Capítulo Trinta

O operador de câmara virou para o repórter do canal que, com uma expressão solene, anunciou que passaria a emissão para o apresentador do noticiário da manhã. Arden trocou freneticamente de canal, procurando algo que lhe indicasse que Theo tinha sido ajudado a tempo suficiente. Não sabia o que fazer, então atirou a manta onde estava enrolada para o chão e praticamente correu até ao seu quarto, planeando mudar de roupa e conduzir o mais rápido que conseguisse até à casa de Theo. Quando estava a agarrar a bainha da sua camisola de pijama para trocar de roupa, o seu telemóvel tocou.

- Arden Kallis. – atendeu, sem sequer ver quem lhe estava a ligar.

- Senhora Kallis. – ouviu a voz do Holand e respirou fundo.

- Como está o Theo?

- Não muito bem, na verdade. Consegui ajudar os seus pais a levá-lo para dentro de casa e chamámos uma ambulância. Estamos à espera.

- E os pais? Como estão?

- Abalados. Eu apresentei-me e eles agradeceram-lhe, Senhora Kallis. – Arden não conseguiu sorrir.

Na realidade, ela não conseguiu sentir nada. Desligou a chamada sem conseguir dizer nada e calculou que, tendo o Holand perto de Theo, teria tempo o suficiente para tomar banho e preparar-se antes de sair de casa. O seu coração batia rapidamente contra o seu peito e Arden não demorou muito até perceber que o que estava a sentir era puro nervosismo. Apesar de ter sido ela a causar tudo aquilo, sabia que era algo inevitável e obrigou-se a pensar que, talvez, até tivesse sido bom. Theo conseguiria finalmente encarar o mundo de queixo erguido como Theo Levi, e não como o nome de artista que tinha sido criado para ele. Mas, ao vê-lo desabar daquela forma em frente a todo um mundo, Arden já não conseguia ter a certeza de si própria.

Quando saiu do duche de menos de dez minutos que tomou, com a toalha enrolada no corpo, olhou para o seu telemóvel para ver uma mensagem de Holand a dizer que Theo já estava a ir para um hospital. Arden não sabia o que fazer. Theo não ia querer vê-la, mas ela precisava de olhar para ele e ter a certeza de que ele continuava vivo, de que continuava a ser o Theo que ela conhecera, já que finalmente se livrara de todas as outras pessoas que existiam dentro de si próprio. Antes de começar a vestir-se, recebeu uma segunda mensagem do seu guarda-costas a aconselhá-la a não ir até ao hospital, porque Theo estava num estado errático.

Em menos de dois minutos, Arden tinha um plano criado na sua mente e sabia que era a coisa mais acertada a fazer. Vestiu a roupa mais quente que tinha disponível, arrumou as coisas que tinha desarrumado tanto no seu quarto como na sala de estar e, antes de sair de casa, olhou-se num dos espelhos que tinha no seu corredor. Observou atentamente o seu reflexo, demorando dois momentos a reconhecer-se. Tinha secado os cabelos com o secador e, portanto, eles caíam nos seus ombros em algumas ondas. Os seus olhos, no entanto, eram a feição que estava mais diferente: ela tinha os olhos completamente vermelhos, apesar de não se lembrar de ter chorado. Talvez o tivesse feito sem sequer ter notado, durante o duche.

Não queria sair de casa naquele estado, mas ainda era cedo e precisava de aproveitar todas as horas do dia.

Depois de se sentar no seu carro, mandou uma mensagem a Holand a pedir-lhe que ficasse perto de Theo e que lhe fosse mandando atualizações do seu estado. Não era para o hospital que ela se dirigia, mas para um sítio muito mais perturbador e assustador. Ao sair do parque de estacionamento do seu prédio, aproveitou e mandou uma mensagem a Jake e a Mike, os seus contactos na Polícia, pedindo-lhe que a atualizassem sobre o caso de Theo. Ela queria ter a certeza de que ele não era mais prejudicado do que já estava a ser porque, apesar de ele nunca acreditar nela, ela não quisera magoá-lo. Só não percebera quão importante ele era na sua vida até ser tarde demais.

Sendo quase dez da manhã, o sol já se estava a levantar e o céu parecia mais claro do que quando ela acordara. Ainda assim, era inverno e, portanto, o céu continuava coberto de nuvens escuras como seria de esperar. Arden só podia agradecer mentalmente por não estar a chover porque, com a forma com que ela estava a conduzir, um acidente seria inevitável se as estradas estivessem molhadas. Conduzia quase como uma louca, até perceber que os seus braços e as suas pernas estavam demasiado tensas e que tinha que relaxar o seu corpo para conseguir aguentar toda a viagem. Demoraria três horas, se não ficasse presa no trânsito, mas queria demorar o menor tempo possível. Queria chegar, dizer o que tinha a dizer e ir embora, mas sabia que não seria possível fazer isso. As coisas demoravam tempo a serem resolvidas – o Theo era o seu maior exemplo disso.

Estava a conduzir há quase uma hora quando o seu telefone tocou. Interligando-o com o sistema do seu automóvel, Arden aceitou a chamada e esperou que a pessoa falasse. O som do rádio foi substituído pela voz de Holand, calma como sempre, mas Arden não sabia se deveria esperar boas ou más notícias.

- Senhora Kallis. – Arden murmurou um pequeno hm, para ele saber que ela estava a ouvir. – Theo está estável. Os médicos tiveram que o sedar, portanto ele está a dormir, mas está bem. Foi apenas um ataque de pânico. O facto de ele ter comido pouco nos últimos dias, aparentemente, não ajudou. Por enquanto, os seus pais permitiram que eu ficasse.

- Obrigada, Holand. A sério. – o guarda-costas riu, alegre como sempre, mas Arden não conseguiu sorrir. Sempre a olhar para a estrada à sua frente, suspirou. – Eu sei que disse para ficares aí todo o dia, mas se os seus pais precisarem de ficar sozinhos, aproveita e tira o dia de folga. Não preciso de ti para onde vou.

- Senhora Kallis? Está tudo bem?

- Sim, Holand. Obrigada. Só vou tratar de uns assuntos que não deixei resolvidos.

Arden percebeu que Holand queria saber mais, mas também conhecia o guarda-costas o suficiente para saber que ele nunca se tentaria intrometer na sua vida. Holand limitou-se a aceitar a resposta críptica da jornalista e a declarar que ficaria perto dos pais de Theo o tempo que achasse necessário, para os proteger dentro do hospital. Ela agradeceu, desligando a chamada sem dizer mais nada. Queria falar com Theo, queria que fosse ela a estar no hospital, mas também tinha noção do incómodo que isso seria para toda a família. A mesma jornalista que expôs o seu segredo a visitá-lo no hospital? Criaria todo um drama que ela não queria enfrentar.

Portanto, fez a segunda coisa mais urgente que tinha por fazer e conduziu. Conduziu até se sentir demasiado cansada e parou numa estação de serviço para beber um café. Não era da mesma qualidade que aqueles que Natalie lhe fazia mas, para o estado em que ela estava, servia na perfeição. Comprou alguma comida para comer pelo caminho, já que o sol começava a apertar, apesar do clima frio, e era inevitável ela sentir-se fraca se não comesse enquanto conduzia durante tantas horas seguidas.

Quase por instinto, quando voltou ao carro, colocou um dos álbuns de Theo no seu leitor de discos e deixou-se ser submersa pela sua voz. Na sua última noite juntos, ela tinha-o ouvido a cantar e ele tinha-lhe contado mais um dos seus segredos. A sua voz era dos sons mais bonitos que ela alguma vez tinha ouvido e ela tinha ficado especada, à porta da cozinha, simplesmente a ouvi-lo e a observar. Vira a forma como ele estava livre, enquanto cozinhava para eles, tão livre que nem ele próprio se apercebera de que estava a cantar voluntariamente pela primeira vez em quase cinco anos. Arden sorriu, ao pensar em Theo tão livre. O Theo daquela noite em nada se comparava ao Theo que ela vira a desabar na televisão nacional.

A paisagem que rodeava Arden começou a mudar drasticamente. Deixou de ver prédios, bairros sobrelotados, e autoestradas para começar a ver apenas árvores à sua volta. Por uns momentos, deixou-se sentir bem pelo facto de sentir que estava de volta a casa – por muito que aquela não fosse a sua casa há anos. A ausência de prédios e de casas fê-la conseguir respirar melhor, sentindo o ar consideravelmente mais puro a entrar nos seus pulmões e a fazê-la sentir-se melhor. Por muito que ela fosse uma rapariga de cidade, voltar àquela paisagem, àquele lugar, trazia-lhe boas memórias, se ela o deixasse. Passara demasiados anos a tentar que o seu cérebro associasse árvores e campo às últimas e piores memórias que tinha de sítios como aquele, mas nunca conseguira totalmente.

Tal como Theo, Arden nunca conseguira apagar totalmente o seu passado.

Continuou a conduzir, tão focada que quase não virou na saída certa. Há anos que não passava por aquelas estradas, mas o caminho parecia gravado no seu cérebro – era algo que ela nunca esqueceria, nem que tentasse. De repente, a paisagem marcada por árvores começou a esvaziar, até estar rodeada de quintas com animais, terrenos cheios de árvores do mesmo estilo. Vivendas começaram a aparecer, com metros de distâncias entre eles, num formato completamente diferente daquele a que ela estava habituada. As moradias eram rodeadas por portais e por quintais enormes, maiores até do que aquele que Theo tinha atrás da mansão a que chamava casa.

Arden começou a reconhecer as casas por onde estava a passar, pois tudo parecia ter ficado na mesma nos últimos anos e, com o reconhecer das casas, começou também a reconhecer pessoas. Essas estavam muito mais diferentes que as casas onde viviam. Tinham ficado obviamente mais velhas, com mais rugas na sua cara – aquelas que já estavam na idade de ter rugas. As outras, que ela se lembrava como pequenas crianças, eram adolescentes quase irreconhecíveis, mas com as mesmas feições. Tal como acontecia em todo o lado, Arden sentia a atenção virada para si e sabia exatamente porquê. O seu carro era estranho àquele sítio, mesmo que ela não fosse e, por isso, as pessoas olhavam-na curiosamente. Queriam saber quem era a pessoa que conduzia o carro novo e caro, por entre estradas sujas e cheias de pó como aquelas, por entre quintas e pequenas casas.

O carro de Arden começou a abrandar, quase inconscientemente, quando Arden entrou na rua que conhecia melhor que a palma da sua mão. As cores das casas que a rodeavam começavam a tornar-se todas iguais, até chegar à casa que era diferente de todas. Pintada de um vermelho vivo – cor cuja razão ela ainda desconhecia – estava a casa onde Arden vivera até aos seus dezoito anos, antes de seguir para os seus estudos de Jornalismo. A casa onde tinha todas as memórias da sua infância, com primos a correr e os seus tios a conversarem com os seus pais. A casa da qual se tinha despedido – embora amasse infinitamente a sua terra – com vinte e dois anos, como consequência do ultimato que o seu pai lhe havia feito. A sua casa.

Assim que o carro parou, fazendo mais barulho do que ela estava à espera, ela olhou para o relógio. Era quase uma da tarde e ela sabia que, se os hábitos tivessem continuado iguais, as pessoas estavam a sair dos seus trabalhos para irem almoçar a casa. Ninguém, naquela terra, abdicava de uma refeição em família para ficar a trabalhar, por muito que gostassem do que fizessem. Ninguém a não ser Arden, que tivera que sair da terra que a vira nascer e crescer para sentir finalmente que pertencia a algum lado. Para criar um nome para si própria. Arden lembrava-se o suficiente para saber que, se os seus pais não tivessem mudado as suas vidas drasticamente – e não haviam mudado, porque eram imensamente adversos à mudança – estariam a fazer o mesmo que faziam sempre. A lavar as mãos e a preparem-se para a refeição.

Saiu do veículo e fechou a porta com força, quase como se estivesse a dar algum tempo de avanço aos seus pais, antes de ela lhes bater à porta. Respirou fundo e, com os saltos que tinha escolhido, caminhou seguramente entre a estrada e a porta da frente, pintada de branco. Antes de ter tempo de bater com o seu soco fechado na porta, viu-a a abrir de repente. Deu um passo para trás, com o choque, e olhou atentamente para a pessoa que estava à sua frente.

- Mãe.


aaaaaaaa, a minha arden a engolir o orgulho <3

no próximo capítulo já vos dou notícias do theo, prometo, mas a verdade é que a arden é que é a principal e o enredo é sobre o seu crescimento eheh

espero que estejam a gostar e muito, muito, muito obrigada por lerem!

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