Capítulo Seis
- Bom dia. O meu nome é...
- Eu sei quem tu és. Arden Kallis.
As expressões de Arden mudaram rapidamente para uma de desprezo quando o homem à sua presente cruzou os braços e a olhou com todo o ódio do mundo. Arden reconheceu-o automaticamente como o agente Whitt e sentiu um orgulho interior ao vê-lo com a barba por fazer, roupas amachucadas, e o cabelo despenteado. Ele não tinha trabalhado naquele dia e só esse facto, de que ele foi minimamente prejudicado pelo que fez, fez Arden sentir-se melhor do que qualquer outra coisa. No entanto, quando ele a observou de cima a baixo, parando uns segundos na zona do seu peito, ela teve vontade de lhe bater. Não o fez.
- Vim falar com a sua mulher. Ela está em casa?
- Porque é que tu haverias de querer falar com a minha mulher?
Por uns segundos, Arden pensou se valeria a pena dizer a verdade, já que ele parecia tão pouco são naquele momento. Os seus olhos estavam raivosos e era fácil reparar que ele já tinha bebido naquele dia. As suas roupas cheiravam a álcool e, sempre que ele falava, o seu hálito atingia Arden como que numa onda. Ainda assim, a jornalista manteve-se forte; endireitou as costas e levantou o queixo e só não cruzou os braços para não chamar mais atenção para o seu peito. O agente Whitt olhou-a, esperando uma resposta e, involuntariamente, soltou um arroto. Arden fez uma expressão automática de nojo, algo que percebeu que foi um erro porque ele ficou irritado, e respirou fundo.
- Ela saberá. – disse apenas, mantendo-se indiferente.
Durante mais de dez segundos, limitaram-se a olhar um para o outro e Arden elogiou a sua própria força. Talvez se ela fosse mais impulsiva, teria seguido o seu instinto de bater no homem que causou uma vida de sofrimento a Joslin. No entanto, Arden era tudo menos impulsiva e, apesar de estar a canalizar toda a sua força para colar os seus saltos ao chão, continuava a ser a pessoa mais calma e apática que conhecia, principalmente nos momentos em que importava. Eventualmente, o agente Whitt não conseguiu esconder mais quão intoxicado estava e voltou a arrotar, levando isso como uma derrota da pequena batalha que estava a decorrer entre os dois. Arden permaneceu firme na posição em que estava, com costas direitas e queixo erguido, esperando que o homem à sua frente fosse chamar a sua mulher.
Ela não soubera como imaginar a mulher em questão mas, quando a figura do agente Whitt foi substituída pela de uma mulher pequenina e magra, Arden percebeu que não era nada daquilo que estava a espera. Quando os seus olhares se cruzaram, a jornalista observou com atenção a reação da esposa de Whitt, que se mostrou completamente assustada. Talvez nunca tivesse pensado que Arden fosse falar com ela pessoalmente, talvez tivesse mandado todas aquelas ameaças por achar que ela seria uma pessoa menos imponente. Arden não sabia o que se passava na mente da senhora à sua frente, mas sabia que ela deixara de estar segura daquilo que fizera no momento em que vira quem a tinha visitado.
- Helen? – Arden questionou, sabendo quão seca a sua voz soou. A senhora à sua frente assentiu, lentamente, quase como se ainda estivesse a processar o que estava a acontecer. – Vamos falar?
- N-não temos nada para falar. Precisas de ir embora.
- Embora? Não, eu não vou embora, Helen. – Arden cedeu finalmente à vontade de cruzar os braços, de se mostrar maior do que era. – Tem-me mandado ameaças de morte todos os dias nas últimas duas semanas e quer que eu vá embora?
Arden viu a senhora a fechar a porta atrás de si e a apertar o seu corpo com os próprios braços. Não estava frio, mas era Outono e era normal que a temperatura estivesse um pouco abaixo do que as pessoas estavam habituadas até então. Ainda assim, Arden não conseguiu ainda desenvolver empatia pela mulher à sua frente, apesar de ela parecer completamente aterrorizada. Talvez quando falassem a história lhe parecesse diferente mas, naquele momento, para Arden, ela era apenas a esposa de um agente corrupto que não sabia o que fazer com a verdade. Ela queria começar a conversa, queria confrontar a mulher à sua frente com tudo aquilo que ela tinha feito, mas sabia que essa não seria a abordagem correta. Se Arden partisse ao ataque, Helen fugiria - era claro na sua expressão e na sua postura.
- Importa-se se não falarmos aqui?
A voz fraca de Helen fez com que alarmes soassem na cabeça de Arden e ela assentiu, sendo mais que experiente a lidar com mulheres que tinham medo dos seus maridos. Memórias da sua própria mãe vieram-lhe à cabeça, de quando o seu pai gritava com toda a gente, por tudo e por nada, e a sua mãe limitava-se a baixar a cabeça e a manter-se calada. Helen parecia-lhe, naquele momento, igual à sua mãe; igual às mulheres que entrevistara sobre casos de violência doméstica, e Arden não deixou isso escapar. Assumiu automaticamente uma postura protetora e assentiu, fazendo a mulher à sua frente respirar fundo, de alívio.
Helen deu a volta a Arden e, com um braço trémulo, fez um gesto para que ela a seguisse, gesto que Arden obedeceu. Ao longe, a jornalista via Holand, sentando ainda no lugar do condutor do seu carro, e fez-lhe um sinal subtil para que ele não se preocupasse. Era fácil de perceber que Helen não era a verdadeira ameaça, mas sim Whitt, Ainda não era possível a Arden compreender como, mas era tão claramente isso que se estava a passar. Não existia outra opção para o medo que era possível ver nos olhos da senhora de cabelos castanhos e cinzentos. Foi por isso que Arden a seguiu tão fielmente, sem abrir sequer a boca, até um banco no parque situado do outro lado da estrada da casa laranja.
Sentaram-se ao mesmo tempo, Arden cruzando automaticamente as suas pernas cobertas por calças cinzentas-escuro.
- Não fui eu que mandei as cartas. – Helen sussurrou, baixando a cabeça.
- Quem foi?
- O Leonard. – Arden olhou seriamente para Helen, quando ela levantou a cabeça. – Ele leu o artigo e...e ficou tão raivoso... Pegou numa caneta e atirou-ma à cara, e obrigou-me a escrever a primeira carta.
- Obrigou? – Helen não respondeu. Arden percebeu que tinha que voltar a trocar de abordagem. – Helen...se o seu marido a maltrata, pode dizer-me.
- Para quê? Para escreveres um artigo, teres fama, e esqueceres-te de mim?
- É isso que acha que aconteceu a Joslin?
Quando Helen não respondeu, Arden encostou as suas costas à parte de trás do banco e olhou em frente. Na estrada entre o parque e a casa dos Whitt, poucos carros passavam, mas ao longe ouvia-se o som de crianças a brincar. Ao olhar para a sua direita, ela viu um parque infantil e várias a crianças a correrem entre si e com alguns cães. Era claramente um bairro calmo e protegido, ao contrário daquele onde Joslin e a sua família viveram até Michael ser morto. Morto pelo homem que não tinha sido acusado de nada, apesar de toda a polémica – pelo marido da senhora que estava sentada ao lado de Arden, com medo dele. A rapariga de cabelos pretos respirou fundo, inaudivelmente, e voltou a encarar Helen, preparada para a questionar de uma outra forma.
- Suponho que o seu marido nunca lhe tinha contado. – o tremor que invadiu o corpo de Helen foi resposta suficiente. – Confrontou-o?
- Não, porque não é verdade. O Leonard nunca faria uma coisa dessas.
- Helen, porque é que acha que o seu marido não foi trabalhar nos últimos dias?
Arden percebeu que Helen não estava à espera daquela pergunta.
- Por causa de toda a confusão na esquadra. O Leonard disse que o Sargento lhe deu dias de férias...para fugir à confusão. – Arden olhou em frente, não respondendo. Não se tinha preparado para lidar com uma pessoa tão frágil como Helen e, portanto, preferia não dizer nada.
- O Leonard foi suspenso, Helen. Isso não lhe diz nada?
- Não foi. – Helen abanou a cabeça freneticamente, algo que deu pena a Arden.
- Porque é que continuou a mandar ameaças de morte?
- Não fui eu...foi ele. Os amigos. Todos se aproveitaram do facto de eu...
- De você ter medo do seu marido.
Não foi preciso Helen responder-lhe para Arden saber a verdade e isso deu-lhe mais raiva do homem que estava pacificamente a beber álcool na casa do outro lado da estrada do que esperava. Violou uma mulher negra, matou o filho que resultou da violação, dezasseis anos depois, e maltrata diariamente a mulher que tem em casa. Arden quase não queria perguntar que idade tinham os seus filhos, com medo de que a resposta fosse tão aterradora como a realidade que cercava o agente Whitt mostrara ser, nas últimas semanas. No entanto, era preciso saber - Arden precisava de saber a história de Helen e da sua família, para a tentar ajudar. Por muito que ela achasse que Arden só queria saber das histórias e não das suas personagens, a realidade não era essa e a jornalista manter-se-ia sempre fiel àquilo em que acreditava.
Minutos silenciosos passaram até Helen deixar de se tentar fazer mais pequena e levantar o seu queixo. Arden olhou para ela atentamente, como que a procurar sinais óbvios de maus-tratos, mas não encontrou nenhum. Talvez a violência de Leonard Whitt para com a sua mulher fosse psicológica, na base da manipulação e do controlo, e isso seria muito mais fácil de prevenir. Arden precisava que Helen se mostrasse disponível para ser ajudada e, naquele momento, não parecia que isso fosse acontecer tão cedo.
- Leu o artigo? – escolheu perguntar, ao invés de confrontar Helen com a verdade cruel. Helen assentiu.
- Só li depois de o Leonard me obrigar a escrever a primeira carta, quando ele adormeceu. Queria saber o que o deixara tão assustado, tão raivoso...mas ele não me deixou ver. – Arden ouviu um suspiro fraco. – Não acredito que ele tenha feito aquelas coisas, mas...
- Mas é possível. – Helen assentiu. – Helen, para que saiba, a Joslin está perfeitamente segura. Foi das primeiras coisas que tratei, depois de publicar o artigo. – os olhos verdes da senhora ao seu lado brilharam com lágrimas e Arden continuou a falar. – Percebo que não está pronta para me contar nada agora mas, quando estiver, que a minha profissão não seja um obstáculo. Eu vou protegê-la, se for caso disso.
Ao seu lado, Helen não lhe respondeu e Arden respirou fundo, sentindo que se estava a enterrar cada vez mais naquele drama. O que começara como um homicídio provocado por racismo estava a ter tantas camadas, tantas histórias dentro de histórias, que Arden não sabia para que lado olhar. De um lado, tinha Joslin, que era tão obviamente uma vítima, mas tão forte interiormente e, do outro, tinha Helen, uma vítima num sentido completamente diferente, mas da mesma pessoa. Uma vítima que, ainda assim, estava a proteger quem a atacava. Era perfeitamente normal aquele comportamento, no entanto, e Arden sabia melhor que insistir por mais informações. Sabia tudo o que precisava, para o momento.
Leonard Whitt explorara o medo que a mulher sentira dele e tornara-a no veiculo para tentar atacar a jornalista. Obrigara-a a fazer coisas que não queria, influenciando ainda mais a opinião que Helen pudesse ter de Arden, para a puxar mais para o seu lado. Talvez Arden devesse sentir-se aliviada, porque um guarda-costas nunca mais seria necessário, mas ela sabia que Helen era apenas o meio para um fim e que existia um grupo de pessoas que a queria ver mal, que queria que ela perdesse o seu emprego e quem saberia mais o quê. Ela não tinha medo, porque estava segura a partir do seu privilégio, mas receava por Helen, pois era ela quem vivia com Leonard diariamente e estava exposta à sua manipulação e controlo.
- Sabe dizer-me nomes? Dos colegas de Leonard que a utilizaram para mandar as ameaçar. – Helen assentiu. Arden retirou o caderno da sua mala e esticou-o para que Helen o agarrasse. A mais velha abanou a cabeça, recusando.
- Tenho medo que ele veja o que eu estou a fazer. – Arden assentiu, percebendo facilmente o medo que a mulher sentia.
Pediu, então, que ela ditasse os nomes. Continuaram a falar, Helen sem dar mais informações do que aquelas que Arden viera finalmente pedir, mas menos do que aquelas que Arden queria depois de saber mais. De vez em quando, a jornalista via a mulher olhar à volta, como se tivesse medo que alguém além do seu marido as estivesse a observar e Arden, inconscientemente, começou a fazer o mesmo. De longe, conseguiu indicar a Holand para verificar o perímetro e, poucos segundos depois, viu-o a seguir as suas ordens. Não sabendo o que fazer mais para que Helen ficasse confortável, Arden descruzou as suas pernas e levantou-se do banco. Helen permaneceu sentada, olhando a jornalista com olhos medrosos e iluminados por lágrimas que ainda não haviam caído. Após tirar um cartão da pequena mala que tinha trazido consigo, Arden esticou a sua mão.
- Decore este número, Helen. Se precisar de alguma coisa, seja o que for, ligue-me. Eu tenho contactos suficientes para a manter segura.
- O Leonard nunca me bateu. – Helen reiterou, pegando ainda assim no cartão.
- Acredito em si, mas isso não significa que ele não a tenha magoado. – quando Arden viu uma lágrima finalmente cair do olho esquerdo da senhora à sua frente, suspirou. – Qualquer coisa que precise.
Quando Helen finalmente assentiu, Arden ensinou-lhe pequenos truques para conseguir decorar o seu número. Era demasiado perigoso para Helen levar um cartão dado por Arden para casa e a jornalista sabia-o, então não queria nem sequer correr o risco de tornar Leonard suspeito. Naquela tarde, ele estava demasiado bêbado para ser defensivo, mas talvez dali a umas horas já não estivesse e Arden não queria colocar Helen em mais risco do que aquele em que já estava. Dez minutos depois, Helen conseguiu recitar o número de Arden de trás para a frente e de frente para trás e só aí é que Arden deu um passo para trás, aceitando que tinha feito o que podia, naquela altura. Fez uma nota mental para falar com Jake e com Mike, o seu amigo detetive, assim como falar com Holand sobre a possibilidade de fazer uma nova investigação a Leonard, mas naquele momento era o máximo que ela podia fazer.
Afastaram-se cinco minutos depois, quando Arden teve a certeza absoluta de que Helen confiaria nela, caso fosse necessário. A mulher mais pequena quase tropeçou quando se apressou a atravessar a estrada e entrar na sua propriedade e Arden pressionou os lábios um no outro, pensando no que deveria fazer. Joslin tinha sido uma situação completamente diferente e tinha estado aberta a receber ajuda; Helen estava claramente presa na influência do seu marido, por muito que já tivesse noção da verdade que circulava.
No momento em que Arden se apanhou sozinha, respirou fundo e observou o espaço à sua volta. As diferenças entre aquele bairro e o bairro onde Whitt tinha morto Michael James não lhe escaparam e Arden fartou-se da injustiça de tudo aquilo. Apesar de maioritariamente apática, Arden lutava diariamente por um mundo melhor, uma investigação e uma notícia de cada vez. Era por isso que ela tinha sido nomeada para um prémio de tanto renome, era por isso que estava a ser perseguida por possivelmente todo um grupo de polícias revoltados por terem sido expostos.
Caminhou lentamente de volta ao seu carro mas, a certo ponto, sentiu que estava a ser observada. Olhou para o seu lado esquerdo, o lado da casa de Helen e de Leonard, e viu, tal como duas semanas antes, um corpo completamente vestido de preto. A primeira opção que passou pela cabeça da jornalista foi que talvez fosse um polícia a segui-la - ou outra pessoa qualquer ofendida pelo artigo que escrevera. Depois, lembrou-se que, na situação em que tinha visto uma pessoa com o mesmo estilo de roupa, ainda não tinha escrito o artigo. Aliás, tinha acabado de se encontrar com Jake, para de seguida escrever o artigo.
Do outro lado da estrada, o corpo paralisou e Arden quis correr atrás dele, mas limitou-se a continuar a andar lentamente, em passos largos. Esperava que a sua presença fosse imponente o suficiente para paralisar a pessoa que aparentemente a estava a seguir, mas não teve tanta sorte. A pessoa – que Arden percebeu ser um rapaz, uns segundos depois – começou a correr, até ser agarrado por um Holand que apareceu do nada. A rapariga de cabelos escuros andou rapidamente até onde Holand agarrava o rapaz no momento em que o guarda-costas lhe puxou o capuz para trás.
- Quem és tu?
helen :(
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