Capítulo 6 - Hey, Angel

HANK NARRANDO
Não deu certo. Além do cara ter fugido de Londres, ainda tive que voltar pra casa e ter a infelicidade de achar minha cerveja congelada.

Estou sozinho na sala da delegacia, pensando em tudo o que já conseguimos. O único hermano que pegamos morreu. Foi uma loucura. Ele ficou encurralado e entrou em pânico. Começou a bater a cabeça no muro e depois se jogou na rua. Foi pego em cheio por um carro. E o cara que estava junto dele já tinha escapado. Deu no pé e largou o amigo para trás. E nem é o pior. Eu não gosto nem de pensar no que mais vi aquele dia. Foi uma verdadeira covardia.

Sou tirado dos pensamentos por uma ligação da minha mãe.

- Filho, como vocês estão? Não ligaram essa semana. Tá tudo bem?

- Sim. É que com a vinda dos meninos, estamos mais ocupados, e aqui na delegacia o bicho tá pegando.

- Os homens lá da padaria? Tem certeza que é uma boa ideia?

- Eles até que não são ruins. Só o Nico que é meio atrevi...

- Não. Eu digo seu irmão trabalhar? Sabe que é culpa sua, não sabe? Deixa ele estudar em paz e pegar quem quiser. Aí ele forma e exerce a profissão de dentista.

- Ele tá se saindo bem...

- Eu me preocupo...

- Eu que todo dia saio de casa correndo o risco de levar um tiro, e a senhora só se preocupa com ele?

- Não me acuse! Você sabe que é diferente.

- Quem cria a diferença é você, mãe. Eu confio na capacidade do Fede. E eu dei um jeito de fazê-lo trabalhar. Vai ser bom esse convívio pra ele.

Desligo na cara dela. Já se passaram seis anos. E ela ainda não entendeu. Até o Fede já entendeu, e ela não. Eu amo tanto o meu irmãozinho. Ele deve me achar um egocêntrico. Mas se ele soubesse que ajo assim em certos momentos por ele...

PIERRE NARRANDO
Mais aulas de literatura mundial se passaram. Já havíamos discutido Antígona, e agora estávamos na África. A última aula foi sobre O Mundo Se Despedaça. E agora víamos Mayombe. A aula sobre esse livro já estava no final. A discussão havia sido interessante. E novamente, Isak havia dominado a parada.

O Professor falava com entusiasmo sobre Mayombe. Era um modo que nunca havíamos visto antes. Faltando 1 minuto para o fim da aula, e acabada a discussão, perguntaram porque tanto ânimo do Sr.Path.

- Por que estou animado? É um livro escrito em Língua Portuguesa. O português é em minha opinião o idioma mais belo que existe. É muito complexo, mas atraente e liricamente bonito. Tanto amo a língua, que a falo fluentemente, e pela ser a minha especialidade de Literatura internacional ser a da língua portuguesa, vamos estudar alguns livros principalmente livros do Brasil. Então se quiserem se adiantar, serão neles que estarão as discussões mais complexas.

- Por que eles em específico? Por que não as obras americanas e europeias? São bem mais famosas, podem gerar discussões muito mais ricas e profundas já que as conhecemos melhor. - Uma menina de franja e cabelo loiro perguntou.

- Talvez. Mas esses livros são tão conhecidos que vocês já estão familiarizados. Mas ir para a literatura do Brasil e saber compreendê-la, mostra que conseguiram entender o propósito da disciplina, que é abrir a mente para a literatura estrangeira. Estados Unidos e Europa são estrangeiros, mas internalizados demais para alcançarmos esse objetivo. Claro que passaremos por esse países, mas vou cobrar menos deles, e mais da América Latina.

Interessante a visão do Sr.Path sobre o assunto. Pela primeira vez em muito tempo, sinto que um professor está me ganhando como aluno. É difícil alguém passar a emoção e inspiração que esse cara passa.

Após a aula, resolvi ir caminhar um pouco nos entornos da Universidade. Quando eu passava pelo gramado em frente ao prédio, levei um tapa forte na bunda.

- Gostoso assim... que desperdício. - Uma menina havia batido na minha bunda. E que história é essa de desperdício? - Tem uma foto de um veado nas suas costas, poc.

Ela sai de perto e vai em rumo à cafeteria. Ela não tem intimidade comigo pra me chamar de poc. Que menina abusada. Que bom que não respondi, ou acabaria levando advertência.

Passo as mãos pelas minhas costas, e tiro outra foto de um veado. Esse começo de ano é sempre uma desgraça! E dessa vez parece que o período do zoação ainda não terminou.

E saí da Universidade para acalmar e dar um passeio em um parque aqui perto. Odeio quando fazem isso. Não o lance da foto, mas passar a mão em mim. Eu sempre frequentei boates gays durante minha estadia em Madrid. Já perdi a conta de quantas vezes passaram a mão em minha bunda, peitoral, pênis, coxa... acho que nunca passaram a mão no meu cu porque tinha calça e cueca pra impedir. Essas passadas de mãos eram sempre motivos para uma briga.

FLASHBACK ON
MADRID, 2016
PIERRE NARRANDO

- Ah, vamos no karaokê comigo! Vai ser divertido. S'il vous plait, mon amour. - Sabia que ele não resistiria se eu falasse francês.

- Certo, mi vida. Vamos então. - Ele dá aquele sorriso de covinhas que eu adoro.

Juan vem comigo para o palco e ocupamos os dois microfones restantes. Haviam quatro microfones, e as músicas rodavam aleatoriamente. Quem quisesse era só subir e ocupar as vagas. Esperamos 5 segundos e a música começou. Hey, Angel - da One Directon. Cada um cantaria a parte de um dos meninos. Eu fiquei com Harry. E começou a música. Soltei minha voz e comecei a cantar:

- Hey angel
Do you know the reasons why
We look up to the sky?
Hey angel
Do you look at us and laugh
When we hold on to the past?
Hey angel

- Oh I wish I could be more like you
Do you wish you could be more like me?
Oh I wish I could be more like you
Do you wish you could be more like me? - Um cara bem alto, magro e ruivo ia cantando e ia se aproximando de mim. Juan ainda não percebia.

- Hey angel
Tell me, do you ever try
To come to the other side?
Hey angel
Tell me, do you ever cry
When we waste away our lives? - Eu ignorei e soltei a minha voz com tudo. Modestia a parte, canto muito bem.

- Oh I wish I could be more like you
Do you wish you could be more like me?
Oh I wish I could be more like you
Oh I wish I could me more, I could be more, I could be more

- Yeah I see you at the bar, at the edge of my bed
Backseat of my car, in the back of my head
I come alive when I hear your voice
It's a beautiful sound, it's a beautiful noise
I see you at the bar, at the edge of my bed
Backseat of my car, in the back of my head
I come alive when I hear your voice
It's a beautiful sound, it's a beautiful noise - Juan mandou super bem. Mas durante a sua distração, o cara de antes veio novamente e passou a mão na minha bunda, apertando com força. Dei um tapa em sua mão, e ele alisou minha coxa. Fiquei desconcertado com a atitude dele. Mas ignorei e voltei a cantar.

- Hey angel
Hey angel
Do you look up to the sky?
Do you look up to the sky? - Canto com calma e relaxo.

- Oh I wish I could be more like you
Do you wish you could be more like me?
Oh I wish I could be more like... - Todos cantávamos juntos, e quando menos espero, o cara veio por trás e me encoxou. Eu sentia seu pênis duro roçando em mim. Eu me virei e dei um tapa em sua cara. Saí correndo e fui para fora da boate.

Juan veio atrás de mim pouco tempo depois. Parecia com medo de uma ruptura.

- Você tá bem? Sob controle? Pierre? - Ele faz perguntas para conferir.

- Sim. Sim. Sim. Mas o susto que levei me abalou um pouco. Você viu o que o cara fez? Eu odeio quando passam a mão em mim. Você sabe! - Ele parecia me olhar com cara de desprezo. Ele não a devida atenção a outros pontos importantes de mim, além da minha condição. Era sempre difícil saber o que pretendia.

- Deixa de drama. Ele viu eu e você juntos. Devia estar tentando propor um ménage. Brincar a três é divertido... - Por que não suspeitei? Ele era muito pervertido. Ele poderia relevar aquele assédio por uma chance de sexo a três.

- Não, não... acho que minha pressão caiu com o susto. Acho melhor ir pra casa. Não tô no clima. - Ter a pressão baixa era um saco, mas me tirou de uma conversa chata na qual ele iria tentar me convencer a transar com e com o outro cara. E eu não estava a fim.

- Então, tá. Fica pra outro dia. - Ele fala conformado. E me leva para nossa casa.

MOMENTO ATUAL
LONDRES, 2019
PIERRE NARRANDO

Eu andava irritado por aí. Nem queria ter lembrado de Juan. Num acesso de raiva, chutei uma lata de lixo com força e a mandei longe.

- Ah, cara. Eu acabei de limpar aqui!

Me viro para um homem mais ou menos da minha idade. Ele tinha luzes no cabelo, era branquinho e parecia bem aborrecido.

- Desculpa... eu te ajudo a limpar. Me abaixo e começo a pegar todo o lixo que eu havia espalhado. Que merda que eu fiz. Estou envergonhado.

- Tá tudo bem. Eu vi que você devia estar estressado, mas não é motivo para sujar a cidade. - O cara vem me ajudar a limpar toda a minha bagunça. - Eu faço parte de um grupo de jovens dedicados à ajudar a comunidade e meio ambiente. Nós somos parte da Fundação de Jovens Benvólio. Grupo Londres 3. Estamos recrutando. Não quer participar? 

- Não, obrigado. Eu estudo e trabalho. Não acho que eu consiga manter compromisso.

- E se eu te passar o nosso Instagram? Aí você pode pelo menos ir em encontros de limpeza, ou projetos sociais. Não precisa ser membro para participar.

- Ah, pode ser. - Não custa nada seguir no instagram. E vir em um ou outro projeto pode ser legal. Até porque preciso de mais desculpas para evitar o Isak. Ele me passar o nome do instagram e me diz:

- Aliás, não me apresentei. Meu nome é Pietro. Sou de Milão.

- Eu sou Pierre. Vim de Paris.

- Do grego, Petrus. Um nome que se dá aos resistentes, significa Rocha e Fortaleza. Suas variações incluem Peter, Pierre, Pietro, Pedro, Pita, Pierse e Butrus.

- É, eu sei. Me falaram isso esses dias.

- Foi um poeta canadense?

- Como você sabe?

- Ele tava por aqui esses dias. Conversou comigo. Queria saber sobre o amor juvenil.

- É, tivemos uma conversa similar também.

- Bem... xará, vai me dizer por que estava com raiva e resolveu poluir o meio ambiente? - Ele parecia tão simpático, e qual era a chance de eu vê-lo direto? O que custa falar com estranhos?

- Uma menina passou a mão em mim.

- E você achou isso ruim? Porque tem muito homem não ia reclamar.

- Claro que achei! Ninguém tem o direito de passar a mão no corpo de ninguém. E eu já tenho um certo incômodo com isso. Aí fiquei com raiva. - Disse com um tom de voz simples. E sem me alterar muito. Levei como uma conversa normal.

- Tá certo mesmo. Seu raciocínio está corretinho. É difícil ver um cara que matenha o pensamento crítico se alguém dá em cima dele. Imagino que deva ter muitas pessoas de olho em ti.

- Pessoas?

- Você é bi, não é?

- Sou sim. Como sabia?

- Ah, sei lá. Intuição talvez.

- Bom, meu intervalo vai acabar. Preciso ir de volta para o campus.

- Então tá. Mas antes... lembra de se controlar com a raiva. Ninguém tem que aturar você irritado, seja lá pelo motivo que for. A lata de lixo e a grama não tem culpa de nada. Tchau.

- Sim, tomarei juízo. Até mais.

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