Capítulo Trinta e Seis

- Foi hoje divulgado que Theo Levi não será acusado de nenhum crime, depois de as autoridades confirmarem que ele não teve qualquer intuito financeiro e dissimulado com o fingimento da sua própria morte. Quem o disse foi Willliam Lawrence, advogado do artista, num comunicado público. A investigação decorria desde o dia em que Arden Kallis publicou o famoso artigo a divulgar toda a história...

Arden desligou a televisão. Mais uma semana passara, completando três desde que ela vira Theo pela última vez. Claro, via-o todos os dias na televisão, porque não conseguia controlar a tentação de seguir a sua vida sem ler ou ver pelo menos uma notícia sobre ele, mas tinha saudades de estar perto dele. Nesse tempo, Arden ocupou-se a mudar completamente a sua vida. Candidatou-se ao cargo vago no jornal, foi entrevistada e eventualmente aceite. Depois de entregar o seu pedido de demissão ao chefe da revista, foi concordado entre ambas as partes que Arden continuaria a escrever pelo menos um artigo por mês, durante cinco meses - data em que o seu contrato terminaria - para não violar os termos acordados inicialmente. Quando Arden saíra da sede da revista, com Natalie ao seu lado, conseguira respirar fundo pela primeira vez.

Natalie, por outro lado, estava rapidamente a tornar-se uma grande amiga. No espaço de uma semana, em que Arden tomara para si as funções de mentora da mais nova, elas tinham-se encontrado várias vezes fora do local de emprego e isso dera-lhes a oportunidade de se conhecerem melhor. E, também pela primeira vez, Arden estava a desenvolver uma amizade que não a beneficiava só a si – muito pelo contrário. Pela primeira vez, Arden não desenvolvia uma conexão com alguém apenas pelos contactos que essa pessoa lhe pudesse dar, e apanhou-se a gostar disso. Começou a olhar para todas as suas amizades e, com exceção de Jake, não via muita gente em quem pudesse confiar. Afinal, durante todos os meses em que estivera com Theo, a única pessoa com quem sentia que podia e queria falar disso era Joslin, e Arden precisava de amigas da sua idade.

Na semana anterior ela tinha mandado uma mensagem a Theo, a pedir que se encontrassem, e ele mais uma vez não tinha respondido. Ela não ficara ofendida, porque não estava no seu direito, mas, depois de finalmente resolver todos os fios soltos da sua vida, considerou que estava mais que na altura de o enfrentar. Principalmente porque, segundo o noticiário que acabara de ouvir, Theo tinha ficado sem um outro peso nos seus ombros. Arden calculava que, a partir dali, a sua vida fosse melhorar exponencialmente e queria, com todas as forças, que ele tivesse a liberdade que sempre desejou.

Dali a dois dias, segunda feira, Arden iniciaria o seu novo cargo como uma simples jornalista no jornal mais feroz da competição. Por ser um jornal bissemanal e não uma revista semanal, como aquela em que ela trabalhara nos últimos três anos, a ética era diferente, assim como o próprio meio de trabalhar. Arden teria um mentor, um dos mais antigos trabalhadores do jornal, e estava entusiasmada por começar num novo meio. Inconscientemente, a única pessoa com quem ela queria partilhar todas as suas novas conquistas era a pessoa que menos queria falar com ela: Theo.

A certo ponto, Arden fartou-se de estar no sofá sem fazer nada e decidiu fazer algo produtivo. Como ainda estava de pijama – um hábito que ela estava lentamente a ganhar, devido ao tempo livre que tivera na última semana, desde que se despedira da revista – levantou-se e caminhou até ao seu quarto, com um plano bem desenhado e detalhado na sua cabeça. Tomou um duche rápido e vestiu uma blusa vermelha com as suas calças pretas preferidas e uns saltos vermelhos que ela adorava. Depois de verificar que o seu cabelo estava seco e penteado como ela queria, colocou a sua maquilhagem do costume e vestiu o sobretudo preto que melhor combinaria com a sua roupa. No espaço de tempo que demorou entre trancar a sua porta da frente e entrar no seu carro, Arden ganhara ainda mais certeza do seu plano.

Conduziu o caminho que já conhecia tão bem, embora não o fizesse há algumas semanas, e respirou fundo, acalmando o seu coração. A estrada que lhe era tão familiar ainda lhe causou um aperto no peito, principalmente quando ela passou pela casa laranja-escura que lhe dava tantas memórias. Helen passou pela sua cabeça e Arden suspirou, desejando que ela tivesse tido um desfecho como o da própria mãe de Arden, que ganhara forças dentro de si para ser a mulher que queria ser. Infelizmente, Helen nunca conseguiu ser outra pessoa que não a mulher de Leonard Whitt e isso custara-lhe a vida.

Arden continuou a conduzir pela rua, depois de se aperceber que tinha abrandado o carro, até chegar à grande mansão que era o seu destino.

A jornalista calculou que talvez devesse ter ligado a um dos pais de Theo antes de aparecer em sua casa, mas estava demasiado decidida. Iria sair do carro, bater na porta dourada até que um deles a deixasse entrar e depois iria finalmente enfrentar Theo. Se ele não estivesse em casa naquele momento, ela iria esperar até que ele aparecesse e depois iria enfrentá-lo. Precisava de falar com ele, de discutir tudo o que tinha ficado em aberto desde a última vez que se viram, e gostava de pensar que, nas últimas três semanas, ambos tinham mudado o suficiente como pessoas para poderem conversar de maneira diferente. De maneira mais adulta.

Quando se apercebeu de que ainda estava dentro do seu veículo, Arden Kallis endireitou a sua postura, ergueu o seu queixo e até bateu com a própria porta ao sair. Era uma mulher numa missão e fez tudo em tempo recorde: clicou no botão para trancar o carro enquanto atravessava a estrada sem verificar se vinham carros e, em menos de quinze segundos, estava a tocar no botão da campainha. Tocou uma vez e, quando não ouviu qualquer movimento dentro de casa, voltou a tocar outra vez. Segundos depois, ouviu passos do outro lado da porta, passos apressados, até que a porta abriu de rompante e Arden foi forçada a enfrentar a irmã de Theo, Samantha.

- O que é que estás aqui a fazer? – foi a primeira coisa que Samantha lhe perguntou. Arden manteve-se firme na sua posição.

- Quero falar com Theo.

Samantha observou-a atentamente, com olhos azuis exatamente iguais aos de Theo, penetrantes da mesma forma. Arden encarou-a com a mesma força de espírito, porque àquilo ela estava habituada - a pessoas a testarem-na com olhares. Passou um total de vinte segundos até que a irmã mais velha de Theo sorrisse e desse um passo em frente, pronta para abraçar Arden como na primeira vez em que a vira. Naquele dia, no dia de aniversário de Theo, Samantha tinha claramente abraçado a jornalista apenas para a deixar desconfortável mas, naquele momento, Arden não sentia a mesma energia a emanar da mulher à sua frente. E, apenas por isso, abraçou-a de volta.

- O que tu fizeste foi cruel, desprezível e dissimulado, Arden Kallis.

- Sim. – Arden assentiu, concordando. Samantha mostrou-se surpresa.

- Partiste o coração ao Theo. – Arden voltou a assentir, na sua forma caraterística, e com uma expressão passiva. – Aquele relapso dele foi causado por ti.

- Eu sei. É de tudo isso que venho falar com ele hoje. Quero que resolvamos as coisas, mesmo que não corra como eu espero. Ele precisa de uma resolução e eu também. – Samantha assentiu lentamente, como quem ainda estava a processar toda a informação.

- Ele tem estado a arrumar as suas coisas. – Samantha começou, dando espaço para Arden entrar em casa. Olhou para a jornalista, sabendo que lhe estava a dar novas informações. – Vai finalmente sair desta casa.

- Oh. Posso perguntar para onde?

- Comprou um apartamento no centro da cidade, fechou o negócio ontem. Acho que, apesar de ser tecnicamente dele, esta casa lhe traz demasiadas memórias. Preferiu deixá-la para os nossos pais. – Arden não respondeu. – Eu pedia-te o casaco, mas vais precisar dele. A minha mãe tem demasiado calor a toda a hora, então eles mantém a casa quase a temperaturas negativas, principalmente no primeiro andar.

Arden sorriu, pensando em Linda Levi. Ela gostava da senhora.

Por uns minutos, Arden perdeu-se em conversa com a irmã mais velha de Theo, quase esquecendo a razão que a levou à casa. Samantha mostrou-se de bom humor e divertida, algo que Arden começava a perceber que era de família, pois todos os familiares de Theo que ela conhecera tinham essa caraterística. Eram uma família definitivamente mais unida e alegre do que a sua foi durante muitos anos. A mulher mais velha falava de como estava feliz pelo seu irmão mais novo e as diferenças que já notava nele, e Arden gostou do facto de Samantha ter visivelmente largado as pedras que tinha na mão quando abrira a porta. Talvez ela pudesse resolver tudo com Theo, afinal. Samantha dera-lhe esperanças.

- Sam! Onde estás? Quem era? – Arden ouviu uma voz incrivelmente familiar perguntar, antes de ver a figura do homem em questão aparecer no seu campo de visão. Ele paralisou assim que a viu, quase caindo do topo da estrada. – Arden?

- Devo deixar-vos sozinhos? Pareces que vais desmaiar, Theodore. – Arden olhou para a irmã mais velha de Theo e sorriu, gostando do facto de eles ainda se tratarem como se fossem crianças.

Com um piscar de olhos na direção do irmão mais novo, Samantha subiu as escadas e voltou para o quarto de Theo, onde os dois tinham estado a arrumar as coisas de Theo em caixas. Ele continuava parado no topo da estrada, não acreditando que Arden estava mesmo ali, à sua frente, apenas a metros de distância. Arden não se mexeu, não querendo infiltrar-se no espaço pessoal de Theo, então esperou que ele decidisse se ela valeria a pena o esforço de descer as escadas. Theo demorou a ponderar a mesma coisa mas, depois de meio minuto paralisado a encarar a jornalista, para saber se ela era real, decidiu descer, um degrau de cada vez, quase como se a estivesse a torturar.

Ele nem conseguia acreditar de que ela estava ali e queria saber o porquê. Queria agarrar as suas mãos e abraçá-la com todas as suas forças, porque já tinha há muito abandonado o ódio que sentia por ela. Assim que percebera que Arden Kallis era um furacão, começou a entender melhor todas as suas razões. Começou a ligar todas as pequenas informações que ela lhe dera sobre a sua vida passada, a sua família, e percebeu que ela tinha confiado nele. Que expor o seu segredo tinha sido um último recurso para ela, devido a um ultimato que ela recebera. Não justificava nada e ele continuava a ressenti-la, mas talvez estivesse na hora de eles finalmente conversarem. Talvez não ficassem amigos no final da conversa, talvez acabassem a odiar-se, mas pelo menos ficariam com todo o assunto resolvido.

- Theo. – cumprimentou Arden, com a sua voz profissional de sempre. Theo revirou os olhos, mostrando de início a sua exasperação.

- É assim que vais começar a conversa, Arden Kallis? – ela olhou-o, procurando raiva nos seus olhos, mas não encontrou nada.

- Não sei como a começar.

Sem dizer nada, Theo indicou com a cabeça para ela o seguir e assim Arden fez, sem o questionar. Theo atravessou o rés-de-chão da mansão, por zonas onde ela nunca tinha estado, até chegar a uma porta de vidro que levava até a uma espécie de jardim ou de quintal. Ele abriu a porta e esperou que ela passasse, retirando a chave do lado de dentro e trancando-a quando saiu para a rua também. Arden calculou que ele quisesse garantir a privacidade de ambos na conversa que se seguia, portanto permaneceu silenciosa. Depois, ele passou por ela e continuou a andar até chegarem a uma espécie de pequena tenda. Ele esticou os braços para dividir as cortinas que faziam de entrada e voltou a deixar que ela entrasse primeiro. Arden não queria enfrentar o seu olhar, então caminhou a olhar em frente.

- Senta-te. – Theo indicou, apontando com a mão para uma das cadeiras que rodeava uma das mesas redondas. – Aqui estamos sozinhos.

Arden quis perguntar se ele tinha algum problema em falar dentro de sua casa, mas não demorou a perceber que ele estava a fazer aquilo por ela. Ela é que valorizava a privacidade da sua vida pessoal mais que tudo. Sorriu-lhe timidamente, algo que lhe parecia quase extraterrestre, porque raramente Arden Kallis se sentira tímida em todos os seus vinte e sete anos de vida. Theo era o motor de todas as mudanças que ocorreram nos últimos tempos e ela sabia-o e por isso é que, naquele momento, com ele sentado à sua frente a olhá-la com aqueles olhos azuis brilhantes, ela tomou uma decisão. Arden Kallis deixaria de seguir os passos do seu pai, que a ensinara a ser uma mulher de poucas palavras, e diria tudo o que sentia ao homem que estava à sua frente. Mas primeiro, contaria a sua história.

- Eu contei-te a história dos meus pais, certo? – Theo assentiu lentamente, olhando-a com confusão clara nos seus olhos. Ela sorriu, com paciência. – O meu pai não era um homem carinhoso, Theo. A forma que ele tinha para mostrar que gostava de mim e da minha mãe era trabalhar durante quinze horas por dia para nos poder sustentar. Não sei se alguma vez te disse isto, mas eu não nasci numa cidade, sou uma rapariga do campo. Até aos meus dezoito anos, conhecia pouco mais do mundo que a pequena vila onde eu morava com os meus pais. Mas, ainda assim, eu sempre soube que queria ser jornalista. E o meu pai sempre fez questão de me mostrar que odiava essa ideia.

Theo arregalou os olhos quando percebeu que ela estava a partilhar informações da sua vida voluntariamente e obrigou-se a ouvir todas as suas palavras. Podia ressenti-la, podia odiá-la um pouco dentro de si, podia não confiar nela, mas sabia que Arden Kallis não tinha pessoas com quem falar e ele queria facilitar-lhe a vida. Continuava a amá-la, apesar de tudo. Para provar a si próprio que era uma melhor pessoa e que não deixaria o seu ódio – por si ou por outra pessoa – cegá-lo outra vez, ouviu a história de Arden.

- Ele tolerou a minha ida para a faculdade apenas porque...porque tinha que ser, acho eu. Criara-me para ser uma mulher decidida, ambiciosa...basicamente igual a ele. – sorriu ao pensar no seu pai. – Podes estranhar o facto de eu não estar a falar mais da minha mãe, mas a única razão que tenho para isso era o facto de ela pouco opinar em relação à minha vida. Ela era uma mulher muito submissa, que nunca falava contra as opiniões do meu pai. O que ele dizia era lei na nossa casa, pelo menos para ela. Eventualmente, eu completei os meus estudos e esperei que eles tivesse mudado de opinião...mas não. Cheguei a casa e o meu pai não demorou mais que dois dias a dizer-me que queria que eu fizesse um curso completamente diferente. – Theo juntou as sobrancelhas, querendo mostrar a sua indignação, mas não o fez. – Conheces-me o suficiente para imaginar como eu reagi. Discutimos durante horas, até ele eventualmente fazer-me o ultimato de que eu já te falei. Família ou carreira. Escolhi obviamente a carreira e eles...ou melhor, o meu pai...mostraram logo que planeavam cortar relações comigo. E fizeram-no.

Arden respirou fundo e, quando percebeu que ele estava completamente focado naquilo que ela estava a dizer, voltou a falar.


oh shit...os nossos meninos juntos novamente, depois de 10 capítulos/perto de um mês em termos de história

o que é que achamos de uma arden impulsiva? eu acho adorável 

não sei se, no lugar do theo, quereria falar com ela tão pouco depois de tudo acontecer, mas também é verdade que três semanas podem parecer muito tempo quando muita coisa acontece. e aconteceu MUITA coisa com o theo. ele vai finalmente mudar de casa, quão oruglhosos estamos? eu estou muito <3

espero que estejam a gostar! e muito muito muito obrigada a quem tem lido. só faltam 4 capítulos eheh

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