Capítulo Um

Arden Kallis entrou na sede da revista onde trabalhava sabendo que estava toda a gente a olhar para ela. Ela sabia que algo estava diferente, e sabia exatamente o que era, mas ver todos os olhos a virarem na sua direção deu todo um outro gosto ao seu dia. Com um sorriso que era uma mistura de vitória e de arrogância, Arden continuou a andar, depois de endireitar as suas costas e levantar o seu queixo para olhar todo o escritório de cima, tal como ela gostava. Toda a gente com quem ela trabalhava, incluindo os poucos que ela reconhecia e com quem já falara, a fitavam atentamente, com olhos arregalados, quase como se não acreditassem que ela estava ali, a passar por eles.

Não olhando ninguém nos olhos, mas não completamente ignorando a atenção – porque, afinal, ela vivia pela atenção – Arden seguiu numa linha reta do elevador até ao seu escritório. Os seus saltos batiam ritmadamente no chão, quebrando o silêncio quase total que tinha envolvido todo o andar assim que o elevador abrira as suas portas. Ao longe, era possível ouvir-se o som normal de impressoras a trabalharem, de telefones a tocarem e, se Arden escutasse com ainda mais atenção, conseguia ouvir o som de estagiários a serem repreendidos pelos seus mentores. O último som fê-la sorrir, quase sadicamente.

- Menina Kallis, bom dia. – a secretária de Arden cumprimentou-a, assim que ela chegara perto o suficiente do pequeno cubículo. – Parabéns.

- Obrigada, Natalie. – sorriu de uma forma quase robótica, forçada. – Calculo que já todos saibam, então?

- Claro! – a secretária sorriu, com olhos brilhantes, ao mesmo tempo que assentia com a cabeça. – O Senhor Jenkins ligou, aliás, para a congratular. Pediu que lhe ligasse de volta.

Arden revirou os olhos, não querendo perder tempo a falar com o seu patrão.

- Tens o meu café? – Natalie assentiu, nunca parando de sorrir, e pegou na chávena reutilizável em que Arden bebia sempre o seu primeiro café. – Obrigada. Mensagens para mim?

- Sim. A Senhora Roberts disse que lhe enviou por e-mail a sua próxima notícia. – Arden voltou a revirar os olhos.

Embora fosse a melhor jornalista de toda a revista – ou, melhor, de toda a empresa-mãe – a Chefe de Edição ainda estava numa posição acima da sua e, portanto, ainda estava no direito de a obrigar a fazer notícias desinteressantes. No dia anterior, Arden fora nomeada para um prémio Pulitzer, tornando-se numa das primeiras mulheres a serem nomeadas antes dos trinta anos, pelo artigo que tinha escrito sobre a rede de tráfico humano que tinha sido desmantelada no mês passado. Emily Roberts, no entanto, continuava a tratar Arden como se ela fosse qualquer outra jornalista em quem gostava de exercer o seu poder.

Arden odiava isso, mas na realidade não podia fazer mais nada. Já trabalhava na melhor revista, na melhor empresa, e já era a melhor jornalista. O Pulitzer tinha sido a cereja no topo do bolo, por muito que não esperasse ganhar, pois a sua competição era incrivelmente forte. Ter sido nomeada era-lhe o suficiente, por enquanto, pois ela sentia dentro de si que ainda tinha melhores histórias para contar. O mundo era infinito e, com isso, vinham infinitas oportunidades de notícias para Arden Kallis.

- Obrigada, Natalie. Bom trabalho. – Natalie sorriu para a sua patroa, sabendo melhor do que lhe responder.

Se havia algo que caraterizava Arden Kallis no ambiente de trabalho, era o facto de ela não se relacionar com ninguém além de Natalie. Ela já tinha escolhido a rapariga como secretária por isso mesmo, porque soube logo, no momento da entrevista, que Natalie nunca se tentaria intrometer nos seus assuntos pessoais. A mais nova tinha assumido a posição de secretária com a mais profunda objetividade e indiferença e isso era algo que Arden prezava bastante. Dois anos passados e nunca tinha ocorrido à jornalista despedir Natalie, ao contrário do que acontecia com todas as outras pessoas cujo trabalho influenciava o seu.

Assim que entrou no seu escritório – cortesia de ser a maior fonte de rendimento da revista onde trabalhava – retirou o sobretudo preto de cima dos seus ombros, pousou a mala vermelha no sofá que estava encostado à parede direita, como sempre, e a chávena de café na sua secretária, posicionada no centro do escritório. Olhou, como era hábito, para a janela à sua frente, reparando na cor cinzenta do céu citadino. Pela primeira vez naquele dia, sorriu instintivamente, sem malícia por detrás do gesto, porque o dia estava exatamente como ela preferia. Escuro, mas sem estar mau tempo.

Com os papéis que, como de costume, a sua secretária lhe tinha dado em conjunto com a chávena na mão, Arden sentou-se na cadeira almofadada e rodopiou enquanto lia todas as mensagens que tinham sido deixadas desde que saíra do escritório no dia anterior. Eram sobretudo mensagens dos seus superiores e de pessoas que possuíam o número do seu escritório a darem-lhe os parabéns pela nomeação. Arden estava orgulhosa de si própria, porque o Pulitzer sempre fora o seu objetivo principal. Não escrevia notícias para ganhar prémios, mas todo o seu trabalho estava inevitavelmente direcionado para o reconhecimento que um prémio daquele género dava ao seu nome.

Arden Kallis já era um grande nome na área jornalística e ela sabia-o. Nunca conseguiria ser tão confiante como era se não tivesse provas objetivas de que era das melhores jornalistas da atualidade. Apesar de ter sido a primeira vez que era nomeada para um prémio daquela magnitude, notícias suas já tinham percorrido o mundo, tal como ela própria. O seu nome já tinha sido criado e mantido no Jornalismo. Ela já era um dos grandes pilares da vanguarda. Já tinha ganho prémios mais pequenos – locais, estatais, nacionais – e, a partir do dia anterior, estava finalmente a meio caminho de ser premiada internacionalmente. Ela não era irrealista ao esperar ganhar mas, ganhando, o seu nome ficaria perfeitamente consolidado eternamente.

Dez minutos passaram em que Arden se limitara a revirar os olhos para os elogios exagerados que tanta gente tinha deixado nas suas mensagens, embora continuassem a fazer o seu ego inchar mais um pouco. Quando esse tempo terminou, Arden voltou a rodopiar a sua cadeira, preferindo enfrentar a sua secretária, e colocou as mãos sobre a mesma. Era hora de ligar ao seu chefe, embora fosse a última coisa que lhe apetecesse fazer. Tinha que o fazer, no entanto, porque o nome da revista em que a notícia era publicada era igualmente importante, não só o seu autor. Infelizmente.

- Arden, querida! – o cumprimento caloroso do presidente da empresa-mãe foi o suficiente para Arden precisar de respirar fundo. – Muitos parabéns. Falo em nome de mim próprio e de todo o Conselho quando digo que estamos todos muito orgulhosos de ter uma das nossas empregadas a ser nomeada para um prémio tão importante.

- Obrigada, Senhor Jenkins. – Arden respondeu, com a mesma voz indiferente e apática de sempre.

- Oh, deixa-te disso, Arden. Sabes que me podes tratar por Anthony.

- Sei. – concordou – Mas não quero. – o seu patrão riu alto, fazendo-a afastar o altifalante do telefone do seu ouvido.

Mais de cinco minutos de tortura passaram até que o seu patrão quisesse desligar a chamada voluntariamente. Arden odiava o homem do outro lado da linha por diferentes razões: por a tratar como uma boneca, por não ter a mínima noção do que era espaço pessoal, e por continuar a tratá-la pelo seu primeiro nome. Ainda assim, Arden estava presa ao seu trabalho, tanto por um contrato como pelo facto de, apesar de tudo, ser de facto a melhor empresa para um jornalista em todo o país. E Arden só queria o melhor.

- Vamos ver o que ela quer de mim agora... - murmurou para si própria, tossindo para afastar a rouquidão da sua voz, ao abrir o site do seu email para conseguir ver a tal ideia que Emily lhe tinha mandado.

O assunto do email era, como de costume, uma síntese da ideia, assim como uma sugestão de título para a notícia. Geralmente, Arden ignorava qualquer sugestão que viesse dos seus superiores, agindo quase independentemente em tantos níveis quando conseguia, sem arcar com demasiadas consequências. No entanto, o assunto que Emily escolhera parecia-lhe minimamente interessante - ou, pelo menos, interessante o suficiente para ela não abrir o email apenas por obrigação. O corpo do email consistia numa foto do que parecia ser um rapaz negro deitado no chão, com sangue à sua volta. A expressão de Arden permaneceu passiva, neutra, embora ela quisesse fechar os olhos e fechar a janela onde o email estava aberto.

A objetividade jornalística tinha daquelas coisas e Arden já estava mais que habituada. Imagens de morte, violência e guerra, depois de uns anos, pareciam-lhe mais normais que imagens de crianças a sorrir. Arden nunca se tinha ficado apenas por um tipo de jornalismo, por um simples tema, mas parecia que todos os piores assuntos do mundo lhe caiam no colo. Talvez por ela ser tão naturalmente neutra, por já ter treinado o seu corpo para não reagir a fotos como aquela como reagia inicialmente. Por dentro, ela lamentava a morte do rapaz mas, por fora, Arden Kallis queria a história daquela imagem. E queria contá-la.

«O nome do rapaz é Michael Jones, tinha 16 anos, foi assassinado por um polícia ontem. As autoridades dizem que vão investigar, mas já sabes como é. Quero que fales com a mãe do rapaz e quero que fales com a Polícia. Usa os teus contactos. Procura a verdade.»

Procura a verdade. Esse sempre foi o lema de Arden, e Emily, apesar de sufocante, tinha aprendido a coagi-la da maneira correta. Se havia algo que dava prazer a Arden, era a sensação de escrever a verdade, de dar a conhecer ao público tudo aquilo que era escondido por aqueles que estavam no poder. Não era a primeira vez que Arden era desafiada com um trabalho exatamente com o mesmo tema daquele, infelizmente, mas nunca tinham grandes resultados. Arden investigava, escrevia a notícia, o publico revoltava-se, mas nada era feito. Continuavam a aparecer rapazes negros mortos, e Arden continuava a receber propostas para contar as suas histórias.

Dentro de si, Arden sentiu algo quente a percorrer o seu corpo, e ela sabia o que era – a necessidade forte de vingar o rapaz da foto. Ela sentia que algo naquele caso era especial, e usaria todas as suas fontes para conseguir a maior quantidade de informação possível. Falaria com a mãe, com amigos, com as autoridades, com o polícia suspeito se fosse preciso. Chegaria ao fundo da questão, porque era isso que ela fazia. Ela contava as histórias da maneira mais objetiva que conseguisse, mas nunca vitimizando quem sofria ou justificando quem atacava. A objetividade jornalística era um limbo, ela sabia, mas Arden Kallis era a personificação de equilíbrio.


conheçam a arden, a mais bad-ass de todas as minhas personagens. eu adoro-a e espero que a adorem também

como disse na nota inicial, este é um primeiro rascunho mas, apesar de tudo isso, e de a perfecionista dentro de mim continuar a lutar com algumas coisas, acho que é uma boa história, e espero que as pessoas a leiam

p.s como esta história é enorme, vou tentar publicá-la de 3/3 dias ou de 4/4, porque também quero testar até que certo ponto é que isso ajuda a ganhar leituras e etc, por isso nunca vão ficar muito tempo sem um capítulo eheh

p.p.s a música que incluí no início, do hozier, é a música que imagino SEMPRE - sem falha - na minha cabeça quando imagino a Arden a entrar no escritório, no início do capítulo

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