Capítulo Dez
Durante dias, Arden foi das principais fontes de informação da polícia para fecharem o caso Whitt. Infelizmente, apesar de ter ficado decidido que Leonard Whitt seria condenado pelos crimes contra Joslin e Michael James, só seria efetivamente preso de imediato pelas mortes de Helen e de Henry, o filho de dez anos. Por ordem de Anthony Jenkins, o presidente da empresa-mãe da revista em que ela trabalhava - e, por conseguinte, de Emily - Arden tinha-se afastado do trabalho por uns dias para dar espaço para a investigação terminar.
Os dias passavam lentamente quando Arden não trabalhava. Sem prazos a cumprir, pistas a seguir, os seus dias pareciam incrivelmente vazios. Ela tentou ocupar os seus dias a ler e a manter-se dentro do que acontecia no mundo, mas não era a mesma coisa. Só quando, sentada no fundo do tribunal, ouviu a juíza a condenar Leonard Whitt a pena de prisão perpétua pelos homicídios em primeiro grau de Helen e Henry Whitt é que Arden conseguiu respirar fundo. Pensava que seria logo chamada de volta ao trabalho, mas não fora isso a acontecer. Os protestos por toda a cidade tornaram-se demasiado violentos para a segurança da jornalista estar completamente garantida.
Apesar de as pessoas não estarem contra ela, era possível que as pessoas no poder estivessem. O público deixara de confiar nas autoridades e nas pessoas que deveriam protegê-lo e, portanto, queriam respostas. Todos os dias, as notícias de última hora relatavam multidões violentas e protestos raivosos à porta dos edifícios mais importantes da cidade. Estradas fechadas pela concentração de pessoas, polícias cujos vidros dos carros eram partidos enquanto eles tentavam fazer as rondas. Mulheres que falavam com jornais, noticiários e revistas e contavam as suas histórias. Rapazes que faziam o mesmo, contando histórias de como aquele ou aquele polícia o tinha pressionado contra a parede sem razão nenhuma, ou batido até ter ajuda médica ter sido precisa.
A cidade estava um caos. Caos esse causado por um simples artigo: pela história de Joslin James, para quem toda uma sociedade pedia justiça. O nome de Leonard Whitt era sinónimo de Diabo, ele tornara-se a personificação de toda a corrupção que envolvia as autoridades do país. Caricaturas e bonecos com a cara do ex-polícia estavam em toda a parte. Chefes de Polícias faziam conferencias de imprensa a apoiar ou a demarcar-se de tudo aquilo que tinha acontecido no bairro onde Joslin vivera toda uma vida. Arden não conseguia evitar pensar que, apesar de ter sido um outro artigo seu a dar-lhe a nomeação para o Pulitzer, tinha sido aquele, sobre Michael, Joslin, Mark e Jason, que tivera um grande impacto.
Sem o seu trabalho, Arden sentia-se vazia. Portanto, quando estava cansada de sentir que estava apenas a observar o mundo e não a participar nele, ligava a Joslin. A senhora mais velha era a prova de que Arden tinha feito aquilo que era correto, apesar de Helen e Henry terem visto as suas vidas serem roubadas pela pessoa que os deveria proteger. Joslin assumira rapidamente um papel materno na vida de Arden, cuidando dela à distância de um telefonema, algo que ela apreciava. Sem figuras parentais na sua vida, era fácil sentir-se demasiado independente ou crescida para a sua idade; principalmente quando, aos vinte e sete anos, já era tão bem-sucedida como ela era. Joslin mantinha os pés da jornalista presos na terra, ao mesmo tempo que tentava que ela desanuviasse.
Joslin James era um exemplo para Arden. Depois de ter sofrido tanto, de ter visto a sua família a ser-lhe roubada, continuava a ter um coração do tamanho do mundo e a ter muito amor para dar a quem lho pedisse. Arden, apesar de não saber onde Joslin estava – para sua própria segurança – estava eternamente agradecida pelas palavras carinhosas e maternais da mais velha, apesar de nem sempre o mostrar. Não fazia parte da personalidade de Arden Kallis ser calorosa, carinhosa, mesmo que a sua vida fosse dedicada a contar as verdades das pessoas. Não as suas, mas as das outras pessoas. Joslin nunca fartava de a repreender para se libertar mais do seu emprego, para sair com os poucos amigos que tinha e ser mais feliz do que era. Ela não compreendia que Arden só era verdadeiramente feliz enquanto trabalhava, apesar de o seu trabalho ser manchado por coisas como a morte de Helen e de Henry.
Apesar de Arden Kallis não estar habituada a estar fechada em casa sem nada com que se ocupar, Theo estava mais que habituado a esse tipo de rotina. Depois do choque de ter saído no meio da confusão no dia da morte de Helen, Theo voltara a refugiar-se no templo que a sua casa se havia tornado. O encontro com Arden lembrara-o de que ele nunca se poderia envolver com ela, apesar de lhe parecer quase involuntário. Sempre que ele saía de casa, ela parecia estar quase à sua espera, de uma forma ou de outra. Por isso, e assumindo que Arden teria uma grande quantidade de trabalho na rua onde Helen vivera, Theo não saíra de casa. Além disso, aquela altura do ano era sempre complicada para ele, com o aniversário daquilo a aproximar-se.
Faltavam cerca três meses para os cinco anos serem completos e Theo não sabia o que achar. Olhando para trás, não pareciam ter passado tantos anos mas, simultaneamente, não conseguia acreditar que só tinham passado cinco. Desses cinco, mais de metade do primeiro foi passado num hospital privado, do qual o seu cunhado era dono, fechado num quarto que, de todos os empregados do estabelecimento, apenas ele e Samantha, a sua irmã mais velha, sabiam que existia. Samantha era enfermeira e tinha sido, obviamente, a enfermeira designada para cuidar dele nos primeiros meses da sua nova vida. Gabriel, o seu marido, era um anjo em forma de humano que nunca, nem uma vez, julgara Theo pela sua decisão; mas, mais que isso, que abrira as portas do seu estabelecimento ao segredo que ele levava consigo.
Quando ficara decidido que, para o público, os pais de Theo ficariam com a mansão que tinha sido sua, mas que Theo viveria com eles de qualquer forma, já era demasiado tarde para voltar atrás. Arcando apenas com as consequências que criara para si próprio, Theo ficara dois anos e meio fechado na sua casa, a aprender a viver isolado de toda a gente e apenas saindo à rua à noite. Durante o primeiro ano em que lá vivera, nem isso pudera fazer. O seu quarto tinha que ter os estores fechados e os seus pais mal haviam conseguido seguir com as suas vidas, pois a estrada estava inundada de jornalistas a querer falar com eles. Theo não arriscara.
Depois, aos poucos, os jornalistas foram desaparecendo. A memória de quem Theo havia sido começava a desaparecer ou, pelo menos, deixara de ser notícia de última hora. No terceiro aniversário, Theo sentira-se finalmente capaz de sair à rua pela primeira vez. Ainda assim, a altura do aniversário era sempre complicada. Os seus pais tinham os seus telefones inundados por pedidos de entrevistas, que recusavam sempre, e apareciam sempre notícias sobre ele na televisão e nos jornais. Theo tinha medo que, por ser o quinto aniversário, por ser um marco maior que os anos anteriores, as coisas se complicassem mais que o costume.
Arden Kallis era perigosa para ele e, mesmo dias depois, ele ainda não conseguira compreender a vontade que tivera de se sentar ao seu lado e de confortá-la. Talvez ele estivesse a confundir tudo o que se estava a passar na sua cabeça por ela ser das primeiras pessoas – com exceção dos seus pais – com quem falara mais que casualmente. Ela tinha tentado descobrir os seus segredos, descobrir quem ele era, imediatamente na primeira conversa que tinham tido. Mas mesmo com esse facto presente no seu cérebro, Theo não conseguira controlar o instinto que lhe dissera que Arden estava mal, naquele dia, por causa da morte de Helen. Ele estava mal e não tinha qualquer maneira de associar a morte a si, por isso não conseguia imaginar o que Arden estaria a sentir.
Eles eram bastante diferentes, no entanto, sendo que a jornalista era muito mais forte que ele. Theo sentia-se fraco, algo que já era um constante desde que ele se tornara o foco das atenções de todo um mundo. Quando uma pessoa sentia que não conseguia mudar nada na sua vida, começava a sentir que não tinha sequer força para o fazer. Para Theo, era inevitável sentir-se fraco. Primeiro, porque não controlava a sua vida até ter decidido terminá-la; por outro lado, porque tinha acabado a ficar preso no seu próprio controlo.
Tentava dizer a si próprio que problemas drásticos pediriam sempre medidas drásticas mas, cinco anos depois, Theo já não conseguia dizer que não se arrependia da sua decisão. Não parava de pensar que deveria ter aguentado mais um pouco, talvez feito uma despedida normal. No entanto, nada havia a fazer. Cinco anos tinham passado e ali estava ele, fechado no seu quarto e sem qualquer contacto humano. Os últimos dias tinham sido meio que traumatizantes para ele, com a sua rua coberta de jornalistas – embora não por sua causa -, e ele não queria arriscar ser avistado por alguém, nem que fosse apenas a abrir ou a fechar os estores do seu quarto. Qualquer precaução era pouca.
Eram cinco da tarde quando Theo ouviu o seu estômago fazer barulhos fortes para indicar de que ele deveria comer. Tinha tomado o pequeno-almoço cedo, quando acordara, mas desde aí que se fechara no quarto e tentara dormir para esquecer que existia um mundo fora da sua casa. No entanto, várias horas tinham passado e estava na hora de voltar a enfrentar alguém, nem que fossem apenas os seus pais. Depois de se levantar da cama e sair do quarto, fechando as portas atrás de si, Theo atravessou o corredor comprido, os seus pés deslizando pela carpete vermelha, e pensou em todas as situações em que os seus pais tinham contratado alguém para limpar a casa e ele tivera que se esconder no sótão.
A situação era demasiado cómica para ele não se rir, mas na verdade não tinha piada alguma.
Quando chegou às escadas, começou a ouvir uma voz que ele conhecia bem, mesmo passados todos aqueles anos. Na altura em que Theo tinha fama, o programa daquela mulher era o que mais falava dele. Inicialmente, era inofensivo, mas tornou-se rapidamente na fonte de todos os rumores que acabaram por estragar a sua vida. Theo não poderia negar que fez muitas coisas erradas com a atenção que recebera, mas nunca merecera ser tão ostracizado como tinha sido, ou como sentia que era. Mas nada daquilo importava naquele momento. Porque é que estão a ver este programa?
Conforme ia descendo mais uns degraus, mais perto estava da sala de estar, onde os seus pais estavam sentados no sofá, a ver o programa que mais pesadelos lhe tinha causado, na altura dos pesadelos. Focado mais no seus pés e nos degraus que estava a descer, Theo procurou ignorar a voz da apresentadora do programa de tarde que ocupava o canal, tentando não ficar ansioso pelo facto de os seus pais estarem tão focados naquele programa. Geralmente, eles quase pulavam aquele canal, porque nada que programas cor-de-rosa pudessem dizer lhes interessava, portanto deveria ser qualquer coisa importante para eles ainda não terem mudado de canal.
O coração de Theo quase parou, com os nervos.
A passos suaves, Theo terminou a escadaria e caminhou suavemente até à sala de estar. Quando chegou ao seu destino, permaneceu quieto, sem despertar a atenção dos seus pais, observando a televisão. A apresentadora que ele conhecia bem, de cabelos ruivos e olhos castanhos e maldosos, estava sentada a falar com alguns convidados. Inicialmente, Theo continuou sem perceber o que poderia ter despertado a curiosidade dos seus pais, mas depois ele analisou melhor o ecrã da televisão, todo o cenário do programa, e paralisou. No canto superior direito estava um quadrado branco com letras cor de rosa que Theo tinha a certeza que o iriam assombrar na noite seguinte.
«Celebridades que partiram cedo demais.»
Sem nunca fazer qualquer barulho que pudesse chamar a atenção dos seus pais, nem sequer uma respiração mais brusca ou mais pesada, Theo ficou completamente parado a olhar para a televisão A apresentadora, Cherry Bates, falava com um convidado que ele, após pensar um pouco, reconheceu como um crítico musical de renome. Cherry falava de uma cantora que tinha falecido há perto de dez anos mas que continuava a influenciar novos talentos que apareciam todos os dias. Ela utilizava constantemente o adjetivo segunda e penúltima e Theo percebeu facilmente o que aquilo queria dizer: era uma lista e, para os seus pais ainda estarem a ver o programa, era porque o pior ainda não tinha aparecido.
Lentamente, Theo deixou de conseguir aguentar-se em pé e caminhou até ao sofá. Os seus pais pularam simultaneamente, sobressaltados pelo movimento repentino, e o seu pai esticou o braço para pegar no comando, mas Theo abanou a cabeça. Sentou-se ao lado da sua mãe, na ponta esquerda do sofá, e respirou fundo, nunca soltando o olhar do ecrã da televisão. Por uns segundos, os seus pais observaram-no atentamente mas, passado um tempo, decidiram voltar a fazer aquilo que estavam a fazer. Linda esticou a sua mão e a agarrou uma das de Theo, algo que fez com que ele suspirasse baixinho e lhe lançasse um sorriso pequenino.
- De certeza que queres ver? – John perguntou.
- Sim. – Theo respondeu, não sabendo bem onde tinha arranjado as forças para conseguir falar, com o choque que sentia.
Quando Cherry Bates olhou novamente para o ecrã, Theo sabia que a hora decisiva tinha chegado. O ecrã foi ocupado pela mudança de um número dois para um número um e, de repente, a cara de Cherry Bates voltou a aparecer, mas mais próxima do que estava anteriormente. Com uma expressão triste, ela olhou à volta, pegou num cartão que estava no seu colo e voltou a enfrentar as câmaras. Respirou fundo e, com um sorriso triste presente no rosto, começou a anunciar a última celebridade que partiu cedo demais.
Linda apertou a mão de Theo com mais força e ele apertou de volta, sustendo a respiração.
- O último artista da nossa lista sobre celebridades que partiram cedo demais é alguém que tenho a certeza de que todos conhecem. No seu tempo, foi muito falado no nosso programa. – Cherry apertou o pedaço de cartão que segurava nas suas mãos – Estamos, aliás, perto do quinto aniversário da sua morte. Aposto que, por isto, já toda a gente adivinhou de quem eu estou a falar... - e, com uma pausa dramática, decidiu continuar – Isso mesmo, meus queridos. Estou a falar de Levi Saint. Um cantor que começou a sua carreira apenas aos dezanove anos e, desde aí até aos seus vinte e cinco, cresceu no mundo da música. Tornou-se rapidamente num ícone da música da atualidade e, apesar de já ter partido há alguns anos, ainda continua a ser a inspiração para filmes, documentários e livros.
Theo quis fechar os olhos, mas não conseguiu. Era como se não lhe fosse possível. Ouviu Cherry Bates continuar a falar.
- Levi Saint cometeu suicídio no dia exato do seu vigésimo-quinto aniversário, depois de ingerir um pacote inteiro de comprimidos. A sua morte foi declarada no final do mesmo dia, os médicos considerando a causa da morte como overdose. A apenas três meses do seu trigésimo aniversário, queremos fazer uma espécie de tributo a toda a carreira deste tão grande artista. Nenhuma outra pessoa poderia ocupar o primeiro lugar da nossa lista, não é verdade? – o público fez um som triste, embora concordante.
Cherry Bates virou a foto para o ecrã, soltando um suspiro estupidamente exagerado.
Theo olhou para a foto de si próprio e deixou finalmente as lágrimas caírem.
algo que eu tenho mesmo de melhorar nesta história é a cronologia. inicialmente este capítulo passava-se a um mês do aniversário da morte (:o) mas depois eu repeti tanto esse ponto de referência que demorou uns 7 ou 8 capítulos a avançar lmao. oh well, espero melhorar isso ao editar, mas se me escapar alguma coisa, já sabem!!
obrigada a quem tem lido <3
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top