Capítulo Onze

Os seus pais olharam para ele, sem saberem bem o que fazer. Quando John esticou a mão para mudar de canal, Theo abanou a cabeça freneticamente, obrigando-os a continuarem a ver o canal. A imagem de Cherry Bates foi substituída por uma compilação de vídeos de Theo – de Levi Saint -, em entrevistas, passadeiras vermelhas, concertos, na rua. Ao fundo, conseguia ouvir-se o primeiro single que ele tinha lançado, algo que o fez começar a soluçar mais violentamente. Theo sabia perfeitamente porque é que estava a reagir daquela maneira ao ser confrontado com a realidade que tinha criado para ele próprio.

Durante os últimos cinco anos, apesar do pânico, da paranoia, ele tinha sido bem sucedido em ignorar toda a sua vida anterior.

Lembrava-se perfeitamente do dia em que tinha decidido terminar com a sua vida. Era o seu vigésimo-quinto aniversário e marcava também os cinco anos e meio do primeiro contrato com uma produtora. Theo tinha começado por publicar simples vídeos de musicais originais na Internet e, meses depois, sem saber bem como, tinha-se tornado numa sensação digital. Entre os seus dezanove e vinte anos, fora quase perseguido por produtoras a quererem fazer um contrato com ele, e finalmente decidira naquela que lhe parecera a melhor. Durante quase quatro anos, a sua vida parecera-lhe quase um sonho mas, embora os seus problemas com a ansiedade ainda não tivessem começado, ele sentira sempre que aquilo seria sempre efémero.

Quando as digressões se tornaram internacionais e ele acabava a passar meses sem ir a casa, os ataques de pânico começaram. Em palco, ele era Levi Saint, o nome de artista escolhido para ele no início da sua carreira: um cantor popular e carismático que conseguia manipular multidões de milhares de pessoas a cantarem com ele e por ele as músicas que ele tinha escrito. A sua carreira sempre fora uma espécie de montanha-russa, com altos e baixos constantes, mas o bom superava definitivamente o mau. Theo aguentava facilmente todas as viagens, o jet-lag e não comer a comida caseira da sua mãe porque sabia que, no fundo, estava a viver o seu sonho.

Antes de Theo se tornar famoso, os seus pais não eram, de todo, ricos. Samantha era mais velha que Theo três anos e, pela altura em que ele completara os dezoito anos, grande parte das poupanças da família tinham sido dirigidas para pagar os estudos de enfermagem. Theo não se importara, porque na realidade nunca tinha tido planos académicos, mas sabia que isso lhe cortava grande parte das suas opções. Portanto, começara a publicar vídeos na Internet, na esperança de eventualmente ficar famoso e ganhar patrocínios ou qualquer coisa do género, mas o que acontecera estava completamente fora de qualquer uma das suas esperanças.

Com a carreira crescente de Theo, também a sua conta bancária e a dos seus pais crescera exponencialmente. Ele compara-lhes carros, roupas, pagara todos os empréstimos que alguma vez tinham feito e ainda vivia plenamente confortável. Comprara a casa – praticamente uma mansão – em que viviam agora, e tudo o que podiam querer mais. Infelizmente, o dinheiro deixara de ser suficiente quando a vida de Theo passou a ser exposta em todo o lado. A adrenalina que cantar em palco lhe dava foi substituída por ansiedade e ele mal conseguia sair à rua sem ser praticamente derrubado por jornalistas que queriam infiltrar-se na sua vida.

No dia do seu aniversário, ele decidira finalmente que a sua vida não valia a pena. Ingerira todos os comprimidos que lhe tinham sido receitados para a ansiedade de uma só vez e esperou que a sua consciência partisse. Quando acordou, estava num hospital, com toda a sua família à sua volta, a chorar, abraçados uns aos outros. Ele chorou também, mas por razões completamente diferentes das deles. Opostas, até. Mas, no momento em que viu a dor que causou à sua família, a ideia mais louca que ele já tivera passou-lhe pela cabeça.

«E se fingirmos que eu morri?»

Ele lembrava-se das expressões horrorizadas da sua família na perfeição, mas quanto mais pensara no assunto, mais gostara da ideia. Para o mundo, a tentativa de suicídio teria sido bem sucedida; a sua carreira terminaria e, com ela, também todos os ataques de pânico diários que ele andava a ter no último ano. O mundo lembrar-se-ia dele como mais um artista que não aguentou a pressão de estar no centro das atenções mas, para a sua família, para ele próprio, para quem importava realmente, ele estaria vivo e bem de saúde. Ninguém precisava de saber, além de quem se preocupava com ele. Theo estava rodeado de falsos amigos, de falsas namoradas, de pessoas que só o queriam por ele ser famoso. Uma morte falsa serviria também para acabar com aquilo.

- Theo, querido...as coisas vão ficar bem.

- Como, mãe? – perguntou Theo, com a voz a quebrar. – Todos os anos vai ser isto! Porque é que me deixaram fazer uma coisa destas?

- Porque era o que querias. – o seu pai respondeu, na sua voz grave e suave. – Porque vimos que, naquela altura, era aceitar a tua ideia louca ou ver-te a morrer dali a uns meses. Tu sabes que não aguentarias mais aquilo tudo, Theo.

Theo assentiu, concordando.

Sabia que, se tivesse simplesmente saído ao público e dito que já não queria ser cantor, as coisas teriam sido demasiado complicadas. Conferências de imprensa, justificações a todos os fãs, pedidos de desculpa...Theo não conseguiria aguentar tudo aquilo – ele sabia-o. Naquela altura, ele estava demasiado fraco para sair à rua e admitir que não gostava da sua vida. De certa maneira, a solução que tinha escolhido tinha sido a melhor. Apesar de mal sair de casa, estava rodeado pela sua família que o amava e que ele amava, aquilo que ele queria desde que iniciara a primeira digressão pelo país. Desde aí, a sua vida nunca mais tinha sido a mesma coisa.

- Onde quer que estejas, teremos sempre saudades tuas, Levi. – a voz de Cherry Bates voltou a despertar a atenção dos três. – Charles, o que é que tens a dizer sobre o caso de Levi Saint?

Oh, não. Theo praguejou.

- Foi uma pena, Cherry. Levi Saint ou, melhor, Theo Levi, foi um grande artista. Lembro-me vagamente de, depois do lançamento do seu segundo álbum, ter dito que o considerava quase uma reencarnação de David Bowie. O seu estilo era refrescante, era novo, e era exatamente o que o mundo precisava. Foi realmente uma pena a sua mente brilhante ter sido enegrecida pelos mesmos problemas que, infelizmente, já se verificaram anteriormente. Cinco anos depois, celebridades por todo o mundo continuam a manifestar sinais de que a pressão da fama é demasiada para eles e muita gente considera que eles sejam fracos. Eu acredito que nenhum humano esteja perfeitamente programado para lidar com as coisas que cantores, atores, etcetera, lidam todos os dias. Creio que o caso de Levi Saint seja um exemplo de um problema maior.

Theo estremeceu, quando ouviu o som nome real a ser utilizado na televisão, mas não disse nada. John desligou finalmente a televisão e Linda abraçou o seu filho, limpando as lágrimas que continuaram a cair. Por alguns segundos, Theo deixou-se ser confortado pelo carinho dos seus pais, mas depois engoliu em seco e endireitou a sua coluna. Ignorou os olhares repletos de pena dos seus pais e levantou-se do sofá, dirigindo-se à cozinha para ir buscar comida, porque sabia que não poderia estar tantas horas sem comer. O programa de Cherry Bates era apenas um em centenas, talvez mais ninguém fosse querer saber do quinto aniversário da sua suposta morte. No momento em que o pensou, Theo soube que era mentira.

Por muito que ele preferisse ignorar a sua carreira e o facto de ela ter existido, Theo tinha perfeita noção da influência que tinha tido no mundo da música. Ganhara inúmeros prémios, os seus concertos esgotavam e, por ser conhecido, tinha visto portas serem abertas em áreas em que ele nunca pensara ser possível. Tinha aparecido em séries, participado em filmes e, apesar de, cinco anos depois, ele mal se conseguir lembrar daquilo que fazia sem sentir o seu coração a apertar, tinha sido uma vida cheia de coisas boas e inéditas. Como o tal Charles dissera, tinha sido uma pena que tudo tivesse terminado daquela forma. Mesmo que não tivesse terminado da mesma forma que o resto do mundo pensava, tinha terminado. Theo nunca mais pegara numa guitarra, nunca mais cantara. Não conseguia, não sem querer vomitar.

- Tu aguentaste o pior, Theo. – falou consigo mesmo, enquanto entrava na sozinha e se dirigia ao frigorifico – Não é melhor vê-los a falar do teu passado que vê-los a propagarem rumores? É melhor, tu sabes que é melhor.

Fez uma sandes devagarinho, quase como se ainda estivesse a processar tudo o que aconteceu nos últimos minutos. Precisava de sair de casa, mas não sabia se tinha em si as forças para colocar todo o seu disfarce. As quatro paredes começavam a tornar-se demasiado sufocantes, mas Theo obrigava-se a lembrar-se de que foi ele a escolher aquela vida de eremita, de fugitivo. Foi ele que não aguentou a pressão, a vida que, há mais de dez anos, também tinha escolhido. Parecia nunca estar satisfeito e isso frustrava-o, mas não sabia o que mais fazer.

- Tu estás bem. – voltou a dizer para si próprio. – Melhor que há cinco anos, por muito estranho que isso te pareça. Não sejas idiota.

Depois de completar a sua sandes, colocou-a num prato, encheu um copo com água e, sem mais palavras, caminhou arrastadamente até ao seu quarto. Fechou a porta atrás de si, trancou-a e deitou-se na cama, respirando fundo. Tinha trinta anos, mas parecia que tinha quinze pela forma como a sua vida andava. Não tinha amigos, só tinha a sua família. A sua vida estagnara. Talvez tivesse ficado pior do que estagnada, porque nunca tinha sido assim antes. Cabia a Theo decidir se valia a pena ter criado toda aquela teia de segredos, mas assim que duvidou de si próprio, impediu-se de seguir por essa linha de raciocínios.

Era óbvio que tinha sido a melhor escolha. Como o seu pai tinha dito, era morrer naquele dia ou dali a alguns meses. Theo sabia dentro de si que era verdade e odiava ter causado aquele tipo de dor à sua família, mas a cruel verdade era que, se não tivesse decidido tomar uma medida tão extrema, Theo teria tentado terminar a sua própria vida outra vez. Os pensamentos suicidas tinham-no perseguido durante meses antes de ele tomar a sua decisão final e, apesar de ter decidido fazê-lo no seu aniversário apenas como um toque mais dramático, era algo inevitável. Dentro de si, tinha sido quase inevitável – tinha tomado a decisão e o seu corpo estava apenas a seguir ordens.

Abrir a caixa de comprimidos, agarrar o copo de água... tomá-los todos.


o meu theo merece toda a proteção do mundo :(

eu acho que ele é a minha personagem masculina mais "frágil" e honestamente? tenho um orgulho enorme nele e nem sequer é real ahahaha, se houve algo que eu quis fazer nesta história (e que nem sabia que o queria fazer até a começar a escrever!!) foi inverter aqueles papéis típicos do rapaz super detached e da rapariga super introvertida e tímida. e acabei a escrever as minhas personagens preferidas <3 eles são bem mais velhos que eu, mas espero ser como eles quando for grande 

obrigada a quem tem lido <3

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