Capítulo Dezasseis
Inconscientemente, a mensagem de Holand voou para o fundo da mente de Arden. Depois de observar atentamente Peter e concluir que ele não era perigoso, mesmo que estivesse a mentir em relação à sua identidade, voltou a deixar-se relaxar. Relaxar tanto quanto conseguia, claro. O vinho e a boa refeição ajudavam, assim como o facto de os seus chefes estarem a evitar contactá-la com trabalho durante aquela manhã. Peter era uma boa companhia, ria e sorria e fazia todas as questões corretas, embora ela odiasse que lhe perguntassem coisas pessoais.
Arden descobriu que ele era, de facto, três anos mais velho que ela. Mudara-se para a cidade há dois anos mas saía muito pouco de casa, algo que ele admitiu estar diretamente relacionado com a sua ansiedade. Ela simpatizou com ele, nunca julgando, e percebeu que ele agradeceu a escolha dessa atitude pela maneira como os seus olhos deixaram de estar completamente protegidos. Para a conversa não ser toda sobre ele, Arden contou que tinha estudado Jornalismo, claro, numa cidade perto daquela onde nascera, e explicou brevemente a situação com os seus pais: a forma como eles lhe tinham feito um ultimato – ir embora e deixar de falar com eles, ou ficar e voltar a tirar todo um outro curso que lhes agradasse – e a razão pela qual ela estava maioritariamente sozinha.
- Não tens amigos? – Peter perguntou, mostrando claramente que se arrependia da pergunta assim que a fizera.
- Tenho. – Arden respondeu, quase rindo. – Poucos, mas tenho. Não sou nenhum robô monstruoso, Peter.
- Eu sei que não! – refutou o rapaz, com olhos arregalados de choque. Bebeu um pouco mais de vinho, apesar de ter dito inicialmente que preferia não beber. – Mas, na verdade, nunca te vi com ninguém a não ser com o Holand. Não que já nos tenhamos encontrado muitas vezes, mas tu percebes o que eu quero dizer.
- Percebo, não te preocupes. A verdade é que a minha carreira é a coisa mais importante da minha vida e tenho muito pouco tempo para amizades ou qualquer tipo de relação, normalmente. Não me conheceste na melhor altura, parece que ultimamente não tenho trabalhado nada.
- Ah, e como é que isso te faz sentir? – ele riu, fazendo-a sorrir pela primeira vez. O riso saiu dos lábios de Peter tão rapidamente quanto aparecera.
- Não sei bem. Tenho tido tempo para outras coisas, afinal.
Ela fez questão de olhar para ele atentamente ao dizer a frase, passando a ideia de que tinha mais tempo para ele. Mesmo que ela não quisesse admiti-lo ao início, Peter estava no seu apartamento, a comer da sua comida, por alguma razão. Arden precisava dele. Sempre que estava perto dele, ela sentia-se mais leve e gostava de achar que teria a mesma influência no rapaz misterioso. Quanto mais ele lhe contava da sua vida, sempre bastante críptico, mais ela queria saber. Mas a sua curiosidade era mais que uma curiosidade interesseira ou jornalística, era todo um interesse puro que ela já não experienciava há quase uma vida.
Para evitar responder à sugestão implícita nas palavras de Arden, Theo bebeu mais um pouco do vinho tinto. Quando batera na porta do apartamento da jornalista, nunca esperara que ela fosse tão boa anfitriã como estava a ser. Apesar de a sua expressão pouco mudar – pois ela raramente sorria e nunca ria -, ele conseguia perceber que ela também estava confortável. No fundo da sua mente, estava um remoto alarme a soar, a avisá-lo de que ele não se poderia aproximar demasiado dela, e ele aparecera lá sem qualquer planos de o fazer. Mas, vê-la tão mais leve e suave do que aquilo que ele estava habituado, a contar-lhe coisas, fê-lo mudar de ideias. Ele apanhou-se a querer conhecer mais dela.
Ainda assim, ele sabia que ela suspeitava de algo. Sempre que eram envolvidos por silêncio, Arden olhava para ele mais atentamente, como se procurasse alguma coisa. Talvez estivesse relacionado com a mensagem que recebera de Holand – que ele tinha quase a certeza de que tinha sido uma mentira -, talvez não, mas ela estava, aos poucos, a ficar mais suspeita. Por isso é que Theo tinha dado tantas informações corretas como conseguia, apesar de estar a omitir o mesmo que omitia de todo o mundo. Arden poderia ser diferente, poderia ser a pessoa a quem ele contava tudo, mas ela era jornalista. Não podia acontecer.
- Ah, estou cheio. – Theo exclamou, na voz de Peter. Arden voltou a sorrir, o terceiro no espaço de dez minutos. – Deixa-me ajudar-te a lavar a louça.
- Nem pensar, Peter. – ele queria ouvi-la a dizer o seu nome verdadeiro, para saber como soaria na sua língua, mas não podia. – Vamos para a sala?
Ele assentiu, sem saber bem o que fazer a seguir. A conversa estava a fluir facilmente entre eles, mas num sofá estariam mais próximos um do outro. Theo queria ir embora mas também queria ficar para sempre. Queria contar-lhe tudo o que se passava com a sua vida, dizer a verdade, mas sabia que não podia. Não confiava nela e, mesmo que confiasse, ela era jornalista. Ela própria dissera que a sua carreira era a coisa mais importante da sua vida. Confiar nela seria uma missão suicida, e ele tinha feito tudo aquilo para evitar algo daquele género.
Theo quis rir e chorar ao mesmo tempo, com o facto de conseguir arranjar humor numa situação tão negra como aquela.
Arden, com uma mão no copo de vinho e outra na garrafa que ele trouxera, guiara-o até à sala de estar. Passaram pelo corredor por onde ele tinha entrado e seguiram duas portas na direção contrária à da porta da frente. Ela abriu a porta e deixou que ele entrasse primeiro, dando-lhe tempo para observar toda a divisão. De um lado, estava uma televisão, uma mesa de café e um sofá preto; do outro, uma secretária, uma prateleira e um quadro de cortiça na parede. Parecia ser uma mistura de sala de estar e de escritório e Theo quis rir, achando aquela divisão a metáfora perfeita para a personalidade de Arden. Só ela para colocar o sítio onde trabalhava na mesma divisão em que procurava conforto e descanso.
- Não é tão vazia, pois não? – Arden questionou, tentando fazer uma piada. Peter riu. – Podes sentar-te.
Peter obedeceu-lhe, com um sorriso suave no rosto. Ela seguiu-o, a menos de vinte centímetros de distância e sentou-se diretamente ao seu lado, colocando a garrafa de vinho na mesa de café, e esticando o seu braço direito nas costas do sofá. Peter não resistiu à vontade de olhar para o seu peito e ela sentiu-se satisfeita por saber que ele estava minimamente atraído a ela. Era uma ótima vantagem, aliado ao facto de ele ser a única pessoa que parecia fazê-la sorrir honestamente. Talvez o vinho tivesse ajudado, mas Peter era definitivamente a maior razão para os seus pequenos sorrisos. Arden esperava que ele soubesse a influência que tinha nela.
- Apercebi-me que ainda não te agradeci, Peter. – ele olhou-a atentamente. – Por ontem.
- Não tens que agradecer, só fiz o que qualquer pessoa teria feito. – ela abanou a cabeça num único gesto, interrompendo-o.
- Como já deves saber, não sou a pessoa preferida de toda a gente, no momento.
- És de quem importa, Arden. – ela gostava da forma como ele dizia o seu nome e, graças a isso, sorriu-lhe. Peter sorriu de volta, embaraçado. – Não ia deixar que ele te atacasse sem pelo menos tentar ajudar.
- Mas eu consigo perceber como multidões te deixam em pânico, Peter, e tu sabias que aquilo iria causar confusão. Agradeço-te por teres colocado isso de lado.
Ele abanou a cabeça e Arden soube ali que não deveria insistir. Retirou o braço das costas do sofá e pousou o copo de vinho na mesa de café, depois de beber mais um pouco. Arden reparou que ele observou cada um dos seus movimentos, quase como se esperasse qualquer coisa da parte dela. Ela sabia o que queria fazer, mas não sabia se ele estava preparado. Por dois segundos, o olhar de Peter desceu até ao seu braço, focando-se diretamente nas grandes feridas que o adornavam e que não desapareceriam assim tão cedo. Ela aproveitou essa oportunidade para levar a sua mão direita ao seu queixo, forçando-o a olhar para ela.
- Sempre tiveste bigode? – Peter empalideceu, por uns segundos, mas depois riu, abanando a cabeça. – Gostava de te ver sem ele.
- Arden...
Quando percebeu que ele estava prestes a afastar-se, Arden levou a mão livre à perna de Peter, fazendo-o paralisar. Todo o seu corpo estava repleto de entusiasmo; ela queria saber como seria sensação dos seus lábios nos dele. Queria descobrir se os seus lábios seriam tão suaves como pareciam, da distância a que ela estava dele. No entanto, ao olhar para os seus lábios, percebeu que ele tinha um pouco de medo dela. Talvez não medo num sentido mais puro, mas definitivamente não estava habituado a mulheres como ela. Arden sorriu-lhe suavemente, sabendo que, num só dia, sorrira mais do que nos últimos seis meses, mas era exatamente por isso que ela não queria resistir àquilo que o seu instinto lhe mandava fazer.
- Já deves ter descoberto quanto me fascinas, Peter. – ele arregalou os olhos, completamente despreparado para a confissão da jornalista.
Theo observou Arden atentamente: os olhos azuis quase enegrecidos, os lábios vermelho-escuros, a pele morena. Ele queria que ela o beijasse, mas não sabia se o deveria fazer por duas razões bastante distintas. Primeiro, não sabia se o bigode estava colocado bem o suficiente para não despegar e, depois, porque não sabia se estava preparado para a onda de sensações que estava destinado a sentir. Ele fascinava-a? Arden parecia não ter noção do quanto ele estava atraído por ela, mas ele sabia que isso simplesmente não era possível. Ela era a pessoa mais confiante e segura de si própria que conhecia; tudo o que ela fazia, ela sabia exatamente que efeitos poderia ter nas suas pessoas. Nele.
Levou uma mão ao seu bigode quase como instinto, como preparação, num gesto nervoso e num gesto de precaução simultaneamente. Arden não percebeu a sua intenção por detrás do gesto e ele agradeceu mentalmente toda a sua pequena carreira em representar. Toda essa experiência estava a ser utilizada naquele encontro com Arden – a jornalista de quem ele deveria estar a fugir a correr -, embora ela não tivesse noção da tensão a que estava a submeter o seu corpo. Talvez soubesse, aliás; talvez ela realmente suspeitasse dele e o estivesse a seduzir, mas algo que lhe dizia que não era isso que se estava a passar. Nos olhos azuis profundos de Arden Kallis, ele apenas via desejo e nenhuma segunda intenção.
Foi essa realização que o levou a esticar a sua mão e a levá-la até à cara da jornalista. Ela manteve o olhar seguro no seu, com a íris a diminuir de tamanho, e deu-lhe mais um sorriso. O seu polegar acariciou a maçã do rosto proeminente de Arden, lentamente, como se ainda estivesse a testar todos os movimentos. Na verdade, ele já não tocava numa mulher daquela forma há bem mais de cinco anos. Os últimos meses que ele vivera como Levi Saint tinham sido passados numa autoimposta solitária, principalmente depois de ele terminar com a namorada que tinha na altura. Ela só o tinha estado a usar, de qualquer forma. E embora ele corresse exatamente o mesmo risco com Arden Kallis, sabia que, com ela, valeria a pena.
A decisão foi tomada definitivamente quando Theo levou a sua segunda mão até à face de Arden. Dessa vez, ela fechou os olhos, quase como se estivesse a dar-lhe a entender de que, naquele momento, era ele que controlava a situação. Isso chocou-o por várias razões, mas principalmente por saber quanto ela gostava de controlar e manipular as situações em seu fazer. O facto de ela deixar Theo – Peter – seguir o ritmo que mais lhe fosse confortável dizia mais do que qualquer palavra dela pudesse dizer, e ele foi surpreendido com o apercebimento de que era exatamente dessa forma que Arden comunicava com ele. Não com as suas palavras, mas com os seus atos, as suas atitudes.
E foi por isso que ele a beijou, com toda a vontade do mundo.
O contacto foi suave e intenso ao mesmo tempo. Primeiro, os seus lábios testaram a textura uns dos outros mas, depois, quando já se haviam conhecido o suficiente, a intensidade aumentou. Theo deslizou uma das suas mãos até aos cabelos de Arden e ela fez o mesmo, levando as suas unhas a pressionar na sua nuca. Além de já não fazer aquilo há demasiado tempo – e Theo apanhou-se a ter saudades do contacto intimo com uma rapariga -, aquele beijo parecia-lhe mais importante que um simples ato de desejo. Arden ajoelhou-se no sofá e puxou-o para mais perto de si. Por uns momentos, Theo preocupou-se com o facto de estar a usar uma peruca, mas ele sabia que isso estava tão bem colocado como poderia alguma vez estar.
Por enquanto, ele estava seguro.
ah, os meus bebés <3
amanhã (dia 15) faz um ano que acabei de escrever esta história, depois de 5 dias. ainda hoje não consigo bem acreditar como é que consegui escrever isto tão rápido, mas a verdade é que a tive na cabeça durante MESES. aliás, depois de andar a passear pelas minhas histórias antigas, consegui descobrir que a ideia da morte falsa já andava comigo desde 2013 e que a EaV foi só mesmo o culminar disso. ainda bem que foi.
ANYWAY espero que estejam a gostar. estava aqui a editar o capítulo e a pensar que é tão estranho já ir no capítulo 16 mas a história não ir sequer a meio, porque nos últimos anos só tenho publicado histórias com 20/25 capítulos. bem, esta tem 40 ahahah. ainda falta imenso.
mais uma vez, obrigada a quem tem lido <3 assim começa a viagem de um dos meus casais mais complicados mas mais destinados a ficarem juntos, apenas pelo facto de que trabalharam para isso. arden+theo faz o quê? ardeo? tharden? yikes.
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