Capítulo 1 - O Oriental

LONDRES, REINO UNIDO - 2019

PIERRE NARRANDO

Por que eu continuo carregando meu celular perto do forno industrial? Já é o segundo carregador que perco em um ano por causa disso. E qualquer dia eu vou botar fogo nessa padaria sem querer.

Olho para o aparelho ainda com pouca carga em minhas mãos e vou até la fora pedir um carregador emprestado.

Vou até lá fora e vejo Marcelle limpando o balcão. Não acredito que vou pedir outra vez.

- Marcelle...

- Daqui eu senti o cheiro de queimado. Pode pegar na minha bolsa. Já é o segundo carregador que você queima esse ano por carregar na tomada do lado do forno. Ainda é fevereiro. - Ela continua fazendo a limpeza, e sorri alegremente para o balcão que reluz o reflexo dela. Isso sim é uma pessoa animada com o trabalho.

Foi uma surpresa chegar em Londres e acabar trabalhando na mesma padaria que minha priminha. Quando fui fazer a entrevista de emprego, ela entrou do nada na sala do gerente e intimou o Bill a me contratar. Do contrário, ela contaria à dona que Bill come biscoitos escondido. E aquela mulher é pão dura. Não deixa a gente comer nem um pãozinho. E a prova da avareza é que ela paga todo mundo com salário mínimo. E ainda reclama que a gente custa muito pra ela. Poxa, somos 3 funcionários, não somamos nem £3500. Aquela mocreia fatura mais de 18000 por mês.

Bem, 2 por enquanto. Bill saiu para trabalhar em uma fábrica de doces em Leeds. Marcelle é a nova gerente e hoje vamos escolher um novo funcionário.

Nós? Sim. Pois a chefa nunca vem aqui. Só no dia do pagamento e nos dias de buscar o dinheiro. Mas enfim, eu volto para a minha cozinha e coloco meu celular pra carregar. Longe do forno dessa vez. Se o cabo encostar e o calor derreter o carregador da Marcelle, eu posso me considerar um homem morto.

Ainda são 5:00 da manhã. E tenho que terminar muitos pães, biscoitos e bolos. Chego aqui todo dia às 4:00, para às 7:00 estar tudo pronto e eu poder ir para a Universidade. Então, eu volto depois do almoço para Marcelle então ir pra faculdade dela. E a tarde eu fico aqui sozinho. Mas como já tá tudo pronto desde cedo, eu só fico no balcão e vem poucos clientes nesse horário. É quando adianto estudos do meu curso.

Aliás, eu curso Linguagens e Literatura no Imperial College London. E a Marcelle cursa turismo lá também. Eu de manhã, e ela de tarde.

Fico aqui por um bom tempo e quando tudo está pronto, e organizado em suas devidas prateleiras e estufas, tomo meu rumo para a Universidade.

A padaria é bem perto, então eu posso ir tranquilamente a pé para lá. Ao chegar no Campus, sinto uma sensação de liberdade. Quando eu me formar, vou poder enfim largar aquela padaria e lecionar como professor.

Vou na biblioteca primeiro para pegar um livro para a aula de Literatura Mundial. Achei interessante essa iniciativa de conhecer um pouco das obras do mundo inteiro. O professor adiantou um e-mail com o nome de todos os livros que serão debatidos, mas não a ordem. Vamos lendo e caçando informações na ordem que quisermos. Não faz mal se ainda não tivermos lido. Ele só pede pensamento crítico para os debates. Nós não somos obrigados a ler, apenas pesquisar sobre. Mas prefiro ler o livro para a total compreensão. Já li da lista de livros o Dom Quixote, Conde de Monte Cristo, A Vegetariana, Os Miseráveis, Alice no país das maravilhas, Dom Casmurro, Pedro Páramo e O Sol é para Todos.

Depois que peguei o livro na biblioteca, me dirigi para a sala e ocupei um lugar mais a frente, numa fileira no canto da sala. Com o tempo foram chegando mais pessoas e também o professor.

- Olá, turma. Eu sou o Senhor Path. Serei seu professor de Literatura Mundial. E eu queria começar o dia de hoje com uma frase. "Eu acredito que os humanos deveriam virar plantas".

Alguns alunos deram risadinhas. E o Sr.Path deu uma risada também.

- Sei que é uma frase estranha. Mas totalmente necessária para a nossa aula de hoje. - Um garoto de cabelos vermelhos levantou a mão. Eu nunca vi esse garoto aqui antes. - Sim, senhor Alberman?

- É uma frase do poeta coreano Yi Sang. E ele diz que os humanos deveriam ser plantas, pois a planta é o único ser vivo que não tem a intenção de matar os outros. Ele viveu no contexto da invasão Japonesa na península coreana. Ele viu a maldade no exército japonês e pregou a paz em seus versos. Se os humanos fossem plantas, e assim não tivessem a intenção de matarem uns aos outros, todos os horrores que os japoneses fizeram não ocorreriam. A exemplo do trabalho escravo, destruição da cultura coreana, proibição do idioma coreano e da escravização sexual das mulheres. - Aquele menino sabia bem até. Olhando melhor para ele, eu vejo o porquê. Reparei no cabelo, mas não no rosto. Ele é um descendente de orientais. Provavelmente de coreanos.

- Sim. O senhor alberman está correto. E acredita-se que essa frase inspirou a autora Han Kang a escrever o livro "A vegetariana". Essa será a nossa discussão da semana. Um dos livros mais importantes da Coreia do Sul. Entendam, a literatura é mais do que os estilos de época. É uma crítica social, é um retrato da sociedade. É uma revolta intelectual da sociedade.

- Que nem a revolta da protagonista? - Alguém no fundo da sala perguntou.

- Sim! Mas ela não se revoltou. Ela apenas expressou um desejo. Uma vontade dada como rebelde pelo seu marido e família opressores. Ela só decidiu parar de comer carne. E agora eu lhes pergunto, por que isso é considerado um ato rebelde?

- Porque é comportamento desviante. - Eu e o oriental respondemos juntos.

O Sr.Path olhou para nós com um olhar glorioso. Dependendo do meu humor, eu respondo ele. Mas hoje tinha esse menino desconhecido respondendo tudo junto de mim. Eu sei que eu não me importo com os meus colegas, são só pessoas aleatórias que estão ali comigo. Mas se esse menino esteve aqui durante todo o curso, por que eu só reparei nele agora?

- Os dois estão certos. Comportamento desviante. Quando alguém toma atitudes que vão contra a maioria. Não necessariamente atitudes más. Podem ser boas. Mas se desagrada a maioria que detém o poder, isso é rebeldia.

O Sr.Path continuou a discussão, e eu continuei a olhar aquele rapaz oriental. Ele é bem branquinho, sem dúvidas tem um pai ou a mãe britânico. Covinhas... espera! Covinhas? Ele tá sorrindo? Ele tá olhando para mim? A quanto tempo eu estou olhando ele? Argh! Foda-se. Vou olhar pra cara do Sr.Path que ganho mais.

Eu estou focado na discussão sobre a independência feminina e o movimento vegano, quando sinto que tem dois olhos me observando. Eu olho na direção do oriental. Não sei pra quê. Pois ele estava me encarando mesmo, e nossos olhares se encontraram. Foi estranho. Senti um arrepio em meu corpo. Volto minha atenção para a aula. E percebo que ela está acabando.

- Essa semana ainda temos mais aulas. Não faltem.  - Ele finalizou sua aula e todos fomos saindo da sala.

O oriental saiu bem depressa. Mas por que eu me importo? É só um rapaz que respondeu junto de mim e sabia explicar a frase de um poeta coreano. Ele até que é bonitinho.

Que raiva! Ignore meninos e meninas. Foque nos seus estudos, Pierre.

O resto da manhã foi normal. Na hora do almoço, eu e Marcelle iriamos escolher um novo atendente para substituir Bill. E foi uma perda de tempo. Todos eram horríveis.

- Nenhum deles presta. Eles não sabem mexer na caixa registradora e se atrapalharam com os pedidos que fizemos. - Eu ia falando e descrevendo como todos eram péssimos.

- Mas e o loirinho? - Marcelle só poderia estar querendo pegar ele. O cara foi o pior.

- Ele pegou os pães com a mão, sem usar a luva.

- Mas foram todos. Um atendente maravilhoso não vai cair na nossa frente. - Ela disse e um cara surgiu correndo padaria a dentro com um papel em mãos e caiu com tudo no chão.

- Desculpem. Eu estava atrasado. - Ele se levanta e entrega o papel para nós, e parece ser um currículo dele.

- Certo... Federico. Você tem o curso de panificação, curso preparatório de vendas... tem experiência? - Marcelle fala lendo o currículo dele.

- Na verdade não. Mas eu sei os procedimentos. Me formei no curso há pouco tempo. Tá tudo fresquinho na minha mente. - Federico fala com um sorriso no rosto. Ele está tentando parecer o mais amigável possível. Acho que realmente pode precisar desse emprego. - Por favor. Eu preciso muito de um emprego.

- Vamos fazer o teste. Estão vindo dois clientes. Atenda os dois sozinho. - Eu disse a ele. O rapaz veio para trás do balcão na mesma hora.

Ele ouviu o pedido das duas moças e pegou tudo certinho. Só precisou da gente pra falar os preços. Mas ele soube mexer na caixa registradora. Claro que eu e Marcelle estávamos acompanhando de perto. As duas moças saíram felizes e nós nos entreolhamos. Dei um olhar e afirmei com a cabeça.

- Você começa amanhã. Mas sem atrasos por favor. A nossa chefe vai vir fazer a sua contratação. A padaria abre às 6:00. Mas precisa estar aqui às 4:00. - Marcelle disse para o rapaz que comemorou e abraçou nós dois.

- SEM ABRAÇOS. - Eu praticamente gritei, e o Federico ficou meio sem graça.

- Desculpe. - Ele falou vermelho de vergonha. Marcelle ficou com dó.

- Não liga pro meu primo. Ele é sempre mal humorado mesmo. Mas vocês vão ter que se aturar. Enfim. Vi seu nome no currículo. Federico, né? Eu sou a Marcelle, sua gerente, e esse é o Pierre, nosso padeiro. Você vai ficar no atendimento. - Nessa hora me veio uma ideia.

- Deixa ele comigo antes da padaria abrir. Ele tem o curso de panificação. Pode me ajudar com os afazeres da manhã. E se necessário, pode fazer mais coisas no período que não estou aqui. - Eu não sei explicar, mas fui com a cara dele.

- Obrigado. - Ele respondeu.

Meu celular toca.

- É um boy? - Marcelle me pergunta curiosa. E o novato olha mais curioso ainda pra mim. Marcelle olha e responde para o novato. - Ele é bissexual, mas com preferência por caras. E espero que você não seja bifóbico ou vou ter que te demitir depois de 1 minuto de contratação.

- Ah, não se preocupe. Pra mim cada um namora quem quiser. Inclusive eu sou gay. - Federico explica.

- Tá, agora façam silêncio. É a dona do apartamento que eu moro. Estou tentando convencer ela a baixar o preço. - Eu aviso e vou pra cozinha atender.

FEDERICO NARRANDO

Isso! Consegui um emprego! Tenho que esfregar isso na cara do Hank.

Depois de acertar tudo com a Marcelle e o Pierre, voltei para casa. Meu irmão já estava fardado e pronto pra sair.

- Ciao. Não vai acreditar. Consegui um emprego! - Eu falei animado.

- Você o que?! Não acredito que você arrumou um emprego só pra poder trazer homem aqui pra casa! - Ele me olhava com a cara mais incrédula do mundo.

Acontece que por mais que eu tivesse feito alguns cursos, eu nunca trabalhei. Minha intenção era acabar os cursos e fazer uma faculdade com foco total nos estudos. Mas há alguns dias, eu e um cara da faculdade estávamos fodendo no meu quarto. Que é do lado do quarto do Hank. E o menino estava gemendo muito.

O Hank e a prostituta, sim, ele trouxe uma prostituta, ouviram. Os gemidos do meu colega estavam bem mais altos do que os da prostituta. E quando ela saiu, disse que queria o número de quem estava no quarto ao lado. Meu bom irmão hétero top não aceitou que o irmãozinho dele consegue fazer alguém ter mais prazer na cama do que ele. E disse que era pra eu parar de trazer homem pra dentro de casa. Ele argumentou que enquanto ele pagasse todas as despesas, ele dita as regras.

Ditava.

- Não é por querer foder algum cara... isso também. Mas foi tirania o que você fez. Só porque não aceita o fato de que seu irmão de 19 anos é melhor na cama do que você. Agora a gente dita as regras juntos. De igual para igual. - Eu falo e ainda dou um sorriso triunfante no final.

Ele me olha bravo. Ele tem uma arma na cintura. Se não fosse meu irmão, eu estaria com medo.

- Tá certo. Você, eu e os caras que vão alugar os quarto né? Esqueceu disso? É melhor você achar dois homens que não se incomodem com os gemidos. Pois temos que alugar os quartos sobrando. - Ele paga as suas coisas e vai em rumo a porta.

- Mas você disse que não íamos alugar os quartos. - Falo indignado com meu irmão.

- Mudei de ideia. E eu vou caçar alguém interessado hoje. Sugiro que faça o mesmo. - Ele dá um sorriso cínico pra mim e sai.

Quer saber? Vou arrumar dois caras que curtem caras e que não se importem com os sons das minhas fodas. E acho que sei onde arrumar um.

Eu vou conseguir. Agora é questão de honra. Não vou dar o braço a torcer para Hank.

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