Capítulo Doze

- Está de volta, menina Kallis? – Natalie perguntou, com um sorriso contente.

- Para ficar. – Arden respondeu, fazendo o sorriso da secretária alargar.

Cinco dias depois de Leonard Whitt ser preso e de o Chefe do Departamento Militar do país fazer uma declaração em relação a tudo o que se tinha passado no último mês e pouco, Arden voltou finalmente ao trabalho. Anthony Jenkins ligou-lhe pessoalmente para se certificar de que ela estava bem e ela, embora tivesse revirado os olhos para a atenção desnecessária, estava contente por voltar. Emily já falara com ela sobre os planos que tinha em relação ao próximo número da revista e Arden estava curiosa, pois era acerca de um cantor que já tinha falecido há cinco anos. Geralmente, ela não quereria saber de coisas desse género porque a revista não era, de todo, uma revista cor-de-rosa, mas estava feliz por poder escrever algo que não originasse obrigatoriamente o nível de drama que o artigo sobre Michael James criou.

- A Senhora Roberts ligou a informar que já mandou os seus próximos trabalhos para o seu email. – Arden assentiu.

- Obrigada, Natalie.

- Bom trabalho, Senhora Kallis. – desejou, com um sorriso feliz. Arden não respondeu e entrou no seu escritório.

Com todo o seu corpo submerso em alívio por estar de volta ao escritório, Arden ligou o seu computador e, enquanto esperava, preocupou-se em mandar uma mensagem a Holand a perguntar como estava tudo. Nos últimos dois dias, o Ministério Público criara uma investigação dentro do Departamento da Polícia para saber ao certo quantos polícias tinham escapado da justiça que lhes era devida. Arden estava contente por ter sido a origem de uma reviravolta daquele género, ainda para mais porque Joslin lhe tinha ligado, completamente satisfeita com o resultado de tudo. Por dentro, guardado quase numa caixa que nem Arden tinha coragem de abrir, estava o pequeno sentimento de culpa que permanecera desde que Leonard gritara com ela na zona do crime.

Arden abanou a sua cabeça, para afastar qualquer sentimento negativo da sua mente. Estava de volta ao trabalho, ao seu sitio seguro, em que podia finalmente continuara a ser parte da vanguarda do novo mundo que começava a nascer. Foi nisso que pensou enquanto se despiu do seu casaco verde-escuro e compôs a camisola de malha bege que tinha vestida. Respirou fundo, antes de voltar a caminhar até à sua cadeira almofadada e se sentar na mesma, e partiu imediatamente para abrir a sua caixa de entrada eletrónica e ver o que tinha perdido. Viu emails de familiares, de ex-colegas e de todo o género de pessoas a felicitarem-na por ter causado uma tão grande mudança na sociedade.

Ela tinha acabado por não ganhar o prémio para o qual fora nomeada, mas estava um passo mais perto de fazer tudo aquilo que pretendia.

Quando o seu telefone tocou, Arden demorou uns segundos a aperceber-se de que o som vinha de perto dela. Virou-se para o dispositivo preto, que continha uma pequena luz vermelha brilhante, e atendeu, lentamente. Cumprimentou a pessoa com o mesmo cumprimento de sempre, um simples Fala Arden Kallis, e esperou que alguém falasse. Esperou vinte segundos que alguém falasse, até ficar demasiado impaciente e intervir na chamada. Ouviu, do outro lado da linha, alguém a respirar rápida e ofegantemente. Arden fartou-se rápido daquele tipo de jogos e desligou a chamada, não se preocupando com quem pudesse ser. Logo de seguida, clicou no botão que a faria entrar em contacto com a secretária, que atendeu rapidamente.

- Sim, Menina Kallis?

- Consegues mandar o número da última pessoa que me ligou agora mesmo e mandá-lo ao Holand, por favor?

- Claro, Menina Kallis. É para já.

- Obrigada, Natalie.

Arden ainda esperou uns cinco minutos, antes de se imergir completamente no seu trabalho, que Holand ou a mesma pessoa a tentasse contactar de novo, mas nada aconteceu. Posto isso, enviou a Natalie um pedido para que nenhuma outra chamada passasse para o telefone do seu escritório e preocupou-se em fazer o seu trabalho. Tinha alguns artigos menores para escrever, editoriais em que tinha sido pedido a sua ajuda, e comentários para outros jornais em que ela participava esporadicamente. Agora que Leonard estava preso e ela não tinha que se preocupar com Joslin nem com Helen, os seus ombros pareciam-lhe um pouco mais leves, mas não totalmente. Ela nunca estava completamente livre de problemas.

Completamente concentrada naquilo que estava a fazer, Arden praticamente nem ouviu Natalie a bater à sua porta. Num movimento automático, levou a sua mão à parte de baixo da sua secretária e clicou no botão que destrancava a porta. Viu a secretária entrar, com um conjunto alto de ficheiros seguros nos seus braços. Arden quase sorriu com a visão da sua secretária quase a tropeçar com o peso dos ficheiros nos braços, mas também não se ofereceu para a ajudar. Sabia que Natalie preferia ser independente, tal como a jornalista. De qualquer forma, não demorou mais de quinze segundos a chegar à secretária de Arden e a pousar os ficheiros no sítio do costume, num porta-revistas que Arden guardava no canto direito da sua mesa, especificamente para aquilo.

- São os ficheiros que a Senhora Roberts pediu que eu lhe entregasse, como pesquisa para o artigo que irá escrever para a edição do próximo mês. – Arden assentiu, silenciosa. – Precisa de mais alguma coisa?

- Holand encontrou algo?

- Não, Menina Kallis. Enviei-lhe o número e ele disse apenas que iria investigar. – Arden voltou a assentir.

- Então não preciso de mais nada. Obrigada, Natalie. – a secretária sorriu, assentiu e virou-se para trás. – Aliás... Desculpa, Natalie, mas podes ir buscar-me um café, por favor?

- Claro, Menina Kallis. Volto já.

Arden sorriu-lhe profissionalmente, gesto para o qual Natalie riu um pouco, sem dizer nada. Fechou a porta atrás de si quando saiu do escritório da jornalista, deixando-a sozinha mais uma vez. Com as pernas cruzadas como era costume, Arden esticou os braços para pegar nos tais ficheiros que tinham quase causado a queda de Natalie, achando toda a situação divertida. Abriu o primeiro ficheiro, que continha todas as informações sobre o tal cantor que Emily queria que fosse o centro das atenções naquela edição. Arden reconheceu-o imediatamente. Era Levi Saint: um cantor que, no espaço de cinco anos, tinha-se tornado numa estrela e, no seu vigésimo-quinto aniversário, tinha cometido suicídio. Os seus álbuns tinham sido a banda sonora de toda a sua licenciatura; ela própria tinha ido a mais que um concerto, de tanto que gostara do cantor.

A jornalista tinha vinte e dois anos quando Levi Saint cometera suicídio, terminando com a sua vida e a possível evolução da sua carreira de uma só vez. Não a surpreendera, no entanto. Apesar de, nos palcos, o cantor se mostrar sempre feliz, rumores sobre possíveis abusos de drogas e de álcool não faltavam. Mesmo que fossem todos mentira, teria que existir um fundo de verdade para qualquer jornalista se sentir confortável a publicar aquilo, mesmo que nunca fosse merecer o título de jornalista. Arden jurara, aos vinte e dois anos, que nunca cederia às revistas cor-de-rosa, que exploravam a dor e o sofrimento dos artistas apenas para terem conteúdo. Jurou consigo mesmo que nunca seria considerada paparazzi – que o seu jornalismo seria bom. E foi.

Por dentro, ela sentia toda uma mistura de sensações por vir a escrever um artigo sobre o infame cantor. De certa forma, sentia-se realizada; ele não vivera anos suficientes para que ela pudesse seguir jornalisticamente o seu trabalho, então aquela era uma boa oportunidade. Ocasionalmente, ela ainda ouvia os álbuns do cantor, que ela consideraria sempre atemporais, e era dos poucos prazeres que ela permitia a si própria. Uma viagem de carro tornava-se mais fácil quando ela não se sentia sozinha, principalmente quando eram viagens de horas às quais ela era obrigada devido ao seu trabalho. Ser jornalista tinha daquelas coisas.

«Nome de Artista: Levi Saint. Nome Real: Theo Levi. Cantor, ator, dobrador. 1989-2014»

Ao lado das pequenas informações, estavam várias fotos da vida de Theo, assim como alguns artigos que tinham sido escritos sobre ele na revista, enquanto ele estava vivo. Arden empenhou-se a ler tudo aquilo, colocando de lado a tarefa que tinha estado a fazer antes de Natalie ter entrado no seu escritório. No espaço de uma hora, Arden tinha lido todos os ficheiros pelo menos duas vezes e a sua cabeça rodopiava com novas ideias. O objetivo era relembrar o artista, sem falar demasiado daquilo que tinha manchado a sua vida e, por conseguinte, a sua morte. Arden queria falar de Levi Saint, a pessoa, e não a celebridade – ou seja, Arden queria falar de Theo Levi. Aquela era a oportunidade perfeita para escrever algo que não acabaria com ninguém morto – porque o tema do artigo estava morto.

Pensaste o mesmo quando viste a foto de Michael James, Arden. Não lances os foguetes antes da festa.

Ignorando qualquer pensamento que pudesse fazê-la duvidar de si própria, Arden voltou a ler todos os ficheiros, daquela vez anotando numa folha de papel azul-clara todas as ideias que tinha enquanto lia. A vida de Levi Saint era-lhe fascinante – ele começara como um simples rapaz de dezanove anos, sem planos a não ser que quereria fazer música um dia, e acabara uma das maiores celebridades de todo o mundo. A terminar a sua própria vida porque não aguentava o que tinha sido feito da sua imagem. Dentro de si, Arden sentiu uma vontade de tentar vingar a injustiça que tinha sido feita ao cantor e, por consequência, a todos os artistas que alguma vez tinham chegado ao nível de estrelado de Levi Saint.

Dez minutos depois, ouviu o som de notificação e olhou para o ecrã do seu computador. No canto inferior direito, tinha uma notificação de um novo email de Emily Roberts. Revirou os olhos, para a forma como a Chefe de Edição estava a voltar à sua rotina preferida de controlar qualquer movimento de Arden, mas abriu a mensagem de qualquer forma. Anexada, estava uma imagem de Levi Saint, e o corpo do email consistia em tudo aquilo que Emily queria que Arden fizesse para a próxima edição da revista. Por ser uma edição limitada, seria completamente dedicada ao falecido cantor; nada menos do que aquilo que ele merecia, na opinião da jornalista.

No fundo do email, estava uma ordem para Arden passar pelo Departamento de Multimédia para ajudar a escolher a capa e Arden soltou um sorriso malicioso. Por muito que Emily Roberts pudesse tentar controlá-la, ambas sabiam que Arden era boa no que fazia e que a sua opinião era valorizada. Além disso, a opinião da jornalista era sempre objetiva e sempre imparcial e, de entre muita coisa, se existia algo que poderia ser dito sobre Arden no âmbito profissional, era o facto de que ela nunca deixava as suas emoções reinarem as suas decisões.

Com um suspiro forte, Arden inclinou a cadeira para trás, rodopiou um pouco até a sua cara estar virada para a janela e observou a paisagem da cidade. Sentiu, finalmente, que estava de volta.


ah, the plot thickens


publico este artigo com o coração partido pelo facto de esta história provar ser ainda muito atual. se houve algo que eu quis fazer aqui - e que a arden também quis - foi nunca esquecer o nome da vítima que originou tudo, Michael James, e é por isso que a Joslin tem uma presença tão grande na vida de arden. eles não foram personagens secundárias, não o são em perspetiva nenhuma. e, esta semana, Michael James representa uma outra vítima, esta de nome real: George Floyd. que justiça lhe seja feita, seja de que maneira for.

o outro lado do oceano atlântico está envolto numa série de protestos (que eu apoio a 100%) que dizem uma única coisa muito importante: algo tem que mudar. há pessoas que não conseguem respirar naquele sistema. ninguém as deixa respirar.

isso não pode ser assim.

rants e pensamentos à parte, não podia MESMO deixar de falar disto, especialmente nesta história, que começa precisamente com um caso deste tipo. um caso exagerado, sim, mas um exagero que eu acredito cada vez mais ser muito parecido à realidade. em Portugal podem não haver coisas como existem no continente americano, mas não duvidem que o racismo é muito real cá também. é-o em todo o lado. para o meu contexto português, a história de Joslin e da sua família pode ser um exagero, mas para muitas famílias é a sua normalidade. e isso não é normal. não pode ser.


de qualquer forma, obrigada a quem tem lido <3

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