𝐢𝐢. A ILHA DE FELIMATE.
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𝐄𝐏𝐈𝐏𝐇𝐀𝐍𝐘
[ CAPÍTULO DOIS ]
|| A ILHA DE FELIMATE
COM MOVIMENTOS CAUTELOSOS, os reis e rainhas de Nárnia – acompanhados de Eustáquio e Sebastian – investigavam a falta de movimentação nas Ilhas Solitárias, curiosos sobre o silêncio do local; as ilhas nunca foram muito povoadas e por isso recebiam aquele nome, mas ainda assim, não avistaram uma alma viva e aquilo era preocupante. Com Pignus em uma das mãos, Betty uniu as sobrancelhas ao bater em uma das portas do porto, com a esperança de obter uma resposta.
━ Esqueça, Betty, ninguém vai aparecer para nos atender ━ falou Edmundo, posicionado ao seu lado, encarando a porta com desconfiança. ━ Há algo muito estranho acontecendo por aqui…
━ Ora, mas não é possível que toda a ilha de Felimate esteja vazia! Deve haver alguém aqui ━ ela opinou, antes de se virar para o irmão, que acompanhava o primo dos Pevensie a alguns metros de distância. ━ Bash, Eustáquio, encontraram alguma coisa?
Com pressa, Eustáquio, que estava antes olhando por uma janela, respondeu:
━ Parece tudo abandonado! Po-podemos voltar? Não há nada a-aqui!
Edmundo o olhou com impaciência, como sempre fazia. Era verdade que suportar Eustáquio era um desafio, mas eles precisavam entender que o garoto estava assustado e tinha seus motivos, apesar de tudo. Betty tocou o ombro de Edmundo.
━ Seja bonzinho.
Ele assentiu, se esforçando para não parecer muito sarcástico ao sugerir ao primo:
━ Você quer ficar aqui… De guarda, ou… ajudar?
É claro que Eustáquio não seria de muita ajuda em qualquer circunstância, mas quando o garoto assentiu e correu desesperadamente em direção a onde eles estavam, ninguém sentiu vontade de rir. Pelo menos, ele havia escolhido ajudar! Era uma evolução e qualquer melhoria importava; ao menos, o rapaz demonstrou vontade de fazer algo útil ao invés de apenas reclamar o tempo todo, como vinha fazendo desde o começo.
Mas Sebastian ainda era um pouco mais crítico; ao seguir os amigos em direção a um grande portão, ele uniu as sobrancelhas e cruzou os braços com dificuldade, devido ao fato de segurar Viridi Hastam.
━ Se vocês irão permitir que ele vá, tudo bem! Mas eu só quero lembrar a vocês que não vou ficar na cola dele o tempo todo, quando vocês forem cuidar de assuntos importantes e nos esquecerem para trás! ━ o rapaz avisou, indignado, e os outros se entreolharam. ━ Ora essa, ele não tem uma arma para se defender e tem uma língua ainda maior do que a minha, vai acabar matando a nós dois!
Betty olhou para Lúcia, que olhou para Edmundo, que por sua vez se virou para Caspian, que franziu o cenho ao perceber que os três aguardavam por sua decisão. Ele apenas concordou com a cabeça, antes de passar uma das mãos pelo cinto e encontrar uma adaga afiada, que entregou ao mais novo visitante de Nárnia. Edmundo enrugou o nariz, temendo que o próprio Eustáquio se acidentasse com a nova aquisição.
━ Deixa comigo, pode deixar! ━ exclamou Eustáquio, afobado, recebendo a arma branca em suas mãos e já se virando em busca de ameaças. Bash riu pelo nariz, antes de receber um olhar repreendedor de Betty. ━ Eu não fiz nada!
Ela esticou Pignus e cutucou o irmão de leve, olhando dele para Eustáquio.
━ Nós vamos entrar. Ajude ele e não implique, nem comece discussões idiotas.
━ Eu nunca implico! ━ retrucou Sebastian.
━ Você está implicando agora! ━ ela falou, sentindo Lúcia a empurrar levemente por um dos ombros para que passassem pela porta rapidamente. ━ Eu estou indo, se comporte enquanto eu não estiver por perto!
Lançando um último olhar de aviso para Sebastian, Elizabeth seguiu com Lúcia, Caspian e Edmundo para além da grande porta de madeira envelhecida. Então, com muito cuidado, todos giraram em torno de si mesmos para encontrar grandes estátuas e sinos preenchendo a sala vazia, iluminada pela lanterna de Edmundo.
Era um espaço grande e empoeirado, com apenas alguns feixes de luz que passavam por frestas e não contribuíam muito para a iluminação do local. Nenhum deles sabia muito bem do que se tratava o salão, e cada um se colocou a caminhar com cuidado e discrição por ali, procurando por algo que os ajudasse a entender onde estavam. Foi quando Elizabeth encontrou algo interessante.
━ Há um grande livro aqui ━ disse ela, aproximando-se do livro preso por correntes com olhos curiosos. ━ Bem maior do que os que Bash anda lendo. Traga logo a lanterna, Ed!
Os outros se aproximaram, também curiosos pelo achado da rainha genuína, e quando o rei justo iluminou o livro misterioso, viram muitos nomes escritos e riscados nas páginas amareladas.
━ Ora, mas o que é isso? Por que riscam os nomes?
━ Parece algum tipo de tarifa ━ sugeriu Lúcia.
Betty balançou a cabeça em concordância.
━ Bom, é verdade. Eu não sei o que é tarifa, mas concordo com Lúcia.
━ Você está sempre dizendo palavras que ninguém sabe o significado, e quer me dizer que não sabe o que significa tarifa? ━ indagou Edmundo, beirando a indignação e apontando a lanterna para o rosto da loira, que fechou os olhos e fez uma careta, sem respondê-lo. ━ Ah, me desculpe, não quis apontar a luz na sua cara!
Ele voltou o foco da lanterna para o livro e todos puderam voltar a observar as páginas cuidadosamente.
━ Me parece relacionado a venda de escravos, vejam os números ao lado dos nomes… ━ falou Caspian, e os outros o olharam com olhos arregalados, horrorizados com a hipótese sugerida pelo navegador.
Antes que pudessem responder o rei, os sinos pendurados no teto do salão começaram a tocar de repente, assustando-os, e de dentro deles caíram cordas pelas quais desceram homens barulhentos e agressivos que começaram a atacá-los sem um motivo aparente, pegando-os de surpresa.
Movimentando sua lança, Betty defendeu Lúcia de um ataque e acertou um dos homens, juntando-se à luta com os amigos, que estavam em minoria, e sendo obrigada a recuperar toda a prática que sempre sentia que perdia quando voltava para a Inglaterra. Com movimentos de Pignus, ela defendeu e atacou, ouvindo o barulho de metais se chocando enquanto a luta se estendia por toda a sala.
Tudo só parou com a chegada de um novo homem, que puxava Eustáquio agressivamente e tinha uma faca próxima a seu pescoço. Betty engoliu em seco e olhou para Edmundo e Caspian pelo canto dos olhos, vendo-os tão imóveis quanto ela.
Onde estava Sebastian? Se ele não estivesse morto, era a pior babá que Betty já havia visto em toda sua vida.
━ Se não quiserem ouvir este aqui gritando que nem uma garotinha, eu sugiro que entreguem as armas ━ ameaçou o homem, pressionando o pescoço de Eustáquio mais fortemente.
━ Ora, qual é o problema com garotinhas? O senhor sabia que isso é discriminação?! ━ retrucou Betty, segurando Pignus com ainda mais força. ━ Se garotinhas são assim tão bobas e frescas, não há problema se eu não soltar minha lança, já que não sou capaz de muita coisa!
Ela sabia que não era o momento para aquilo. É claro que sabia. Mas Betty andava confusa nos últimos meses — assim como qualquer adolescente —, e às vezes fazia coisas que ela sabia que iria se arrepender em questão de segundos. Aquele era um de seus momentos de confusão.
━ Ele vai matar Eustáquio! ━ sussurrou Lúcia, em tom de alerta. ━ Certo que ele é um pouco chato, mas é nosso primo e não merece isso!
Betty suspirou; Lúcia tinha razão. Assim, ela lentamente abaixou a mão com Pignus, para deixá-la cuidadosamente no chão. No último segundo, porém, mudou de ideia, pensando que havia uma chance de libertar Eustáquio, e num movimento rápido arremessou a lança contra o homem que o segurava, atingindo um de seus ombros e vendo-o cair no chão.
Em meio ao barulho generalizado que se iniciou novamente em meio às lutas, Betty foi capaz de dizer:
━ Agora, você gritou mais que garotinhas!
E então, ao receber uma pancada na parte de trás da cabeça, tudo escureceu. Mas ela, apesar de ser uma garotinha, não gritou.
🌊
Quando abriu os olhos, Betty não sabia quanto tempo havia se passado; podiam ser minutos, horas ou dias, em sua concepção. Era difícil dizer. Em meio à escuridão que a cercava, ela passou uma das mãos cuidadosamente pela parte de trás da cabeça, soltando um curto murmúrio de dor, e se sentou aos poucos, com dificuldade, tentando enxergar alguma coisa.
━ Será que costuraram meus olhos? ━ ela indagou, sem resposta, e esfregou o rosto. Suas pálpebras ainda estavam soltas, para sua felicidade. ━ Bom, parece que é só a escuridão mesmo. Que chato, eu não tenho lanterna… Edmundo, pode me emprestar a sua?
Silêncio.
━ Caspian? Lúcia?
Sem resposta, ela se levantou devagar, sentindo o chão de pedras irregulares sob seus pés ao caminhar cautelosa pelo local. Ao esbarrar em uma das paredes, ela confirmou: estava em uma espécie de masmorra, toda feita de pedras e, aparentemente, não havia companhia.
Sem Sebastian, Lúcia, Caspian, Edmundo e até Eustáquio, ela se sentia mal. O que faria para escapar dali?! Ela nunca havia sido sequestrada daquela forma; estava totalmente indefesa e, na escuridão em que não via nada, não sabia o que fazer. Sem ajuda, como sairia da fortaleza de pedras que a cercava?! Parecia impossível. Além disso, estava preocupada com eles, pensando se alguma coisa tinha acontecido aos amigos em sua ausência. Da mesma forma que ela precisava deles, eles também precisavam dela.
Betty não tinha braços fortes o suficiente para remover pedra por pedra de uma parede e escapar. Se ao menos tivesse sua lança… Ela poderia a utilizar para criar buracos nas paredes. Facilitaria todo seu trabalho para fugir antes de ser vendida como escrava.
━ Bom, acho que não tenho opções além de ensaiar um discurso explicando que seria uma péssima escrava… ━ a jovem murmurou a si mesma, soltando um longo suspiro e começando a roer as unhas. ━ Bem, eu sou magricela, um pouco preguiçosa às vezes, asmática… Seria um péssimo investimento! Se bem que não há algo como bons escravos; ninguém merece algo assim!
Betty ainda estava indignada com a descoberta sobre a venda de pessoas que havia descoberto algumas horas antes com seus amigos. Como alguém podia achar aquilo correto?! Acontecimentos tão absurdos quanto os que assolavam a Inglaterra agora também assolavam Nárnia. Ela preferia quando o problema eram bruxas; era mais fácil aceitar a maldade de feiticeiras do que de humanos para outros humanos.
Apesar de tudo, a rainha Genuína ainda tinha algo a seu favor; algo que jamais a abandonou, e nem abandonaria. Durante sua primeira ida à Nárnia, a lança dos bosques – sua tão amada Viridi Hastam – apareceu para ela após séculos sem que ninguém soubesse de seu paradeiro. E Viridi Hastam jamais deixaria sua amiga tão fiel na mão.
Enquanto ensaiava milhões de discursos para si mesma, Betty percebeu uma luz esverdeada fraca através de sua visão periférica. Seus olhos se arregalaram e ela se esqueceu de todas as palavras quando virou o rosto de forma repentina, encontrando ali, no chão de pedras ao seu lado, a lendária lança dos bosques.
Aquela que nunca a iria abandonar.
━ Ah, como eu amo você, minha lança tão querida… ━ ela disse, segurando a lança firmemente e abrindo um sorriso aliviado. ━ Tudo bem, eu dei você para Bash, mas é só porque confio em você com toda minha vida e sei que iria o ajudar! Sabe, compensar pela falta de habilidade dele… Mas que bom que voltou para mim! Sempre nos entendemos.
Betty era uma tagarela. Ela conversava com pessoas, com animais, até com objetos. Às vezes, aguardava uma resposta, mas na maior parte do tempo, se sentir ouvida — ainda que não estivesse sendo escutada por alguém — era o suficiente para ajudá-la a se acalmar enquanto pensava em soluções para seus problemas, que sempre surgiam.
Ela utilizou de toda sua concentração naquele momento. O que faria a seguir não se tratava de força; era algo que implicava seus conhecimentos sobre física e um pouco de estratégia. Betty posicionou a ponta afiada da lança entre duas pedras – debaixo da que achou mais lucrativo remover primeiro – e empurrou a outra extremidade para baixo, de forma a forçar a ponta a empurrar a pedra e removê-la da parede, abrindo uma brecha para que a menina pudesse passar. Betty precisou desviar para que a pedra não a atingisse ao ser removida, mas estava funcionando! Se ninguém ouvisse o barulho, bom, aquele seria um ótimo plano.
Repetindo o processo mais algumas vezes, ela riu sozinha e esperançosa ao ver que seu plano funcionava. Não parecia haver ninguém perto para a impedir – uma irresponsabilidade da parte deles, em sua opinião – e ela logo se viu livre após chutar algumas pedras para longe de seu caminho.
━ Sebastian? Lu? Ed? Caspian? Eustáquio? ━ ela chamava, baixinho, enquanto se esgueirava pelo corredor de masmorras e aproximava o rosto das pequenas janelas gradeadas, em busca dos amigos. ━ Não é possível… Onde é que estão?!
━ BETTY? ━ a garota ouviu, de repente, e arregalou os olhos em direção à cela mais distante, correndo até ela ao identificar a voz de Edmundo. ━ Você está aí?
━ Não! ━ ela retrucou, em tom de obviedade, e quase ouviu o revirar de olhos de Edmundo. ━ Meu irmão está aí?
━ Não… Você por acaso não está com a Lúcia, está? ━ ele perguntou, preocupado com a irmã, e a loira disse que não. ━ Como é que você escapou, afinal de contas?! Bem, me diga depois! Tente achar os outros, certo?
Ela arregalou os olhos.
━ Mas não posso deixar vocês dois presos aí!
━ Eu e Caspian nos viramos… Nós encontramos um dos lordes aqui, mas eu te conto sobre isso depois ━ assegurou Edmundo, atiçando a curiosidade da loira quanto ao homem que os acompanhava na cela. ━ Os mais novos é que precisam de você, Betty. Ou você não conhece de Eustáquio e Bash? Eles não são exatamente os guerreiros mais valentes.
Era um fato. Ainda que um pouco incerta sobre abandonar os amigos ali após os encontrar, Betty mordeu o lábio inferior e decidiu que os outros precisavam mais dela naquele momento. Ela olhou para Edmundo uma última vez, virando o rosto para cima para enxergar a pequena janela em que ele se pendurava.
━ Vocês vão ficar bem mesmo?
Foi fácil ver que Edmundo estava se esforçando para se manter ali, pendurado, segurando fortemente as grades da janela. Mas ainda assim ele esticou uma mão em direção à garota, que fez o mesmo, e quando suas mãos se tocaram, um simples aperto passou toda a segurança que Betty precisava para seguir em frente.
Eles ficariam bem. Todos eles.
Betty precisava se aproveitar de seus atributos; ela era magra e um pouco mais alta do que as outras garotas que conhecia, o que a dava certa vantagem ao correr. Suas pernas longas garantiam passos maiores e, dessa forma, ela costumava vencer corridas durante as raras aulas de educação física em Westminster. Então, ela fez a única coisa que podia fazer: correu.
Quando encontrou uma escadaria circular, desceu os degraus em uma rapidez invejável, mas se deparou com guardas no corredor e se escondeu, antes de jogar um pedaço de pão velho e duro que ela havia encontrado em seu calabouço para os distrair. Os dois homens se olharam, desconfiados do barulho, e quando um deles deu alguns passos para verificar do que se tratava, a rainha golpeou o outro com sua lança, fazendo-o cair ao chão.
E continuou a correr. Betty só parou quando estava do lado de fora, escondendo-se em meio a multidão e tentando se misturar às pessoas durante o leilão de escravos que ocorria em sua frente. Ela arregalou os olhos e engoliu em seco ao perceber que as três pessoas ofertadas naquele momento, acorrentadas no topo de um pequeno palco improvisado, tratavam-se de Lúcia, Bash e Eustáquio.
━ Dou 120 pela menininha! ━ disse um homem à frente de Betty, que franziu o cenho em silêncio.
━ Dou 150 pelo rapaz mais alto!
Enquanto eram leiloados, nenhum dos três parecia ter notado a presença de Elizabeth, com os ombros encolhidos e o rosto baixo para passar discretamente pela multidão.
━ 240 pelos dois garotos!
Ela não sabia o que fazer. Haviam pessoas demais ali, e ela não daria conta de todos eles sozinha; então, Betty fez a única coisa que pareceu ser uma boa ideia para salvar os amigos em sua mente espirituosa.
━ MIL PELOS TRÊS! ━ ela gritou, e exclamações de choque foram ouvidas de todos os lados, enquanto as pessoas se viravam para ela lentamente, com expressões faciais que demonstravam incredulidade.
É claro, Betty realmente não tinha dinheiro algum. Talvez no navio houvesse o suficiente, mas não era como se pagar estivesse mesmo em seus planos.
━ Ora, e como é que uma garotinha como você poderia pagar esse valor? ━ um dos mercadores perguntou, desdenhoso, sem levar a sério sua oferta. Então, seus olhos se semicerraram e ele uniu as sobrancelhas aos poucos. ━ Ei… Você é a garota que estava com eles! Como é que escapou? Prendam-na!
Quando os guardas se aproximaram violentamente, tentando agarrar seus braços, ela ergueu Viridi Hastam e os afastou com ferocidade. Quando viram que as mãos não seriam o suficiente para prender a garota, os homens tiraram suas espadas da bainha, agora desferindo ofensivas contra a loira determinada. O barulho metálico ecoava em meio aos gritos de desespero das mulheres e crianças próximas, e Betty não cedeu aos ataques, decidida a lutar por si mesma e por todos os outros que não podiam o fazer.
Foi quando encontrou Ripchip ao bater os olhos rapidamente sobre a figura de um homem encapuzado, que reconheceu como um dos tripulantes do navio, e seu coração se encheu de esperança. Por cima dos ombros, ao desviar de um golpe, ela viu que Caspian e Edmundo se aproximavam, sendo trazidos por outros mercadores, provavelmente para também serem vendidos, como Lúcia, Sebastian e Eustáquio.
━ POR NÁRNIA! ━ ela gritou, golpeando um dos guardas na parte de trás da cabeça.
E, mais uma vez, a confusão foi iniciada. Betty sabia como agitar uma multidão; depois dela, diversos tripulantes do Peregrino da Alvorada começaram a se revelar por ali, lutando contra guardas e mercadores ao mesmo tempo em que Caspian e Edmundo faziam o possível para se libertar das correntes pesadas que pendiam de seus pulsos.
Gritos se uniam ao som de metal batendo contra metal para formar a sinfonia do desespero que Betty já estava tão acostumada a ouvir durante batalhas, mas como em todas as outras vezes, a rainha Genuína não permitiu que o medo falasse mais alto que sua coragem e sua vontade de fazer o bem. Pessoas estavam sendo vendidas ali, e ela não podia deixar aquilo continuar de forma alguma.
━ CHAVES! NÓS PRECISAMOS DAS CHAVES! ━ ela exclamou, a respeito das chaves para liberar todas as pessoas, vendo Ripchip libertar Lúcia, e desviou de um golpe de espada desferido por um fauno. ━ Ora, vocês costumavam ser tão bonzinhos!
Eles usavam tudo que havia ao redor a seu favor; cordas, pedras, espadas caídas e, mais importante, as outras pessoas que estavam prestes a ser vendidas para os homens maus. Aos poucos, ganhavam força. Juntos eram imbatíveis. Verdadeiros reis não tinham dificuldades em reunir um exército; sempre haveriam pessoas dispostas a lutar ao lado deles para o bem de todos.
De repente, Betty foi arremessada para trás ao ser atingida por um forte minotauro, sentindo as costas se chocando contra o chão empoeirado. Ela soltou um gemido de dor, forçando-se a levantar a lança em suas mãos para interceptar um golpe de espada do inimigo que tentava a atingir. Foi quando algo meio engraçado, em sua opinião, aconteceu – ela teria dado risada se não estivesse sendo atacada –: Edmundo surgiu em seu campo de visão como um vulto, com o corpo pendurado em uma corda, e utilizou do impulso que o ajudava a ganhar força para acertar o inimigo com as pernas e o arremessar longe, tendo um pouco de dificuldades para descer da corda que balançava depois.
Betty se levantou num pulo, ofegante, e segurou com uma das mãos a corda em que Edmundo se pendurava, fazendo-a parar de balançar para os lados para que o garoto pudesse descer sem se machucar. Ela sorriu abertamente para ele em agradecimento, girando a lança em uma das mãos, e Edmundo apenas assentiu com a cabeça, com os lábios comprimidos em um sorriso muito discreto, bem mais apropriado para aquele momento de batalha.
━ Tudo está uma confusão! ━ ela exclamou, vendo o rapaz erguer uma espada que encontrou no chão para lutar. ━ É difícil saber quem são nossos amigos e quem quer nos ver mortos, até que eles tentem nos matar!
━ Betty, a maior parte das pessoas quer nos matar, você já percebeu?! ━ indagou Edmundo, enquanto a loira se abaixou para desviar de um golpe, que acabou atingindo um dos homens maus, que ela reconheceu como um dos que havia tentado comprar Lúcia. ━ Ei, Eustáquio está fugindo! Vá atrás dele, ele vai precisar de ajuda para se defender caso alguém o alcance!
Quando a garota olhou para onde Edmundo apontava, viu Eustáquio correndo com uma feição de terror no rosto, fugindo da batalha – ela só não sabia dizer para onde ele pensava que estava indo. Balançando a cabeça negativamente, ela se colocou a seguir o garoto por sua própria segurança, já que ele não era o maior guerreiro do mundo.
Eustáquio já estava dentro de uma canoa quando Betty o alcançou. Ele podia não ter muitas qualidades de sobrevivência, mas sem dúvida alguma, era um garoto muito rápido. Mas não adiantava nada entrar na canoa, se não tinha qualquer pretensão de remar.
━ Ora essa, tudo aqui é mágico e essa droga de bote não pode se remar sozinho?! ━ ele reclamou, de pé no pequeno barco, e quase caiu para trás quando Betty adentrou o pequeno bote, usando a lança como uma bengala para se equilibrar quando o bote balançou na água. ━ Você quer me matar do coração?!
━ O que você pensa que está fazendo?! Todos estão lá lutando, e você foge dessa forma? ━ a menina repreendeu. ━ Sozinho, para piorar a situação! Eustáquio, o que você faria se alguém viesse atrás de você?!
━ Bem, eu diria "Você quer me matar do coração?!" como fiz quando você me seguiu! ━ ele respondeu, de má-vontade, e segurou um dos remos de forma desajeitada. ━ Mas que bom que você voltou, eu irei remar de volta para o navio e de lá você me ajuda a alcançar os mares da Europa!
A garota cruzou os braços, sem se dar ao trabalho de responder, e então arregalou os olhos quando viu um homem se aproximando de forma discreta do barco. Ela descruzou os braços, segurando Viridi Hastam firmemente, e sussurrou para Eustáquio:
━ Não se mexa.
Mas Eustáquio não pareceu ter ouvido bem, porque menos de dois segundos após a menina dizer aquilo, ele virou o corpo bruscamente, ainda tentando entender onde deveria encaixar o remo, e acertou uma das pontas do objeto de madeira no homem que planejava os atacar, derrubando-o na água.
Os olhos de Betty se arregalaram; Eustáquio havia derrubado um inimigo! Ela não sabia se celebrava ou apenas ficava em estado de choque, e não importava se havia sido por acidente, ela estava feliz pelo garoto. Ela decidiu o parabenizar, mas antes que o fizesse, ele a encarou em pânico:
━ Será que ele era o cônsul britânico?
Ela revirou os olhos.
━ Não estamos na Inglaterra, eu iria estranhar muito se fosse… ━ ela resmungou, antes de segurar Eustáquio firmemente e o puxar para fora do bote. ━ Vamos ver se os outros estão bem. Não posso ficar aqui te vigiando enquanto os nossos amigos lutam e podem precisar da minha ajuda.
━ Eu não estou ouvindo barulho nenhum, se meus primos e os outros malucos não estiverem mortos… ━ começou Eustáquio, e Betty o lançou um olhar mortal. ━ Bem, era só uma hipótese, mas se você quer ir lá e arriscar nossas vidas também… Eu só irei porque você pode precisar da minha ajuda!
━ Você mais atrapalha do que ajuda, Eustáquio, mas eu realmente aprecio sua boa vontade.
Juntos, os dois loiros caminharam em direção ao local onde anteriormente ocorria uma grande luta, apenas para encontrar tudo da melhor forma possível: seus amigos caminhavam tranquilamente e eram aplaudidos pelas pessoas que salvaram, e Betty abriu um grande sorriso de alívio ao constatar que não estavam feridos.
Ela correu em direção a eles, vendo um homem se aproximando de forma brusca de Caspian, e levantou a lança prontamente para defender o amigo.
━ Majestade, minha mulher foi levada nessa manhã! ━ o homem disse, e Betty abaixou um pouco a lança ao ver que o homem não estava armado e havia uma garotinha atrás dele, chamando-o de pai. Caspian tocou seu ombro, e ela abaixou a arma por completo, dando um passo para trás. ━ Eu imploro que me leve com você, por favor! Sou um bom marinheiro, passei minha vida inteira no mar!
━ É claro. Venha conosco ━ convidou Caspian, comovido pela angústia nos olhos do homem que havia perdido a esposa.
Sua filha, que não devia ter mais do que oito anos, protestou. Betty a compreendia; ela se lembrava de quando seu próprio pai havia sido tirado dela para ir guerrear, e não era algo que a deixava feliz. Para aquela garotinha, devia ser ainda pior, porque sua mãe já havia desaparecido e agora estava prestes a ficar longe do pai também. Ela olhou para Edmundo, que parecia pensar o mesmo, e ele segurou um de seus braços suavemente, puxando-a para longe da cena.
━ Sabe, não é nossa decisão ━ ele murmurou, olhando por cima dos ombros para o pai que abraçava a filha. ━ Nossos pais voltaram para nós. Nada nos impede de trazer ele de volta para ela, não é?
━ É verdade… Mas imagine, ela já não está com a mãe, e agora o pai também irá para longe ━ pontuou Betty, com pena da criança. ━ Talvez fosse melhor ficar com ela e deixar que a gente se encarregue de trazer a moça de volta.
━ É a esposa dele, não se esqueça ━ lembrou Edmundo, elevando as sobrancelhas ao lançar um olhar compreensivo em direção ao homem. ━ Ele quer ajudar no seu resgate, é compreensível… Eu faria o mesmo por você.
Betty nunca sabia o que responder quando Edmundo dizia coisas como aquelas. Tudo o que ela conseguia fazer era olhar para ele com os olhos brilhantes, mas ainda que o rei justo tivesse coragem para falar aquelas coisas, ele não conseguia dizer e olhar para a garota ao mesmo tempo, ou encará-la nos momentos depois. Ele já havia sido um homem forte e valente, um rei, mas agora, era apenas um menino. E Betty era apenas uma menina.
Meninos e meninas, eles tinham suas dificuldades. Falar sobre sentimentos, sobre relacionamentos e seus desejos e sonhos, era sempre bastante difícil. Era quase doloroso. Causava um sentimento de vergonha, e suas bochechas costumavam arder e alcançar tons de vermelho. Mas não havia nada que precisasse ser dito; os dois sabiam o que queriam dizer, no fundo, mesmo na ausência de palavras.
━ É diferente, Ed ━ Betty teimou, lançando um sorriso pequeno para a garotinha na tentativa de a confortar um pouco. ━ Nós nunca tivemos filhos. Você não teria ninguém para deixar caso tivesse que me procurar.
Edmundo pareceu ponderar um pouco, concordando levemente com a cabeça.
━ Bom, justamente por nunca termos tido filhos, acho que não deveríamos julgar esse homem por querer ir atrás da esposa, afinal, não passamos pela mesma situação que ele para o compreender ━ ele opinou. ━ No fim, a única certeza que eu e você temos, é que ele só deseja fazer o que acredita ser melhor para a família dele, não é?
É claro. Rei Edmundo, o Justo. Ele sempre havia honrado seu título, com sua sensatez e senso de justiça. Betty não pode evitar concordar com o amigo, enquanto os dois retornavam para estarem próximos aos amigos, que traçavam o caminho de volta para o grande Peregrino da Alvorada em meio às palmas da população do local.
━ E então, não vai me contar sobre o fidalgo que encontraram no calabouço? ━ ela lembrou, e ele apenas se lembrou de que havia prometido resumir a história para ela naquele momento.
━ Ah, é verdade. Bom, quando nos prenderam no calabouço, ele já estava lá. Caspian o reconheceu, mas o lorde Bern não se deu conta de que Caspian se tratava de Caspian… ━ Edmundo introduziu o assunto, fazendo uma leve careta, e Betty assentiu para sinalizar que estava prestando atenção. ━ Ele estava lá há muito tempo. E não sei se você chegou a ver, mas há uma névoa verde bastante espessa que às vezes aparece sobre o mar… Eles enviam barcos cheios de pessoas que não conseguiram vender como escravos para o nevoeiro, como uma forma de sacrifício.
━ Essa história toda fica cada vez mais esquisita ━ Betty resmungou, horrorizada. ━ Aí vem o lorde, veja. Ele traz consigo uma espada…
Os dois franziram o cenho, aproximando-se do Lorde que entregava uma espada de aparência incomum a Caspian.
━ Meu rei! Recebi esta espada de seu pai, e a mantive em segurança durante todos estes anos em uma caverna ━ ele explicou.
━ Aquela é uma… ━ Betty iniciou, arregalando os olhos.
━ Uma espada narniana antiga! ━ Edmundo completou, unindo as sobrancelhas. ━ É da Idade de Ouro!
━ Pare de completar as frases da minha irmã, Edmundo ━ Sebastian resmungou.
━ Existem sete espadas como esta ━ disse o lorde a Caspian, confirmando o que Edmundo havia dito e estendendo a espada para o rei. ━ Seu pai as confiou a nós. Pegue-a, e que ela o proteja em sua jornada.
Após a promessa de Caspian de trazer de volta as pessoas desaparecidas e entregues ao nevoeiro, os reis do passado se uniram aos tripulantes do Peregrino da Alvorada juntamente a Eustáquio e Sebastian, ainda sendo ovacionados pela população remanescente de Felimate.
Enquanto caminhavam, Caspian tocou o rei Justo no ombro, que o olhou com atenção. O rei de Nárnia, então, deu ao amigo a espada que havia sido guardada por Lorde Bern durante tantos anos, oferecendo ao amigo um sorriso pequeno.
━ É da sua época. Vai lhe servir bem.
━ Certamente. Ed é o espadachim mais talentoso de todos os tempos! ━ Betty comentou, sorrindo orgulhosa, e tocou a espada coberta por uma grossa casca de sujeira com um dos dedos. ━ Vamos dar um jeito de limpá-la no navio, e logo ficará nova em folha!
━ Ei, também devo ganhar uma espada! ━ exigiu Sebastian, quase se pendurando nos ombros da irmã para ver melhor a que Edmundo segurava. ━ Porque, vejam bem, Betty me deu Viridi Hastam para ficar com Pignus, mas então, quando levaram todos nós para os calabouços, tomaram nossas armas. E então, Viridi Hastam apareceu para ela novamente quando ela estava presa! Eu sei que minha irmã não vai me dar a Lança dos Bosques e ficar sem nada, então, quero uma espada!
Foi só então que Betty percebeu que havia perdido Pignus, e seu sorriso se desmanchou, dando lugar a um olhar arrependido.
━ Poxa… Nem havia me dado conta que já não tinha Pignus. Mas que coisa, eu vivo perdendo minhas lanças… Ed só mandou Pignus ser forjada para mim depois que perdi Viridi Hastam no castelo de Miraz ━ ela contou, chateada. ━ Mas a Lança dos Bosques sempre volta para mim quando preciso. Pignus não vai voltar. Me desculpe, Edmundo. Não quis perdê-la de propósito!
━ Eu sei que não, não se preocupe. O que importa é que escapamos com vida e, apesar de tudo, o que mais me interessa é que você não esteja por aí indefesa. Se está com Viridi Hastam, então ótimo, eu fico feliz.
━ Esse meu primo não vai parar de dar em cima da Betty? Mas que coisa, ele não desiste! Será que não Edmundo não percebe a forma com que ela me olha? ━ indagou Eustáquio, cruzando os braços, e Lúcia e Sebastian o encararam, prendendo a risada.
━ Com nojo, você quer dizer? ━ Bash perguntou. ━ Eu bem gostaria que Betty não arranjasse um namorado nunca, mas entre você e Edmundo, prefiro ele!
━ Primo, Betty já rejeitou coisas muito melhores do que você para ficar com meu irmão ━ Lúcia disse, arqueando as sobrancelhas. ━ Eles foram noivos! Ou estão. Não sei bem a situação atual. Mas o que importa é que, algumas centenas de anos atrás, quando éramos mais velhos, os dois estavam prestes a se casar!
Todos entraram nas canoas que haviam os levado do navio para a ilha novamente, dessa vez para retornarem ao navio, e Eustáquio fez uma careta de nojo ao ver Betty e Edmundo sentados lado a lado, já iniciando o processo de limpeza – ou ao menos, uma tentativa de limpeza – da espada nova.
━ Ora, mas nada que vocês dizem faz sentido. Acho que no fim, quem está ficando louco sou eu!
volteii! perdão pela demora, mas espero que tenham gostado desse capítulo! eu postei no mural agora há pouco uma explicação sobre a demora, mas vou dizer aqui também: pra mim, a parte de "A Viagem do Peregrino da Alvorada" é a menos interessante de toda a saga, tanto nos filmes quanto nos livros, e por isso, não me sinto taaaaao animada pra escrever como me sentia em ephemeral e ineffable. e como vocês sabem, eu sempre gostei de mesclar acontecimentos dos livros com dos filmes pra criar algo legal, mas o livro é o filme do Peregrino da Alvorada são totalmente diferentes e isso dificulta muito!
mas eu tô me organizando melhor, e decidi que, a partir do próximo capítulo, vou focar mais nos acontecimentos dos livros, com alguns toques do filme, claro. mas vou me basear mais no livro porque acho melhor que o filme, menos desconexo e com muitas cenas bonitas envolvendo aslam. então, caso não tenham lido os livros, saibam que vai haver mudanças drásticas do que vocês conheceram pelos filmes. mas não se preocupem, porque tudo vai ser explicado devidamente pra fazer sentido.
é isso! espero que consigam matar a saudade da betty! ah, e eu fiz uma playlist pra betty, caso queiram ouvir! vou deixar o link nos comentários anexados nesse parágrafo.
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