pequeno mistério, mesmo estando a quebrar regras. Dali a dois dias, a revista em que Arden trabalhava ia publicar uma edição limitada inteiramente dedicada a Levi Saint – a Theo.

O pânico que sentira quando ela lhe contara a razão pela qual andava a dormir pouco mais de cinco horas por dia, por estar sempre ocupada em trabalhos de escrita e de edição de artigos – para aliviar a carga da Chefe de Edição – fora quase incontrolável. Arden sentira uma mudança no seu humor, mas limitara-se a acariciar as suas bochechas e a beijar os seus lábios suavemente. Depois disso, Theo – Peter – tinha sido distraído pelo toque da jornalista exótica, como sempre que estavam juntos. Ocasionalmente, Arden perguntava-lhe porque é que ele nunca a levava a sua casa, até Theo admitir envergonhadamente que, quando se mudara para a cidade, tivera que viver com os seus pais. A jornalista não o julgara, mas olhara-o com uma expressão que ele tinha vindo a associar com as alturas em que ela parecia completamente presa na sua mente. Ela estava a começar a suspeitar das pequenas incongruências da história de Peter e ele sabia-o.

- Ouve. – a sua mãe começou, agarrando ambas as mãos de Theo. – Aconteça o que acontecer, nós estamos aqui, querido. Mesmo que a estrada volte a estar inundada por jornalistas, nós continuamos ao teu lado. Nós, a Samantha e o Gabriel. Se ela provar não ser de confiança, não te esqueças que nós continuamos a ser. Desta vez, se o quiseres realmente, nós deixamos que tu mudes de continente e vás viver numa ilha com macacos. - Theo riu, respirando fundo.

- Confias mesmo nela? – o seu pai perguntou, com olhar suave.

- Na verdade, não sei. Ela já me disse mil vezes que a sua carreira é a coisa mais importante da sua vida, por isso eu não a julgaria se ela preferisse expor-me a guardar o segredo. – Theo encolheu os ombros. – Mas estou farto de guardar segredo. Estamos cada vez mais próximos e eu sei que ela suspeita de alguma coisa. Prefiro que ela saiba a verdade a achar que eu sou um fugitivo qualquer ou que a vou atacar.

Os seus pais preferiram não responder, compreendendo que Theo já tinha a decisão marcada no seu cérebro. Não sabiam quando o fariam, mas estariam preparados para tudo. Esperavam que a tal jornalista revelasse ser de confiança, mas a verdade é que não a conheciam – Theo tinha feito questão de a manter afastada da casa, por razões óbvias. Toda a gente sabia que aquela era a casa dos pais do falecido Levi Saint e não de Peter Landon. Peter Landon não tinha casa, porque só aparecia de vez em quando, porque não existia de todo.

Theo não tinha como saber ao certo qual seria a reação de Arden e por isso não se conseguia preparar completamente, mas a verdade é que ele, no fundo, tinha esperança nela. Nela e na relação que eles tinham criado nos últimos dois meses, aos poucos, fomentando confiança e carinho um pelo outro. Arden estava a tornar-se mais carinhosa, falando mais e mais facilmente, e Theo – Peter – estava orgulhoso das pequenas mudanças que ela manifestava. Segundo o que ela dizia, ela continuava igual na sua vida profissional, mas o que lhe importava era quando eles estavam juntos. Por isso lhe ser tão importante é que ele queria dizer-lhe a verdade; nunca conseguiria viver pacificamente consigo mesmo se não contasse o seu maior segredo à jornalista mais feroz da atualidade.

Tu és ridículo.

Por vezes, ele nem queria acreditar nos sarilhos que tinha causado para si mesmo. Com trinta anos, colocou-se propositadamente na miragem da pessoa que o poderia destruir, assim como a tudo o que ele criara para si mesmo nos últimos cinco anos. Qualquer um poderia refutar com o facto de Theo não gostar particularmente da sua vida atual até ao aparecimento de Arden, mas também ninguém poderia negar de que qualquer coisa seria melhor que o sofrimento constante que era a sua vida como Levi Saint. Segundo o pequeno resumo dos artigos que a revista publicaria na sua edição limitada, Arden tinha perfeita noção de quão grave tinha sido o sofrimento por que ele passava.

Talvez a revelação do tema tivesse sido apenas o pequeno empurrão que ele precisava; talvez, no fundo, ele sempre tivesse tido intenções de lhe contar. Quanto mais saía à rua e ouvia pessoas a cumprimentarem Peter, mais queria gritar que o seu nome não era Peter e sim Theo. Quanto mais ouvia Arden a chamá-lo durante a noite ou enquanto se beijavam, mais ele tinha vontade de chorar e de fugir dela. Não conseguia, no entanto. Nunca conseguiria fugir de Arden Kallis, nem que quisesse.

No último mês, a vida de Arden tinha acalmado visivelmente. Deixara de receber ameaças de morte, mas continuara a ter Holand perto de si por precaução. Grande parte dos polícias que tinham sido alvos da investigação começada uns meses antes tinham sido considerados culpados e condenados, deixando as ruas muito mais seguras que anteriormente. Theo – Peter – não se cansava de dizer a Arden quão orgulhoso estava dela, principalmente quando descobriu que ela ainda mantinha contacto com Joslin James, a mãe do jovem de dezasseis anos que tinha sido morto por Leonard Whitt.

Toda aquela história ainda fazia a cabeça de Theo rodar, mas ele sabia que o mundo estava melhor para Arden. Não para ele, porque a sua ansiedade tornara-se incrivelmente má e debilitante. Muitas das vezes, para conduzir até ao apartamento de Arden tinha que tomar um calmante, de tão mau que estava a ficar. Por precaução, os seus pais esconderam todos os comprimidos passíveis de magoar Theo dele, apesar de ele ter trinta anos, mas ele compreendia bem o medo deles. A sua ansiedade estava a ficar realmente má e, de vez em quando, ele perdia o controlo. Ficava fechado horas a fio no seu quarto, a chorar. Precisava de contar a verdade a alguém e todos o sabiam.

O alguém apenas calhara a ser Arden Kallis, a pior pessoa possível.

«Posso passar por tua casa?»

Arden não demorou mais que um minuto a responder afirmativamente à mensagem de Theo, algo que o fez rir. Respirou fundo, beijou a testa da sua mãe e abraçou o seu pai. Ambos lhe garantiram que, se precisasse de algo, eles estavam apenas à distância de uma chamada e ele sorriu, sentindo-se verdadeiramente seguro. A grande diferença entre a sua situação pré-Peter Landon era que, passados cinco anos, ele tinha os seus pais perto de si, que não o deixariam sair do controlo nem tentar algo tão idiota outra vez. Ao contrário de quando tinha vinte e cinco anos, ele tinha uma base moral forte e resistente.

Se Arden divulgasse o seu segredo, ele estaria pronto e sobreviveria.

Sem dar pela sua chegada ao prédio onde Arden vivia, estava já a caminhar até ao elevador, depois de ela o deixar entrar. O elevador estava no rés-de-chão, não sendo preciso esperar, e Theo passou toda a viagem a preparar-se mentalmente para a conversa que se aproximava. Como é que ele começaria uma conversa daquele tipo?

Todas as respostas foram deitadas ao lixo quando Theo chegou e foi confrontado com Arden, de novo encostada na ombreira na porta com um sorriso malandro no rosto. Ele sorriu-lhe quase inconsciente, porque o mero de ato de a ver e de estar perto era-lhe suficiente para o fazer sorrir. Caminhou até à jornalista em passos largos e, como se tinha tornado hábito entre eles, puxou as suas pernas e obrigou-as a envolverem a sua cintura. Ela agarrou a sua cara com duas mãos e beijou-o intensamente. Não se viam há dois dias, mas parecia que já não se encontravam há semanas, pela fome com que ela o beijava e agarrava.

Quando Theo voltou a dar por si, estava a levá-la até à sua cama, depois de fechar a porta do seu quarto atrás de si. Arden tinha uma maneira caraterística de o fazer esquecer-se onde estava, algo que ele agradecia normalmente mas que, naquela altura, provou estar a complicar toda a situação. Ele tinha aparecido para contar-lhe o seu maior segredo, não para se perder no seu corpo. No entanto, Arden tinha sempre outros planos que se sobrepunham aos seus e talvez daquela vez não fosse algo tão mau assim. Ele já lhe mentia há mais de dois meses, mais um curto período de tempo não faria mal. De qualquer forma, ela continuara perto dele mesmo sabendo que ele estava a mentir sobre a sua identidade. Theo não sabia como o sabia, mas sabia que ela suspeitava de algo. O facto de ela nunca lhe ter perguntado nada invasivo significara, para ele, que talvez ele importasse mais que o nome que lhe dera.

Era uma esperança que talvez se fosse ver quebrada dali a uns minutos.

Por enquanto, Theo deixou-se perder em tudo o que Arden lhe oferecia. Por baixo dos seus lençóis cinzento-escuros, os seus corpos entrelaçavam-se o máximo que conseguiam. Theo conseguia sentir as unhas de Arden na sua nuca, a puxarem a sua cabeça para mais perto, enquanto os seus corpos estavam completamente juntos onde importava. De vez em quando, ele aproveitava para sussurrar ao seu ouvido coisas simples como o facto de ter saudades de lhe tocar ou de a sua pele lhe parecer a mais suave do mundo. Ela sorria-lhe, como ganhara o hábito de fazer, e beijava os seus lábios com mais intensidade.

Minutos depois, voltaram à sua posição preferida. Ele com um braço debaixo da sua própria cabeça e com outro nas costas dela. Ela com uma mão no peito dele e com outra na parte de trás do seu pescoço, dando lentas carícias. Theo sorriu-lhe, gostando do silêncio que os envolvia sempre naquelas alturas, e permaneceu virado de frente para ela. Arden, quando percebeu que estava a ser observada, esticou o pescoço para o beijar nos lábios, fechando os olhos.

Theo não queria quebrar o ambiente que se tinha criado entre eles mas, depois de Arden se afastar, ele decidiu. Este é o momento, Theo. Agora ou nunca.

- Arden? – chamou, num sussurro. Ela olhou para ele, atentamente. – Preciso de te contar uma coisa.

- Eu sei o que me vais dizer, Peter. – ele compôs a sua postura na cama, preferindo sentar-se.

- Sabes?

- Sim. Vais-me dizer que o teu nome não é Peter Landon, certo?

O cérebro de Theo atrofiou de tal modo que ele não soube o que responder. Ele sempre pensou que ela pudesse duvidar da sua identidade, mas sempre atribuíra esses pensamentos a paranoia. Nunca esperava que fosse real, que ela de facto soubesse que ele lhe mentira. Praguejou, baixinho.

- Então? – por uns segundos, Theo ficou sem fazer nada. – Porquê hoje?

- Mereces saber a verdade. – Arden cruzou os braços e afastou-se um pouco do seu corpo, fazendo-o sentir-se um pouco mais frio. – O meu nome não é Peter Landon.

Quando viu que Arden ia permanecer efetivamente com a expressão distante e indiferente que era caraterística da jornalista Arden Kallis, ele suspirou. Fazendo força com os dois braços no colchão, puxou o seu corpo um pouco mais para cima. Olhou-a durante mais uns segundos, até decidir definitivamente que aquele seria o momento. Já não havia nada a fazer, ela estava à espera da verdade. Arden vivia para descobrir a verdade das pessoas e Theo estava finalmente pronto para lhe dar a sua, sem que ela lutasse por ela. Percebeu que as suas mãos estavam a tremer e, ao contrário do que Arden costumava fazer, ela não procurou ajudá-lo. Theo assentiu para si próprio, sabendo que só ele poderia ajudá-lo a sair daquela situação.

Com uma mão ainda trémula, levou-a até ao seu bigode loiro. Viu que Arden tentava não arregalar os olhos, mas ele já tinha visto – ela já não conseguia esconder as suas emoções dele, apesar de ainda tentar. Lentamente, puxou o bigode da sua face, sentindo alguma dor. Fechou os olhos e, quando os abriu, Arden continuava com os braços cruzados, passiva. Talvez ela sempre tivesse duvidado da integridade daquele bigode, talvez as coisas que lhe estavam a passar pela cabeça fossem completamente diferentes. Depois, levou as suas mãos às sobrancelhas, cada uma puxando a do seu lado em direções opostas.

Arden soltou um som de choque.

Silencioso ainda, Theo levou finalmente as suas mãos até à sua cabeça, retirando efetivamente a peruca loira que tinha comprado há mais de dois anos. Embora o seu coração estivesse a bater demasiado rápido, ameaçando sair da caixa torácica, ele conseguiu ganhar forças o suficiente para olhar para ela. Arden continuava paralisada, a boca aberta em choque cru, sem saber o que dizer. Ele soube, naquele momento, que não precisava de dizer nada, pois ela sabia exatamente quem ele era por debaixo de todo aquele disfarce. Ainda assim, como que para completar e oficializar a divulgação do seu segredo, ele abriu a boca para falar.

- Não me chamo Peter Landon, chamo-me Theo Levi. – falou, mudando a sua voz para a voz de Theo, deixando a voz de Peter de lado. – Sou o Levi Saint.


dun dun duuuuuuunnnnn

este capítulo terminou num pequenino spoiler. como é que vai ser a reação da arden? será que ela é de confiança? será que não? vamos ver daqui a uns dias!!!!1!!!

estamos oficialmente a meio da história. a partir daqui vai ser uma montanha russa de emoções e acho que é a única coisa que me deixa triste em ter poucos leitores ahaha, é que se tivesse mais podia gritar com mil pessoas ao mesmo tempo. oh well. sintam-se exclusivos por lerem isto Antes Do Mundo

obrigada a quem tem lido e apoiado silenciosamente esta história!! <3

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