Capítulo Sete

Oh, não. Oh, não. Oh, não. Theo, superaste qualquer nível de idiotice a que pudesses ter chegado antes.

Theo mal conseguia compreender como conseguiu ser tão idiota. Num segundo estava a passear pela rua onde morava com os seus pais há cinco anos e, no outro, estava a ver Arden Kallis do outro lado da estrada e a fugir dela. Os seus pais sempre o avisaram de que usar roupas escuras na rua era demasiado suspeito, mas não, ele preferiu ignorar os seus conselhos e ser apanhar. Felizmente, ele tinha colocado a sua peruca loira, assim como as sobrancelhas postiças e o bigode. Ter uma fortuna no banco ajudava a que ele não parecesse sinistro mas, sempre que ele se olhava ao espelho, via uma farsa. Via Theo Levi de peruca, não via Peter Landon, a pessoa que fingia ser quando saía de casa – um rapaz loiro, de bigode, que só usava preto.

Eu sou um idiota.

- Quem és tu? – Arden Kallis voltou a perguntar, olhando-o diretamente com os olhos azuis que ele já tinha visto em revistas. Eram muito mais brilhantes do que seria de esperar. Theo estava completamente aterrorizado pela jornalista.

- Sugiro que fales, filho. – o homem que o tinha agarrado sugeriu, num tom suave, algo que ele não esperara do homem de quarenta-e-tal anos que quase o atirou ao chão com toda a sua força.

- Porque é que me seguiste? – a jornalista decidiu tomar outro caminho para a conversa.

- Não estava a seguir ninguém. – Theo respondeu, fingindo uma voz completamente diferente. A sua carreira tinha-lhe proporcionado contratos de dobragem de filmes, em que ele ensaiara mil e uma vozes. Sempre que saía de casa, ele desenvolvia uma voz completamente diferente da sua.

- Queres dizer que foi pura coincidência ter-te visto a fugir de mim várias vezes nas últimas duas semanas?

Theo estava a tremer, ele sabia disso - se não pela sensação que sentia dentro de si, pela forma como o homem mais velho o agarrava de uma forma mais suave. Ter uma jornalista tão cruel e ambiciosa como Arden Kallis à sua frente, a fazer perguntas às quais ele não sabia nem queria responder, era a pior coisa que lhe podia acontecer. E Theo já tinha passado por muito. Se não tivesse passado por demasiado numa outra vida, naquele momento não estava prestes a ter um ataque de pânico com medo de ser descoberto.

Ele não podia ser descoberto.

Aquilo não podia estar a acontecer.

- Senhora Kallis, acho que ele entrou em choque. Vou largá-lo. – Theo viu, pela visão desfocada por lágrimas, a jornalista a assentir num único movimento. Ele foi largado no chão e obrigou-se a respirar.

- Foi uma coincidência. Eu juro. Por favor. – Theo odiou o facto de a sua voz quebrar, mas pensou que, se parecesse fraco, talvez eles o deixariam ir embora.

Tapou a sua cara com as suas mãos, com cuidado para não tirar nenhuma das partes falsas da sua cara, e obrigou-se a respirar. Inspira, expira. Inspira, expira. Quando a sua respiração voltou ao normal, ele voltou a olhar para cima. Arden Kallis estava a ajoelhar-se, de forma a encará-lo diretamente. Theo quis fechar os olhos, com medo de que ela o reconhecesse apenas pela cor dos seus olhos, mas depois lembrou-se de que tinha comprado lentes que disfarçavam a cor das suas íris, para que isso nunca acontecesse. Ele sabia que os seus olhos eram demasiado conhecidos para serem expostos ao público.

- Quem és tu?

- P-Peter Landon. – Arden assentiu, da mesma forma que tinha feito ao homem que o agarrara. Theo supôs que fosse o seu guarda-costas.

- Porque é que fugiste?

- Tenho as minhas razões. – Arden semicerrou os olhos e observou-o atentamente, procurando qualquer tique da sua expressão que lhe indicasse que Theo estava a mentir. Mas ele não estava, ele tinha as suas razões para fugir de jornalistas. – Não estão relacionadas contigo.

Theo sabia que a jornalista era alguns anos mais nova que ele, mas a sua postura e o seu olhar eram tão imponentes que ele quase a tratou por você. Era ridículo, no entanto, porque se fossem a comparar os seus nomes, Theo estaria numa posição muito mais acima daquela em que Arden se posicionava. Não que ele estivesse a comparar, porque a fama já não lhe interessava. Ele passara os últimos cinco anos literalmente a fugir de qualquer foco de atenção, de qualquer luz que pudesse ser lançada na sua direção. Odiava a sua vida, mas talvez fosse melhor viver como um fugitivo do que viver preso às luzes e à fama ou, melhor ainda, do que não viver de todo.

Arden olhou o rapaz à sua frente atentamente, antes de se levantar. A forma como ele tinha caído e entrado em pânico fora a única razão pela qual ela não insistira, porque ninguém conseguiria fingir tão bem um ataque de pânico. Talvez ele estivesse a fugir de outra pessoa qualquer e não dela, talvez ela estivesse relacionada com alguma história em que ele tivesse estado envolvido. De qualquer forma, ele estava a dizer a verdade e era perfeitamente visível. Um olhar direcionado para Holand foi o suficiente para perceber que o guarda-costas concordava com ela e, posto isso, ela esticou a sua mão para o ajudar a levantar. O rapaz, Peter Landon, olhou a sua mão atentamente, quase como se tivesse medo dela, mas depois aceitou a ajuda para se levantar. As suas roupas pretas estavam completamente brancas, do pó do cimento.

- Estás melhor? – Arden questionou, numa voz mais suave que o costume. Ela era sensível a problemas relacionados com ansiedade, não o podia negar.

- Sim. Obrigado. – a jornalista assentiu, com a cara tão neutra como sempre. O rapaz observou-a, quase como se estivesse a tentar perceber o que é que ela pretendia dele. Depois, abanou a cabeça e sacudiu as suas calças pretas.

Ela permitiu-se uns segundos para observar o rapaz com mais detalhe, depois de toda a adrenalina ter passado. Peter era mais alto que ela uns bons dez centímetros, mas os saltos que ela usava ajudavam a apaziguar a diferença de alturas. O seu maxilar era bem definido e ele não tinha barba, mas notava-se que os pêlos que começavam a adornar a sua face eram mais escuros que aqueles do seu bigode ou do seu cabelo. O que quer que fosse que o estivesse a assustar, não era ela, mas talvez ela fosse uma grande fonte de medo para ele. Arden queria saber toda a história por detrás daqueles olhos castanhos cheios de medo, por detrás do instinto de fuga que o possuía sempre que ele a via.

Procura a verdade.

- Não me apresentei. Chamo-me Arden Kallis.

- Eu sei. – Peter respondeu, numa voz ainda rouca. Holand, atrás dele, riu, fazendo o rapaz corar. – Toda a gente sabe quem és.

- Não toda a gente, suponho. – Arden respondeu, num tom mais divertido, mas sem expressão, como sempre. – De qualquer forma, prazer em conhecer-te, Peter. Apesar das circunstâncias.

Peter riu, mais livremente, e Arden ouviu atentamente o som. Parecia forçado, como se aquela não fosse a voz dele. O que seria idiota.

Holand tossiu e Arden olhou para o guarda-costas com uma expressão severa. O guarda-costas sorriu e fez um gesto de como iria afastar-se, para o qual Arden assentiu, sem dizer nada. Viu o homem a afastar, rindo um pouco, e voltou a olhar para Peter, que permanecia completamente paralisado à sua frente. Alguma coisa estava a fazê-lo sentir-se desconfortável e ela queria saber o que era. A curiosidade que ele despertou nela era algo refrescante quando comparado com todo o drama em que ela tinha estado envolvida nas últimas semanas. Queria saber a sua história e não obrigatoriamente para a contar; só queria conhecê-la.

Theo sentia um próximo ataque de ansiedade iminente dentro de si. Sentia os cabelos colados ao seu pescoço, a peruca quase a descolar com todo o calor que rodeava a sua cabeça. As suas mãos pareciam líquidas e a única coisa em que ele conseguia pensar era que tinha que sair dali. Isso e que, naquela altura, sentia-se exatamente igual à sua mãe. Se era aquilo que a sua mãe sentia sempre que saía de casa, ele calculou que ter a casa com temperaturas abaixo dos vinte graus era o mínimo que ele e o pai poderiam fazer para facilitar a sua vida. A sensação de estar a entrar em combustão era horrível e ele odiava-a, mas não conseguia pensar numa forma melhor de ir embora sem chamar a atenção da jornalista. Porque é que ela era tão observadora?

Ele só queria ir embora.

Virar costas e ir embora não era opção e ele sabia-o, ele tinha despertado qualquer coisa dentro de Arden Kallis, algo que era completamente visível nos seus olhos azuis, apesar de a sua expressão estar perfeitamente neutra. Theo apanhou-se a desejar ser como ela, tão decidida e ambiciosa, mas era como era, um rapaz de trinta anos que não conseguia nem podia sair de casa sem mudar completamente a sua aparência. Por escolha, ainda por cima. Qual seria a opção? Theo só sabia que queria ir embora e que Arden não deixaria que ele o fizesse assim tão facilmente.

Ela parecia-lhe tão mais velha que ele.

- Moras por aqui? Ou pela zona daquele café? – Theo inspirou bruscamente. Arden notou.

- Entre os dois. Eu preciso...eu preciso de ir embora.

- Oh?

Arden levantou uma sobrancelha e Theo percebeu automaticamente o que ela estava a fazer. Ela, com a sua expressão neutra e um mínimo sorriso, estava a tentar aliciá-lo a responder a tudo. Embora todo ele fosse ansiedade, já tinha experiência com todo o tipo de jornalistas que se podia imaginar. Repórteres, jornalistas, cronistas, entrevistadores, todos tinham falado, ou tentado falar, com Theo na altura em que ele importava para a sociedade. Se ele voltasse a sair ao público, voltariam a interessar-se por ele, por todas as razões erradas, e isso era aquilo que ele queria evitar ao máximo. Theo poderia ser fragilizado pela sensação de pânico que sentia constantemente, mas a sua experiência ainda lhe parecia recente, ainda estava bem fresca na sua mente. E, por isso, Arden não o conseguia seduzir.

- Tenho que ir. Tenho planos.

- Estás a fugir de mim? Pareces fazer muito isso.

- Ah. – Theo soltou um riso falso e seco. – Tenho mesmo que ir. Foi um prazer conhecer-te, também.

Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, Theo virou as costas e preferiu ir pelo caminho maior para sua casa. Teria que dar a volta toda ao bairro e atravessar o jardim para chegar a sua casa, mas isso era preferível a encarar Arden Kallis durante mais tempo do que era preciso. Além disso, precisava de tempo para pensar, para decidir como iria contar aos pais que precisava definitivamente de fugir, de sair de cidade. Não aguentava aquela ansiedade, aquela sensação de pânico e de paranoia que só aumentara com todos os encontros aleatórios com a jornalista mais perigosa da atualidade. Ele sabia que, normalmente, não estaria na área de trabalho de Arden Kallis, porque ela cobria casos políticos e sociais, mas Theo também sabia que qualquer jornalista quereria ser o primeiro a noticiar o seu grande segredo.

Durante todo o caminho, a sua mente não conseguia parar de pensar no encontro com a jornalista. Ele sabia porque é que ela estava lá, claro. Tinha passado as duas últimas notícias a ler notícias sobre ela, notícias de seguimento do caso que o seu artigo tinha coberto, numa tentativa fútil de tentar descansar a sua mente. Sabia que era exatamente naquele bairro que o agente Whitt – o acusado de ter morto o próprio filho que, por sua vez, era fruto de uma violação – vivia. Nos últimos dias, Theo tinha lá passado algumas vezes, como que para vigiar o agente. Os seus pais, quando se aperceberam de que eram quase vizinhos de um polícia como ele, sentiram-se automaticamente desprotegidos no seu próprio bairro. Inicialmente, o artigo parecia contar a história de uma mulher longínqua, mas a verdade é que ela tinha sido atacada por um vizinho deles. Por uma pessoa que deveria tornar o seu bairro mais seguro.

Calculava que a jornalista tivesse passado por lá para falar com o agente, talvez saber mais informações, mas quando ele a viu com a mulher do agente, Helen Whitt, tinha percebido finalmente o que se passava. Helen Whitt era uma pessoa bastante simpática, que o conhecia como Peter Landon e que sempre o conheceria daquela forma que, sempre que o via, acenava freneticamente e oferecia qualquer que fosse o bolo que tivesse feito naquela tarde. Theo conhecia Helen como uma mulher sorridente, embora com olhos profundamente tristes. A imagem de Arden sentada num banco ao lado da mesma senhora que lhe oferecera bolos todas as semanas nos últimos dois anos, com uma expressão preocupada, foi o suficiente para o manter vigilante. Alguma coisa se passava na casa dos Whitt.


alguma coisa indeed, meu theo, mas o que?

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