Capítulo Trinta e Dois

Eram três da tarde quando Arden finalmente conseguiu despedir-se dos seus pais e, ao sair pela porta branca da frente, sentia-se uma pessoa completamente diferente. Abraçou o seu pai, que rodara a sua cadeira até perto da entrada, evitando os quatro degraus que se seguiam, e deixou que a sua mãe a seguisse até ao seu carro. Anja Kallis observou o carro que a filha conduzia com espanto e orgulho, olhos brilhantes de quem já não estava habituada a ver veículos daquele estilo. Por momentos, Arden deixou-se sentir orgulhosa por causar aquele tipo de sensação e, depois, ficou triste. Fez uma nota mental para mandar dinheiro aos seus pais, para facilitar as despesas que decerto eles teriam. Sentia-se uma péssima filha.

- Um dia vou até à cidade. – a sua mãe prometeu, com um sorriso esperançoso. – O teu pai nunca quer ir mas, agora que...agora que nos conectámos outra vez, talvez queira.

- Tenho espaço para vocês. – Arden preferiu dizer, continuando a evitar palavras carinhosas. Podia abraçar os seus pais e sorrir, mas continuava a sentir-se desconfortável com todas aquelas expressões de afeto.

- Estou tão feliz por teres passado por cá, Arden. Desde que vi aquelas notícias sobre o homem que te atacou...tenho andado tão preocupada. Não me perdoaria se algo te acontecesse e nós não estivéssemos perto de ti para te apoiar.

- Eu sei viver perfeitamente bem sozinha.

- Não significa que o tenhas que o fazer, querida. – Arden assentiu num só gesto, fazendo a sua mãe rir. – Tu e o teu pai são tão parecidos. Quando eu o conheci, ele era exatamente como tu, mas por escolha, não por obrigações. Os seus pais são uns anjos, como sabes. Ainda tens falado com eles, certo?

- A avó liga-me pelo menos uma vez por mês. – Anja sorriu abertamente, orgulhosa da sua filha naquele momento. – Tenho que ir andando, mãe.

- Eu sei. Tenta resolver as coisas com o tal cantor, está bem, Arden? És melhor do que achas que és.

Arden não respondeu, limitou-se a obrigar os seus braços a envolverem o corpo da sua mãe e a aproveitar o conforto imediato que o gesto lhe deu. A sua mãe beijou uma das suas bochechas prolongadamente, começando a rir sozinha por estar de bicos dos pés. Quando uns vizinhos saíram dos seus carros e olharam para a cena, Anja Kallis gritou, com todos os seus pulmões, que aquela era a sua Arden. A jornalista cumprimentou embaraçosamente as pessoas que olhavam para ela, que tinham sido suas vizinhas toda a sua vida, e gostou de ver os sorrisos abertos que recebeu em troca. Talvez visitar os seus pais de vez em quando não seria tão mau como ela achava, se a fizessem sentir sempre tão bem como naquele dia.

Só quando a sua mãe se distraiu é que Arden conseguiu entrar no carro, fazendo a mais velha rir alto e abanar a cabeça. Arden soltou um sorriso tímido, sentindo-se uma criança de novo, e baixou o vidro para voltar a despedir-se da sua mãe. Anja assentiu, com olhos brilhantes das lágrimas, e anunciou que, de qualquer maneira, tinha que voltar para o trabalho durante a tarde. A referência à nova vida da sua mãe encheu o coração da jornalista de orgulho, por ver a sua mãe a fazer alguma coisa com a sua vida, mesmo com a sua idade. Era tudo o que ela sempre quisera: ver a sua mãe a deixar de ser submissa e a mandar em si própria, a libertar-se do sistema que a prendia ao marido.

Minutos depois, o carro de Arden estava a sair da estrada poeirenta onde os seus pais moravam para voltar a entrar nas ruas principais da sua vila. Olhou pelo retrovisor, vendo a sua mãe a voltar para dentro de casa com passos pequenos, como sempre, e sorriu para a forma como tinha passado as últimas horas. Antes de Theo, Arden nunca teria pensado em voltar a falar com os seus pais, mas ali estava ela, a fazer o mesmo caminho que tinha feito cinco anos antes, com um coração incrivelmente mais leve. Tinha conseguido falar de tudo com os seus pais, de todas as inseguranças e de todas as coisas que ela sempre considerara tóxicas para o seu crescimento. Em muitas delas, os seus pais acabaram por concordar e pedir desculpa e Arden sentiu como se estivesse a passar pelo fim de uma era.

O tempo tinha consideravelmente piorado e, portanto, Arden conduziu mais devagar para não correr nenhum risco. Ligou o rádio numa estação aleatória e ocupou a sua mente a focar-se na estrada e a pensar em tudo o que tinha acontecido nas últimas horas. Ela tinha finalmente conseguido falar com os seus pais e quase não acreditava que tinha sido real, que tinha feito tudo aquilo. Tinha realmente conduzido até à casa dos seus pais, de manhã, num dia em que deveria estar a trabalhar, apenas para conversar com eles e perceber o que ela tinha de errado. Ver ambos os seus pais tão diferentes deu-lhe esperanças de que ela também pudesse mudar aquilo que já não gostava na sua própria personalidade. Ela já não adorava ser Arden Kallis como há cinco meses e sabia-o; ou, pelo menos, já não gostava de ser a Arden Kallis que o mundo conhecia.

Quando chegou finalmente à cidade, sentiu logo que o ar tinha outro peso, mas não achou aquilo negativo. O campo poderia dar-lhe uma sensação de paz e de liberdade, mas a cidade era a sua casa. Era, principalmente, onde Theo estava. Depois de mandar uma mensagem a Holand a perguntar o estado do cantor, à qual o guarda-costas respondeu esclarecendo que tinha ido embora no momento em que ele acordara, horas depois de falar com Arden, ela desistiu de ir até ao hospital. Preferia dar espaço a Theo para pensar e, depois, tentaria aproximar-se. Queria explicar-lhe o seu ponto de vista, a sua história, tal e qual como ele tinha feito ao mundo naquela manhã. Isso teria que esperar, no entanto, porque ele tinha toda uma vida a cair em cima dele e justificações a dar. Arden provavelmente era a menor das suas preocupações.

Ela só não queria que ele se magoasse. Não queria ser a razão para ele voltar a tentar o suicídio, como ele tinha sugerido na noite em que tinham discutido, em que ele tinha descoberto. Nunca escrevera o artigo a pensar que ele poderia querer matar-se de novo. Tinha pensado em todas as consequências mas, apesar da ansiedade que Theo continuava a sentir, ela nunca imaginara que apenas o facto de o mundo saber o que ele tinha feito poderia ativar aquele tipo de pensamentos outra vez. Arden sentia-se um monstro horrível e desprezível sempre que pensava naquilo que ele lhe tinha dito, na forma como olhara para ela.

Sotirios Kallis foi uma ótima ajuda para ela realmente perceber o que se passava no seu cérebro. O seu pai olhara-a com os olhos escuros de sempre, muito mais suaves do que ela se costumava lembrar, e voltara a pedir desculpa. Ele saber que a culpa era maioritariamente sua foi uma grande ajuda para Arden poder compreender e fazer uma grande introspeção. Se o seu pai não a tivesse obrigado a escolher entre eles e a sua carreira, Arden nunca teria mentalizado que era isso que tinha a fazer durante o resto da sua vida. Claro, ela tinha que assumir culpas por tudo o que fizera desde então, porque nunca fora obrigada a nada, mas perceber o porquê das coisas facilitava a forma como ela olhava para si própria.

Chegou perto das sete da tarde ao seu apartamento, na mesma altura em que começou a chuviscar. Arden sentiu-se mais sozinha que nunca, sem ninguém com quem falar e sem ter ido ao trabalho naquele dia. Depois de sair do espaço acolhedor que era a casa dos seus pais, o seu apartamento parecia-lhe vazio e escuro. Talvez tivesse sido assim que Theo olhara para ele no primeiro almoço que partilharam, em que ela o convencera apenas por saber que conseguia e em que acabaram a tarde na sua cama. Olhando para trás, ela percebeu facilmente que Theo sempre a fascinara, apenas por ser misterioso. No entanto, quanto mais soube dele, mais queria saber. A sua curiosidade foi tanta e ela nem sabia quanto ele tinha a esconder.

Arden sabia que ele se arrependia de lhe ter contado. A jornalista passara os últimos dias a relembrar-se de todas as conversas que tinham tido, todas as interações. Da noite em que Theo lhe tinha contado que era, na realidade, Theo Levi e não Peter Landon – de como ela tinha passado a noite a dizer o seu nome, apenas para o ver sorrir e fazer-se sentir melhor. Ela não sabia como é que a necessidade de evoluir na sua carreira tinha crescido tanto ao ponto de ela conseguir sacrificar a felicidade de Theo e, por conseguinte, a sua. Gostar de alguém era complicado, muito mais complicado que qualquer outra coisa por que ela passara. Mas Arden não se arrependia de nada.

Sendo tarde, ela ocupou o seu tempo a arrumar o seu escritório, pois a confusão que Theo tinha deixado depois de encontrar os rascunhos para o artigo que ela publicara ainda continuava, lá, dois dias depois. Arden arrumou tudo nas gavetas e nos montes certos, sorrindo de satisfação quando voltou a conseguir ver a madeira escura da mesa, ao invés de um monte de folhas todas desarrumadas. Depois, foi buscar os produtos de limpeza na pequena dispensa cuja porta dava à cozinha e começou a limpar o pó de todos os cantos da sua casa. Depois de varrer e lavar o chão e limpar as janelas – do lado de dentro, porque já tinha começado a chover com mais força – sentia-se exausta, mas era um bom cansaço. Um cansaço que significava que ela tinha sido ativa durante o dia e, surpreendentemente, ela ficou satisfeita por perceber que, por um dia, tinha sido produtiva sem ter ido trabalhar.

Ainda tinha que cozinhar, de qualquer forma, então reuniu ingredientes aleatórios até perceber que estava a preparar a refeição que tinha feito para o primeiro almoço com Theo. Mordeu o seu lábio e respirou fundo, não sabendo bem o que achar daquilo que estava a fazer, mas não mudou o curso das suas tarefas. Continuou a cozinhar, gostando do aroma que a refeição dera à cozinha, e voltou a pensar na sua mãe. A mulher submissa e sem voz que se tornara divertida, aberta, alegre, no espaço de cinco anos. Se Anja Kallis conseguia fazer tudo aquilo em cinco anos, numa idade em que esse período de tempo passava num piscar de olhos, Arden conseguiria fazer o mesmo enquanto ainda era nova. Enquanto ainda havia tempo.

Em vez de comer na cozinha, preferiu levar o prato e a garrafa de vinho – que tinha aberto na noite anterior, num lapso de julgamento que a fizera querer beber até não pensar em Theo – até à sua sala de estar. Depois de levar uma base para colocar sobre a mesa de café, limpa de fresco, Arden sentou-se no sofá e ligou a sua televisão. O seu instinto foi escolher um canal de notícias, de tão obcecada que ela estava com a sua profissão e com tudo o que isso significava, então procurou na lista de canais um em que estivesse a passar um filme minimamente interessante. Geralmente, Arden Kallis não tinha tempo para ver séries ou filmes na televisão mas, naquela noite, forçou-se a ter. Enquanto escolhia o canal, no entanto, o que estava a ser dito na televisão chamou a sua atenção.

- Estamos aqui, em frente ao hospital em que Levi Saint foi internado depois do seu colapso. Hoje, um artigo de Arden Kallis, jornalista na Revista Verifiqué expôs ao mundo a mentira que Levi Saint escondia do mundo...o facto de a sua tentativa de suicídio, cometida há pouco mais de cinco anos, não ter sido bem-sucedida. Nos últimos cinco anos acreditava-se, portanto, que ele estaria morto durante todo este tempo. Na manhã de hoje, em frente à sua casa, Theodore Levi falou aos jornalistas, num pedido de desculpas que terminou num colapso que se acredita estar relacionado com o distúrbio de ansiedade que ele afirmou ter. Mais nenhuma informação nos foi dada a não ser que Theo Levi se encontra estável. Os médicos...

Arden mudou de canal, respirando fundo.


peço desculpa pelo atraso (de um dia, mas) deste capítulo! ontem fui fazer um picnic com amigos e cheguei a casa tão cansada que pronto

espero que, apesar da ausência do theo (que volta no próximo capítulo!!) e do desconhecimento da arden - e, portanto, nosso - do seu estado, tenha valido a pena. foi um capítulo muito solitário, mas esse era exatamente o propósito. mostrar que a arden centrou tanto a sua vida no seu trabalho que, quando está num dia de folga...não tem muito mais.

os pais da arden não vão aparecer muito até ao final da história (só faltam oito capítulos!) porque ainda faltam alguns marcos importantes, mas vão ser referidos e eu gosto de imaginar que a sua relação finalmente vai voltar a melhorar <3 

espero que estejam a gostar e muito obrigada a quem tem lido!!

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