Capítulo Trinta e Oito
Arden Kallis entrou no escritório onde trabalhava apreciando o facto de ninguém estar a olhar para ela. Trocara os seus habituais saltos altos por sapatos rasos, que ela considerou igualmente bonitos, e caminhou até ao cubículo que sabia ser seu. Naquele jornal, não existia o ambiente tóxico que ela começara a sentir no seu anterior emprego e isso era algo que lhe permitira desenvolver um novo estilo de escrita. Em todo aquele primeiro mês no seu novo trabalho, Arden foi encarregada de artigos que nunca lhe teriam sido dados antes e, apesar de sentir que estava num ponto mais baixo que anteriormente, conseguia ver as vantagens disso.
Estava a aprender um novo tipo de jornalismo, algo que ela nunca considerara ser possível quando achava que já estava no topo. Naquele escritório, ninguém a olhava de maneira diferente por ser Arden Kallis. Sabiam quem ela era, porque os seus artigos tinham sido importantes, mas não a olhavam como se ela fosse alguém inatingível. Não queriam saber dos artigos que ela escrevera porque, naquele jornal, todos trabalhavam em equipa. Arden gostou do facto de todos trabalharem em conjunto e de não existir comportamento diferenciado entre os jornalistas do escritório.
Sentou-se na sua cadeira, muito menos confortável do que aquela que tinha antes, mas que lhe dava uma sensação de pertença muito mais forte. Os tempos em que ela trabalhava sozinha já tinham desvanecido e ela estava feliz por isso, sentia-se parte de alguma coisa mais importante que ela – como se o trabalho e, portanto, todo o peso não caísse apenas sobre os seus ombros. Naquele jornal, todos tinham dentro de si a necessidade e o objetivo de mudar a sociedade, de ser a voz crítica que muitas vezes faltava. Arden Kallis integrou-se bem naquele ambiente, algo que ela tinha noção que nunca teria acontecido meses antes. Tinha estado demasiado alto no pedestal que tinha criado para ela própria para alguma vez querer descer mas, naquele momento, cinco meses depois do artigo sobre Michael James, tinha finalmente os pés no mundo real.
Durante aquele mês, Theo não comunicou com ela. Inicialmente, ela sentira-se triste, mas tentou não se preocupar. Theo merecia finalmente viver como Theo Levi, principalmente quando as notícias já mal falavam nele, e Arden sabia – pelo contacto que mantivera com Linda – que quase ninguém o seguia nas ruas. Um mês era muito tempo no mundo das notícias, do jornalismo momentâneo e impaciente, e as coisas deixavam de ser interessantes muito rapidamente. A verdade que Arden expusera sobre Theo deixara de ser relevante a partir do momento em que o próprio a admitira. Sem drama, não existia o jornalismo que algumas pessoas preferiam.
Horas depois, já no final de um dia inteiro de trabalho, Arden foi interrompida.
- Kallis?
Arden levantou a sua cabeça, para encarar quem a tinha chamado. Sorriu, ao ver que era o primeiro colega que tinha falado com ela quando ela começara a trabalhar naquela redação. Era um rapaz simpático, dois anos mais velho que Arden, e tinha sido o primeiro a associar o seu nome a tudo o que acontecera nos últimos meses. No primeiro dia em que conversaram, almoçaram também juntos e tornaram-se amigos. Além do que acontecera com Theo, ela nunca tinha ficado tão próxima de alguém tão depressa e era algo que lhe mostrava, constantemente, quão mudada ela estava.
- Nós vamos àquele bar do outro lado da estrada. Queres vir? – ela ponderou, olhando para o ecrã à sua frente.
- Não, mas obrigada pelo convite. Quero acabar isto antes de o mandar para a Jamie.
- Trabalhas demasiado, Kallis. – David disse, fazendo-a revirar os olhos.
- Se calhar és tu que trabalhas pouco, Marks.
David limitou-se a piscar-lhe o olho direito, fazendo-a rir, e a afastar-se da sua secretária. Arden impusera a si própria limites quando percebera que, embora estivesse num ambiente diferente, teria que trabalhar bastante para poder crescer naquele emprego. Não queria voltar a tornar-se a Arden Kallis distante e superior que inconscientemente se tinha tornado e, portanto, obrigou todas as pessoas da sua vida a combinarem encontros com ela para que ela nunca pudesse trabalhar demasiado.
Sentia saudades de quando Theo lhe ligava enquanto trabalhava, para desanuviar a sua carga, e depois se encontravam no seu apartamento e ele a impedira de trabalhar mais durante o resto do dia. Não tinha Theo, mas tinha outras pessoas na sua vida. Tinha David, que almoçava todos os dias com ela e com Natalie que, apesar de ser sua assistente e não secretária – porque Arden não precisava de uma secretária – continuava a fazer parte da vida profissional da jornalista. Os três tornaram-se um grupo unido, algo que Arden já não tinha desde os seus tempos de faculdade e que ela percebeu que lhe faltava. Para remediar o que tinha feito, contactava mais frequentemente Jake e Mike, os seus contactos na polícia, mesmo quando não precisava de informações, apenas porque não queria que eles se sentissem descartáveis.
Os seus pais diziam-lhe várias vezes quão orgulhosos estavam dela, e ela conseguia ouvir finalmente a honestidade nas suas vozes. No último mês, visitara-os duas vezes, porque deixou-se ter saudades das refeições caseiras da sua mãe que perdera durante cinco anos. Nesse espaço de tempo, o seu pai tinha finalmente engolido o orgulho e convidado toda a família para uma grande refeição e, apesar de Arden ter ficado um pouco claustrofóbica por estar rodeada de tantas pessoas ao mesmo tempo, gostou de estar perto de todos. Ela nunca tinha sido uma pessoa dada à sua família – ao contrário de Theo – mas, aos poucos, começava a aceitar que a presença dos seus pais tinha feito falta na sua vida.
Às sete da tarde em ponto, o telefone de Arden começou a vibrar incessantemente. Ela sorriu, ao saber que seria Natalie a perturbá-la, como ganhara o hábito de fazer, e enviou-lhe uma pequena mensagem a afirmar que já estava a sair do trabalho. Mentiu, mas não totalmente, porque desligou o seu computador e olhou à volta, não se sentindo tão viciada no trabalho por reparar que mais colegas seus continuavam a trabalhar, embora não fossem nem metade daqueles que passavam lá o dia. Arden encostou a cadeira à sua mesa, vestiu o casaco e pegou na pequena mala que tinha levado consigo para o trabalho, seguindo até às escadas.
Elevadores davam-lhe memórias de Theo e da altura em que uma sala inteira se virava para ela, para a observar. Portanto, e para tentar ser mais ativa – apesar de ter um ginásio montado em casa – preferiu subir e descer sempre os degraus, em vez de entrar no elevador. Quando saiu finalmente da sede do jornal, sorrindo para o segurança que estava à porta, do lado de dentro, preparou-se para enfrentar o raio de sol que era a atitude de Natalie. A rapariga de cabelos loiros estava encostada ao carro de Arden, tendo ido ao seu encontro de transportes públicos, como preferia fazer, e, quando viu Arden, acenou freneticamente.
- Sempre tão feliz por me ver, Natalie. – a amiga de Arden revirou os olhos, rindo para o comportamento estoico da jornalista.
- Deixa-te disso. Onde vamos jantar?
- Escolhe tu. – Natalie levantou uma sobrancelha, testando Arden. – Estou à tua disposição.
- Finalmente! Bem mereço uma inversão de papéis.
Arden sorriu, imaginando quão bem Theo se daria com a sua nova amiga. Tinham ambos um bom sentido de humor, ao contrário dela, e conseguiam que ela falasse sempre mais do que planeava. Natalie era uma ótima pessoa e Arden sentia-se mal por nunca ter procurado ser mais próxima da rapariga, mas calculou que havia tempo suficiente para remediar todas essas coisas. Portanto, tornara-se sua amiga e, até então, ainda não se tinha arrependido. Natalie era uma boa influência para a jornalista, exatamente por serem tão diferentes.
A jornalista deu a volta ao seu carro – ia sempre cedo o suficiente para o trabalho para conseguir um lugar mesmo na estrada à frente do prédio – e destrancou-o, permitindo que Natalie entrasse também. Arden não gostava do facto de Natalie andar nos transportes públicos sozinha, mas não a conseguia convencer nem iria obrigar a comprar um carro apenas para a descansar, e a mais nova estava constantemente a dizer que não se preocupava porque ninguém sabia quem ela era. Se Arden alguma vez entrasse em transportes públicos, sabia que mil olhares ficariam presos nela; ninguém lhe garantia que não fosse atacada outra vez por um outro polícia revoltado. Ser jornalista tinha daquelas coisas e ela tinha que se proteger na maneira que conseguia.
Natalie escreveu qualquer coisa na aplicação de mapas do seu telemóvel e Arden seguiu as indicações até chegarem ao destino que a rapariga loira tinha escolhido para ambas jantarem. Dali a uma semana, seria o aniversário de Arden, e Natalie comprometera-se a passar todos os dias com ela, para que a jornalista nunca se sentisse sozinha. Essa sensação de solidão começava a parecer mais e mais distante a Arden, mesmo depois de ela ter chegado à conclusão de que era isso que sentira durante anos a fio, sempre que chegava a casa. Outrora tinha o trabalho para ocupar a sua mente, mas ela não podia negar de que era uma pessoa solitária, mesmo que fingisse não se importar.
- Que sítio é este?
- Confia, Arden Kallis. Estaciona ali, tens ali um espaço! – e apontou para um lugar livre, nas traseiras de uma rua de prédios. – É uma hamburgueria. – respondeu finalmente.
Arden assentiu, aceitando a resposta curta da sua amiga. Natalie fizera questão de lhe mostrar como as suas ações poderiam ser vistas, ocasionalmente tratando Arden como ela tratava todas as outras pessoas no mundo. Quando a jornalista pedira desculpa pela forma como a havia tratado durante todos os meses em que trabalhara consigo, Natalie rira alto e anunciara honestamente de que nunca se tinha sentido mal por algo que Arden fizesse. Isso descansou o coração de Arden, coração esse que estava, aos poucos, a ficar menos e menos pesado. Com cada fio solto da sua vida que ela resolvia, ela sentia-se mais distante da pessoa que outrora tinha sido.
- Hoje, sexta-feira, vamos beber e brindar à nossa jovem idade.
- Hoje é quarta-feira, Natalie.
- E vamos beber e brindar como se fosse sexta-feira, Arden Kallis. – Arden revirou os olhos, mas riu com o comportamento da sua amiga.
Quando entraram no pequeno restaurante, encontraram uma mesa com dois lugares livres e sentaram-se frente a frente. Assim que um empregado se aproximou para escrever os seus pedidos, ambas encomendaram o mesmo tipo de hambúrguer e vinho. Natalie tinha gostos gastronómicos bastante parecidos com Arden, por isso é que era tão fácil deixá-la decidir as coisas quando saíam juntas. Além disso, a conversa entre as duas era sempre fluída e natural, sem nunca existirem silêncios constrangedores. Isso devia-se principalmente ao talento que Natalie tinha para conseguir encontrar humor em qualquer situação, como Theo, e ao mesmo talento para conseguir ridicularizar Arden nos momentos certos.
Arden Kallis sabia que podia, por fim, ser ela própria. Gostava da sensação.
- Os meus pais vêm visitar-me este fim de semana. – anunciou, de repente. Natalie arregalou os olhos. – Ofereci-me para ir buscá-los, mas a minha mãe quase me desligou a chamada na cara quando eu sugeri.
- Adoro a tua mãe. Que rainha. – Arden riu alto, baixando o volume do seu riso quando o empregado se aproximou de novo da mesa.
- Quero que os conheças. – Natalie arregalou os olhos, levando a mão ao peito. Arden revirou os seus olhos, bebendo do vinho que lhe tinha sido entregue.
- Seria uma honra. – respondeu no entanto, com um sorriso completamente honesto.
Durante o resto da noite, Arden e Natalie beberam e comeram juntas, até acabarem por pedir uma garrafa completa do vinho que tinham comprado inicialmente. Arden discutiu com a sua amiga sobre quem pagava a refeição porque, sendo ela quem entregava o ordenado da loira, sabia exatamente quanto ela recebia. Quando Natalie ouviu a refutação, riu, e anunciou a novidade que guardara nos últimos três dias: tinha finalmente decidido inscrever-se numa licenciatura e queria dedicar-se completamente aos estudos. Arden ficou imensamente feliz pela sua amiga e propôs um novo brinde, que completaram com desleixo.
A rotina que Arden tinha criado para si própria deixara-a mais feliz que qualquer outra coisa. Tinha amigos, amigos verdadeiros, tinha a sua família de novo, e tinha o hábito de sair de casa e do trabalho apenas para se divertir. Junto de Natalie, Arden sentia-se nova, feliz, e desejosa de diversão. Queria que Theo a contactasse, para poder ver as diferenças na sua personalidade e na sua vida. Sentia-se quase uma pessoa diferente do que quando eles se conheceram e, em certa medida, era mesmo. A Arden Kallis que Theo conhecera, sob a forma de Peter, era ambiciosa à sua maneira, e procurava pela justiça que achava necessária, mas perdera tanto tempo a melhorar a sua carreira que deixara a sua evolução pessoal para trás.
- Acho que não devias conduzir assim, Arden.
- Não és a minha mãe. – Arden respondeu, colocando a língua de fora para a sua amiga.
Levantaram-se lentamente, para não parecerem tão intoxicadas como estavam, e caminharam até ao balcão, para pagarem a sua refeição. Arden bebeu um café, antes de ir embora, porque não queria deixar o seu carro naquele lugar e queria levar Natalie a casa. Natalie continuava a balançar enquanto olhava para os seus próprios pés e estava constantemente a dizer quanto adorava a jornalista, esticando os braços para a abraçar. As suas personalidades mostraram-se decisivas na altura em que o álcool chegou ao seu sangue, porque Arden não parecia sequer ter bebido tanto como bebera. O café ajudou, mas ela parecia perfeitamente sóbria quando comparada com a sua amiga, que quase não conseguia andar direita. Arden riu das figuras da sua amiga e ajudou-a a caminhar até onde tinha estacionado o seu carro.
- Eu adoro-te, Arden. És tão querida, simpática...como se fosses a minha mãe.
- Não voltes a dizer isso, Natalie. – a loira riu alto, inclinando-se no banco de passageiro do carro de Arden.
NÃO CONDUZAM DEPOIS DE TEREM BEBIDO!!!
acredito que a arden é uma menina responsável que tenha muita tolerância para o alcool e essa é a única razão pela qual eu a deixei conduzir depois de beber (e para não as por a andar de táxi/transportes públicos intoxicadas e à noite) MAS NÃO APOIO A DECISÃO
quão linda é a amizade que está a florescer entre as nossas meninas? <3 o meu plano sempre foi que a Natalie se tornasse amiga da Arden exatamente por ser tão parecida do Theo, de certa forma, e infelizmente só consegui fazer isso perto do final. mas aqui está, um capítulo só delas duas, como bem merecem
eu sei que este capítulo foi apressado na forma como contou as evoluções da arden! uma das coisas que eu quero melhorar na minha edição é fazer alguns capítulos no meio ou pelo menos colocar mais informação para não parecer tão rápido
anyway, muito obrigada a quem tem lido! e espero que estejam a gostar <3 só faltam mais dois capíutlos...
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