Capítulo Trinta e Três

Theo acordou para um quarto privado cheio com familiares seus. A sua mãe e o seu pai estavam sentados em cada lado da sua maca e, num pequeno sofá do lado esquerdo do quarto, no mesmo lado que uma janela, estavam Samantha e Gabriel. Eles olhavam para a pequena televisão que estava no canto superior direito do quarto e Theo demorou até perceber o que é que estava no pequeno ecrã. Grunhiu o mais alto que conseguiu quando o fez, fazendo a sua mãe pular na cadeira em que estava sentada, com o susto. Só quando viu o choque em todas as suas faces é que percebeu que deveria ter estado inconsciente nas últimas horas. Já não passava por aquela situação há anos.

- Nunca mais me assustes assim, Theodore! – a sua mãe repreendeu, apontando um dedo à sua cara.

- Não consigo perceber se te estás a referir a agora ou ao geral da situação. – Theo riu, com a voz rouca. Linda sorriu-lhe, abanando a cabeça.

- Como estás, filho? – perguntou o seu pai, batendo suavemente na perna que estava mais perto de si.

- Cansado.

- Cansado? Estás a dormir há quase cinco horas, seu idiota. – Theo sorriu com a voz da sua irmã, que se levantou e se aproximou da maca. Abraçou-o, com cuidado para não o magoar. – Estávamos tão preocupados!

Ele sorriu, não sabendo o que responder àquilo. A última coisa que se lembrava era de flashes das câmaras a fazerem-no sentir como se estivesse a ficar cego e do seu corpo a perder o equilíbrio, apesar de ele ter canalizado toda a sua força em se segurar naquele pódio que tinha sido colocado em frente à sua casa. Na televisão, continuavam a falar dele. Um repórter falava para a câmara, com o telefone em que ele estava internado no plano de fundo e ele suspirou, exasperado. O volume estava alto o suficiente para ele perceber perfeitamente o que o tal repórter estava a dizer e Theo voltou a encostar a cabeça na almofada e revirou os olhos. Definitivamente não tinha tido saudades daquilo.

Gabriel deixou finalmente de ter preguiça para sair do sofá e sorriu para Theo, congratulando-o pelo discurso que falou aos jornalistas, de manhã. Para Theo, parecia que tudo se tinha passado há uma vida atrás porque, naquele momento, acordar numa maca de hospital fê-lo viajar até cinco anos atrás, em que acordara daquela exata forma, para aquele exato cenário. No entanto, não se sentia tão exausto como na primeira vez, nem definitivamente tão triste. Parecia que um peso tinha saído dos seus ombros por finalmente ter admitido a todo o mundo que odiava quem Levi Saint era e tudo o que tinha acontecido. Soube bem não esconder tantos segredos dentro do seu coração e, por isso, Theo não chorou por estar vivo. Não chorou de todo, aliás.

- O que é que eles têm dito? – Theo questionou, sabendo que toda a família perceberia a quem ele se estava a referir.

- Nada de mau, por muito estranho que te pareça. – Samantha explicou, pulando um pouco para se sentar ao seu lado na maca. – Estas coisas são demasiado altas... - murmurou para si própria, fazendo todos rirem. A sua mãe desviou a cadeira um pouco para trás, sorrindo para os seus dois filhos.

- O William disse que a polícia já o contactou, Theo. A investigação foi aberta para eles terem a certeza de que não tinhas interesses monetários quando fizeste tudo isto. – Theo assentiu, compreendendo. – Não sei bem como é que eles vão investigar isso, mas nós mostrámo-nos disponíveis para qualquer coisa.

Theo preferiu não responder, olhando em redor de todo o quarto. Não tinha nada preso ao seu corpo, por isso, fazendo força nos seus dois braços contra o colchão, forçou-se a sentar. Pressionou os seus lábios um no outro, odiando o caminho que os seus pensamentos estavam a tomar. Ao ver a sua família à sua volta, pensou em Arden. Sempre calculou que, pelo ritmo em que a sua relação ia, se alguma coisa acontecesse e ele voltasse a acordar num quarto como aquele, ela estaria ao seu lado, junto da sua família, à espera que ele voltasse a ganhar consciência. Mas, como seria de esperar, ela não lá estava. Ele também não sabia dizer se a queria lá, na realidade. Só sabia que sentia a sua falta.

Linda notou claramente na mudança de comportamento do filho e pediu a Samantha e a Gabriel que fossem até à cantina do hospital jantar. John reconheceu o olhar na sua esposa e levantou-se também, com um sorriso no rosto, aproveitando e partindo para ir dizer a Holand, o guarda-costas de Arden, que poderia ir embora. Com um último olhar para a sua mulher e para o seu filho mais novo, ele foi o último a sair da sala. Theo juntou as sobrancelhas, confuso com a atitude de toda a sua família, mas percebeu automaticamente o plano da sua mãe quando olhou para ela. Revirou os olhos e grunhiu mais uma vez, não querendo ter conversas profundas quando tinha acabado de acordar.

- Mãe, o que quer que for que vás dizer...não o digas. Não quero ouvir.

- Foi o guarda-costas da Arden que te ajudou, de manhã. – Theo abriu os olhos rapidamente, olhando para a sua mãe com um olhar cheio de questões. – Aparentemente ela mandou-o para nossa casa, para que ele fosse o teu guarda-costas. Ele ainda está ali fora, à porta, junto dos polícias.

- Porquê? – o coração de Theo começou a bater mais rápido mas ele não se sentiu a ficar ansioso. Pelo contrário, estava entusiasmado.

- Quis proteger-te. Foi a nossa salvação, aliás, porque quando caíste... - Theo odiou a expressão de dor que passou pela face da sua mãe, mas engoliu em seco para não o mostrar. – Ele estava mais perto do que qualquer dos polícias, então foi ele que nos ajudou a levar-te para dentro de casa, enquanto a Samantha chamava a ambulância e explicava toda a situação por telefone. A Arden pediu-lhe que ficasse perto de ti até tu acordares e para lhe darmos notícias do teu estado. Nós pedimos-lhe que ela não viesse.

Theo não respondeu, porque sabia que aquela tinha sido a melhor opção. Se ele tivesse acordado e visto Arden, ou se lhe tivessem dito logo que ela estava à sua espera, ele teria ficado pior. Daquela forma, acordara pacificamente, junto da sua família, e conseguira sentir-se leve pela primeira vez em dias. Calculara que lhe tivessem dado calmantes, porque há muitas noites que ele não conseguia acordar a sentir-se tão descansado. Theo continuou a encarar a sua mãe, sem saber bem o que lhe dizer, mas apreciando o facto de ela ter sentido que ele deveria saber dos atos de Arden. Gostou de sentir que ela se preocupava com ele, mas isso não acalmava a dor que ele sentia dentro de si sempre que pensava nela e no que ela tinha feito.

Queria perdoá-la. Queria que ela aparecesse perto dele, lhe pedisse desculpa, e ele perdoá-la-ia. Mas também sabia que isso nunca iria acontecer e, mesmo que acontecesse, ele nunca poderia perdoá-la tão facilmente. Precisava de espaço de Arden Kallis porque, para conseguir perceber alguma coisa de tudo o que se estava a passar, precisava de espaço de Levi Saint. Toda a sua vida, nos últimos dez anos, fora repleta de pessoas dentro e fora da cabeça, a associá-lo ao nome de artista que tinha sido criado como se ele fosse aquela pessoa. Inicialmente, deveria ser, mas na realidade nunca fora. Levi Saint cumprira o sonho que era de Theo, apenas.

- O que é que os médicos disseram?

- Tu estás bem, querido. – Theo sorriu, gostando da resposta. – O médico que te foi designado disse que era melhor passares cá a noite, porque tudo ainda está num caos lá fora, mas que tu ficas bem. Pode ser que, depois de tudo isto passar, não voltes a ter estas crises.

- Espero que não. Não é como se eu gostasse de acordar em hospitais.

- Olha que já acreditei mais em ti. Pessoas a tratarem de ti, comida a ser-te trazida...podia ser pior.

Começaram a rir simultaneamente, Linda abanando a cabeça, embora estivesse a sorrir. Theo conseguia nos seus olhos quão aliviada ela estava, agora que tudo tinha sido exposto e, mesmo que ele tivesse sofrido, conseguia admitir que Arden fizera uma boa ação para a sua família. Crises de ansiedade não eram nada em comparação com a dor que ele vira muitas vezes nos olhos dos seus pais e da sua irmã, do sofrimento que ele lhes causava ao pedir que guardassem um segredo daquela importância. Arden Kallis poderia ser desprezível e dissimulada, mas tinha facilitado em muito a vida dos seus pais e, por isso, ele conseguia quase ter vontade de lhe agradecer.

Não o ia fazer, no entanto, porque sabia que precisava de organizar a sua vida antes de voltar a passar pelo terramoto que era Arden Kallis. Continuava a amá-la, infelizmente, mas precisava de reservar grande parte do seu tempo para se amar a si próprio. Demoraria imenso tempo até que ele conseguisse aceitar plenamente o facto de estar de volta ao mundo dos vivos, mas não era impossível. Tal como a sua mãe lhe dissera, ele conseguiria tudo o que quisesse, desde que tivesse fé em si próprio. E Theo teria, porque nunca mais queria acordar num hospital por causa de Levi Saint. Se fosse para acordar em hospitais, tinha que ser por sua própria causa!

Theo abanou a cabeça, rindo com os seus próprios pensamentos.

- Quando é que eles me trazem o jantar? – perguntou Theo, sentindo-se mais leve do que em anos.

- Quando o mereceres. – limitou-se a responder, levantando-se para procurar o resto da sua família.

O rapaz riu alto, até a sua mãe sair efetivamente do quarto, e continuou a olhar para a televisão. Já não era o repórter que falava mas sim o apresentador do noticiário, dizendo que esperavam que Theo Levi – embora eles continuassem a referir-se a ele pelo nome de artista – melhorasse. Theo sabia que estava melhor e tinha dentro de si um pressentimento de que, a partir dali, as coisas iriam melhorando ainda mais. Talvez não voltasse a confiar em Arden, mas via-se a si próprio a ter uma vida melhor no futuro e esse facto, por si só, já era indicador suficiente de que a mentalidade de Theo tinha mudado. Há mais de sete ou oito anos que ele não conseguia pensar num futuro pacifico e longínquo, mas ali estava ele, a ver-se perfeitamente feliz e sem dramas o resto da sua vida. Só tinha que sobreviver às próximas semanas, talvez meses, e depois seria livre. Livre para fazer o que quisesse. Só tinha que descobrir o que isso era.

Não conseguindo esticar o braço o suficiente para mudar de canal, ficou-se por continuar a ver a televisão. A porta do quarto estava diretamente à frente da sua maca e ele conseguia ver as sombras das pessoas que passavam pelo outro lado, algo que ele achou curioso. No ecrã da televisão, passava uma compilação de imagens de toda a sua carreira, fotografias que lhe pareciam imensamente distantes. Ele já não se revia no rapaz de vinte e poucos anos que adorava o som das multidões a gritar por eles, mas continuava, dentro de si, a amar a arte de escrever e cantar músicas. Nunca mais se aventuraria a fazer disso carreira, mas não significava que tivesse que abdicar disso de todo. Arden provara-lhe que novas memórias, boas memórias, poderiam ser criadas enquanto ele cantava.

«Espero que estejas melhor, Theo. Peço desculpa por te ter feito sofrer.»

Leu a mensagem que acabara de receber de Arden como quem não acreditava no que estava a ver, mas sabia, nas partes mais fundas do seu interior, que ela estava a ser honesta. Ela não se arrependia de ter escrito o artigo ou de o ter traído pelo caminho, mas arrependia-se de o ter feito sofrer. Arden continuaria sempre a considerar a sua carreira como a coisa mais importante da sua vida, mas talvez já tivesse ganho alguns escrúpulos em relação a pisar quem quer que fosse preciso para lá chegar. Por enquanto, Theo ficou satisfeito com essa evolução da jornalista, mas não se deu ao trabalho de responder. Queria que ela soubesse que ele continuava magoado, que não a perdoaria tão cedo, por muito que lhe custasse fazer isso. Não conseguia suportar a ideia de que Arden podia estar a sofrer e era isso que lhe custava em toda a situação – ela havia aguentado a noção inversa perfeitamente bem.

Olhou para a mensagem, para o seu pequeno telemóvel, durante mais cinco minutos, até todas as palavras lhe parecerem distorcidas e sem sentido algum. Conseguia ainda ouvir a televisão, pendurada quase no teto do quarto, e decidiu focar-se naquilo que os media diziam. O nome de Arden era referido muitas vezes, por ter sido ela a escrever o artigo que desmascarara mas, surpreendentemente, naquele canal, ninguém tinha uma palavra negativa a dizer sobre ele ou sobre ela. Talvez as coisas pudessem vir a resolver-se, Theo calculou, já que o mundo não o odiava. Talvez nunca ninguém o odiaria a não ser ele próprio – ele sempre fora o seu pior crítico e o seu pior inimigo, na realidade. 


o meu theo, como disse, vai ficar bem. melhor que nunca, aliás, porque eu tenho esperança nele 

imagino que ele se sinta muito mais novo que os seus 30 anos, principalmente depois de ter passado 5 anos em casa sem contacto com pessoas fora da sua família. eu estou há 5 meses em casa desde a pandemia e já sinto a minha vida super estagnada...imaginem cinco anos!

até ao final da história - faltam 7 capítulos - o importante vai ser o crescimento pessoal de cada um deles os dois. como o theo disse, ele precisa de se amar a si próprio e a aprender a voltar a viver como Theo antes de sequer pensar em meter a arden de novo na sua vida

eu concordo muito com ele. depois de 5 anos fechado (e da faca nas costas que recebeu da primeira pessoa a que confiou...) ele precisa de aprender a ser um humano social e funcional outra vez. estou muito orgulhosa dele.

espero que estejam a gostar e muito, muito obrigada a quem tem lido <3

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