Capítulo Trinta e Cinco

«Se o caso de Theo Levi, que era Levi Saint, e que tentou ser Peter Landon, nos diz alguma coisa, é que viver constantemente sob luzes fluorescentes não é tão glamoroso como soa. O discurso de Theo Levi, mesmo antes da sua hospitalização, mostrou-nos todas as fragilidades de um artista que se encontrou perdido no mundo que dizia adorá-lo. A sua saúde mental foi sacrificada em favor de algo que não era visível, não era tocável, e que apenas ele conseguia sentir. Mais que nos mostrarmos revoltados por sermos traídos, deveríamos mostrar compaixão pelo caso – certamente não o único, por muito perturbador que isto nos soe – que nos foi mostrado na semana passada. O importante, na sua história, não é o facto de ter fingido a sua própria morte, mas o facto de ter sentido a necessidade de o fazer. Não dirá isto muito mais sobre nós, como mundo e como humanos, do que qualquer mentira que ele possa ter inventado?»

Num texto que encheu duas páginas inteiras e que serviu de capa para a última edição da revista, Arden Kallis manifestou uma compaixão que Theo não sabia que ela tinha dentro de si. Leu o artigo inúmeras vezes, até saber passagens de cor. Ele só tivera oportunidade de ler aquele artigo dias depois de sair em público e só o lera porque a sua mãe quase o espetara na sua cara, naquela manhã em específico. Linda tinha-lhe atirado a revista assim que ele aparecera na cozinha, para tomar o pequeno-almoço, e ele não tivera outra opção. Não sabia porque é que a sua mãe tinha comprado a revista, principalmente sendo que a capa não tinha nenhuma foto dele, mas ele não se preocupou com essas dúvidas inúteis. Leu o artigo, porque a sua mãe mandou, mas releu-o todas as outras vezes simplesmente porque quis.

Arden não lhe tinha pedido desculpa pessoalmente, mas estava a fazê-lo naquele artigo. Na edição da semana passada, ela lançara para a vida de Theo uma confusão para a qual ele não tinha estado preparado, mas ali estava ela, pronta para pedir perdão. Theo conseguira ler o artigo em que ela expunha a verdade depois de sair do hospital, quando prometeu aos seus pais que não acabaria a ficar na cama durante os dias seguintes. E, quando o leu, ele percebeu porque é que Arden não estava arrependida daquilo que tinha feito profissionalmente: era um bom artigo. Não justificava as suas ações, mas ele percebia porque é que ela só conseguia pedir desculpas por o ter feito sofrer e não pelo artigo em si.

No texto que tinha marcado a viragem na vida de Theo, era visível - pelo menos para ele - que ela fizera o seu máximo para parecer completamente imparcial e falhara. Era um bom artigo, mas Theo, que a conhecia e que sabia exatamente a que fontes ela se referia, conseguia perceber que ela se esforçara para não o colocar numa luz negativa. E, por isso, ele estava agradecido. Talvez tivesse sido por isso que os jornalistas o tinham ouvido, talvez tivesse sido realmente apenas por ele parecer tão fraco como na altura em que se tentara matar. Não sabia e não lhe importava, porque as coisas estavam finalmente a acalmar.

Depois de lhe ser passada a alta no hospital, Theo ocupara os seus dias a falar com polícias e jornalistas. Queria colocar toda a sua história em aberto, para não poder ser julgado de nada além do que ter mentido. O detetive que assumira o seu caso parecia ser um homem simpático o suficiente para não o julgar e isso facilitara toda a investigação, na parte da família Levi. Theo não tinha como saber quando a investigação terminaria, mas parecia estar a correr bem e isso era tudo o que era preciso.

Além disso, Theo passara muitas horas no seu quarto a aproveitar o simples facto de já poder abrir os estores e a janela e olhar para a rua, sem ter medo de que alguém o pudesse ver.

- O que achaste?

- É um bom artigo. – a sua mãe olhou-o sem expressão e Theo riu, levantando as suas mãos para se render. – O que queres que eu diga?

- A verdade, Theodore Levi. – Theo revirou os olhos, ainda rindo.

- A verdade é que este artigo me deu vontade de falar com ela, mas não o vou fazer. Ainda só passou uma semana, é demasiado cedo. – Linda assentiu, não dizendo mais nada. – Não vais reclamar comigo?

- Tens trinta anos, já és um homem.

- Só dizes isso quando te convém.

A sua mãe não respondeu, saindo da cozinha. Theo revirou os olhos mais uma vez e procurou a sua taça de cereais predileta, para comer o pequeno almoço. Colocou flocos de aveia na taça e cortou algumas frutas, sentindo-se...saudável, naquela manhã. Acordara de bom humor, mas sabia que o artigo de Arden também tinha ajudado. Nos últimos dias, sempre que ele se lembrava dela, ficava triste ou distante, mas aquele artigo dava-lhe uma razão para ele pensar nela e ficar feliz, finalmente. Theo tinha saudades de estar com ela mas, como dissera à sua mãe, era demasiado cedo. Arden ainda não merecia a sua confiança e ele sabia que não tinha sido esse o propósito do seu artigo. Ela estava a mudar a sua própria vida, a sua própria perspetiva das coisas.

Durante a última semana, Theo apanhara mais que uma vez um dos seus pais a falar com o guarda-costas de Arden, mas nunca sobre ele. Tinham aparentemente desenvolvido uma boa amizade depois de o guarda-costas musculado o salvar da multidão de jornalistas, na semana passada. Theo gostava de Holand, depois dos três meses de relação com Arden, simplesmente porque ele protegia a jornalista quando ele não estava perto dela. No entanto, essa apreciação passou para respeito quando descobriu o papel que ele tivera na sua própria proteção. Theo gostava de Holand, simples quanto isso. Talvez o roubasse a Arden, até.

Theo não tinha como saber quando poderia realmente avançar com a sua vida mas, por enquanto, não tinha pressa para o fazer. Estava finalmente a aproveitar o mundo como Theo Levi, a despedir-se de Levi Saint como deveria ter feito cinco anos antes. Tinha planos para começar a envolver-se mais na Fundação Saint – nome esse que permaneceria pois, apesar de Levi Saint ter morrido, seria sempre uma grande parte de Theo -, agora que não tinha o seu segredo a impedi-lo. Planeava eleger o seu pai para ser copresidente consigo, já que tinha sido John a aguentar a parte pública da fundação, e queria desenvolvê-la ainda mais. Queria criar mais parcerias com mais hospitais, criar mais bolsas de ajuda a pessoas sem capacidades financeiras para tratarem da sua saúde mental.

Ele queria mudar o mundo.

Sempre que pensava nos seus planos para o futuro, percebia que, no fundo, ele e Arden não eram assim tão diferentes. Fizeram tudo pelas suas carreiras, em sentidos muito diferentes, e tinham, dentro de si, a necessidade de ajudar pessoas que nunca eram ajudadas. Enquanto Arden lhes dava voz, Theo planeava dar-lhes os apoios necessários. Ler o último artigo da jornalista comprovara-lhe isso: Arden também tinha nos seus planos dar voz às pessoas que não a tinham. Pessoas como Theo, cinco anos antes. Por isso é que ela contactara a Fundação para se informar sobre o trabalho que eles realizavam: Arden tinha obviamente nos seus planos informar todos aqueles que não tinham outra maneira de saber que existiam ajudas possíveis. Cabia a Theo, a partir disso, ser a melhor ajuda que conseguia ser.

Estavam a trabalhar em equipa sem sequer se aperceberem. Theo ficava contente por isso, porque Arden continuava a ser a mulher que ele amava e que tinha virado o seu mundo do avesso. Queria encontrar-se com ela, cozinhar para ela de novo e beijá-la. Queria estar perto dela e agradecer-lhe por ter escrito aquele artigo - aliás, agradecer-lhe pelos dois - mas não estava preparado para o fazer. Sentia que ainda tinha direito a estar chateado, por muito que ela se tivesse mostrado publicamente mudada. Ela quebrara a sua confiança e atingira-o no sítio em que mais lhe doera, e Theo ainda não estava preparado para abdicar da dor que isso lhe causara. Queria ter espaço para pensar, por muito que o seu corpo chamasse por ela a toda a hora.

Portanto, ocupara o seu tempo a responder a todos os jornalistas que ele achava fidedignos. Lembrava-se de todas as opiniões de Arden sobre todos os jornalistas do país e fora com essas opiniões que ele selecionara as pessoas dignas de ouvirem a sua história. Passara a semana entre entrevistas por telefone e pessoais e horas sozinho no seu quarto, fazendo tudo com cuidado para nunca se sobrecarregar como fizera numa outra vida. Theo aprendera a cuidar muito melhor de si e estava nos seus planos sair de casa, quando estivesse definitivamente estável, e deixar a mansão para os seus pais. Ele queria viver longe do sítio que marcava dez anos da sua vida dos quais ele queria evoluir. Queria um apartamento pequeno, aconchegante, que ele pudesse fazer de casa para Theo Levi e não para nenhuma das outras identidades que outrora existiram dentro de si.

- Theo? – ouviu o seu pai a chamar, depois de ouvir a porta da frente abrir.

- Na cozinha! – gritou de volta, levando uma colher com fruta à sua boca. Momentos depois, o seu pai entrou na divisão, com um sorriso suave. – O que é que se passa?

- Achei que ias gostar de saber que o artigo da Arden já nos valeu centenas de candidaturas para as bolsas que criaste. – Theo sorriu quase instantaneamente. – Mas não é só!

- Mais boas notícias? – levou a mão ao seu peito, fingindo desfalecer de emoção. – Não sei se aguento, pai.

John Levi riu alto, mas revirou os olhos.

- O William ligou-me quando eu estava a caminho da fundação, por isso é que voltei para trás. – Theo olhou-o, à espera que o seu pai continuasse as supostas boas notícias. – O detetive falou com ele e, na próxima semana devem ligar-nos em relação ao resultado da investigação. Ele garantiu-me de que não serias acusado de nada, principalmente porque eles tiveram acesso aos nossos registos e viram que nós vendemos tudo e que nenhum de nós acionou o seguro. Aguentaste as boas notícias ou não? – e piscou-lhe o olho.

Theo era para responder mas o seu telemóvel vibrou com uma nova mensagem. Quando pegou no dispositivo, o seu sorriso desvaneceu ao ver que a mensagem era de Arden. Durante a última semana e meia, Arden mandava-lhe mensagens ocasionais, às quais ele nunca respondia. Sendo sincero, Theo nunca imaginou que ela seria aquela que perseguiria, na relação entre eles, mas não podia negar que se sentia bem. Percebendo que estava a olhar para o ecrã do seu telemóvel há demasiado tempo, ao ponto de chamar a atenção e preocupação do seu pai, decidiu abrir a dita mensagem. Leu atentamente as pequenas frases que ela lhe tinha escrito. Leu-as mais vezes do que lera as frases do artigo que ela tinha escrito para a revista onde trabalhava. Não, para a revista onde ela costumava trabalhar.

«Não sei se queres saber mas aqui vai: despedi-me da revista. Começo a trabalhar num novo jornal na próxima semana. Gostava de me encontrar contigo, Theo.»


um capítulo muito positivo para o nosso theo <3 ele está a crescer e a fazer os seus próprios planos e, pela primeira vez em muito tempo, a sua perspetiva do futuro não inclui ansiedade. quão orgulhosos estamos? eu estou muito.

e o artigo de arden! aquela linda, linda idiota. algo que eu quis muito fazer durante esta história - e acho que se notou - foi mesmo incluir passagens de vários "artigos" da arden, porque acho que eles dizem muito dela também. o que acham disso? gostam da forma como a arden se está a tentar redimir? 

muito muito obrigada  quem tem lido!

peço desculpa por estar a demorar um bocadinho mais que o normal, mas vou ser sincera. só faltam 5 capítulos e eu não quero que isto acabe tão cedo :( estou a gostar de reviver esta história com a companhia de algumas pessoas eheh

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