𝐢. FÓSFOROS E LANTERNAS

*ૢ✧₊˚.⚘ ༉.ೃ࿔₊
𝐄𝐏𝐇𝐄𝐌𝐄𝐑𝐀𝐋
[ CAPÍTULO UM ]

FÓSFOROS E LANTERNAS

AS SEIS CRIANÇAS ESTUDARAM AS RUÍNAS, com as feições confusas. Enquanto os antigos reis e rainhas tentavam descobrir o que havia acontecido ao local, Sebastian ainda tinha os olhos arregalados e tentava assimilar tudo o que estava acontecendo. Em um momento, estava em um teatro, brigando com Betty, e em questão de segundos foram parar em uma praia deserta?!

E, de alguma forma, ele parecia ser o único a estranhar toda a situação! Estavam os outros malucos, ou era ele o louco?!

─ O que será que aconteceu, hein? ─ ouviu o questionamento da irmã, que tinha os olhos perdidos pelo local e o diário em uma das mãos, enquanto com a outra segurava uma maçã vermelha e suculenta.

─ É tão triste... ─ Lúcia comentou, ao seu lado, e todos concordaram. Estava claro que aquelas ruínas não foram causadas pela inocente ação do tempo. ─ Quem vocês acham que vivia aqui?

Ainda bem que não era eu... ─ Sebastian disse, puxando uma maçã de uma das árvores.

As memórias do dia em que sua casa em Westminster fôra bombardeada por aviões de guerra eram claras em sua mente, e ele se lembraria para sempre de como sentiu medo, até ir para a casa de tia Polly, onde permaneceram por muito tempo.

─ Éramos nós ─ Susana disse em um sopro.

─ Como é, Su? ─ Edmundo indagou, se aproximando da irmã.

Lúcia e Betty se entreolharam, com os olhos arregalados, antes de andarem até a menina mais velha. Susana tinha nas mãos uma peça de xadrez, um cavalo, feito de ouro maciço. Betty levou uma mão à boca, lembrando-se do objeto, e Pedro se assustou ao ouvir o baque causado pela maçã ─ que a menina soltou com o susto ─ ao atingir o chão.

─ Eu, isso é meu... Do meu jogo de xadrez! ─ Edmundo explicou, pegando a peça das mãos da irmã e entregando-a à Sebastian, que tinha um olhar curioso.

Pedro franziu o cenho.

─ Que jogo de xadrez?

Bom, eu não tinha um jogo de xadrez de ouro puro em Finchley ─ o mais novo desdenhou. ─ Mas isso é meu.

De repente, todos sentiram-se tristes. Começava a ficar claro para as crianças onde é que estavam, mas não queriam aceitar a verdade.

─ Não acredito... ─ Lúcia falou, antes de sair correndo com os irmãos atrás de si.

Betty não se moveu um centímetro.

As memórias de Cair Paravel eram vívidas em sua mente, afinal, vivera lá por tanto tempo! Era seu lar, e agora, do castelo que um dia fôra tão majestoso e belo, restavam apenas as ruínas.

─ O que há de errado, Beth? ─ seu irmão se aproximou, com as sobrancelhas juntas em preocupação.

Sebastian gostava do nome da irmã; Elizabeth era um nome tão grande, e podia-se formar tantos apelidos diferentes! Ele a chamava por um diferente a cada vez que precisava de sua atenção; Lizzie, Beth, Betty, Betsy, Liz... a lista poderia continuar por horas e horas, mas não é esse o ponto principal da narrativa.

─ Aqui era meu lar ─ Betty murmurou, antes de dar passos lentos e pequenos em direção aos amigos, que eram posicionados por Lúcia em frente às ruínas de concreto do que algum dia foram tronos bonitos e imponentes.

─ Imaginem muros... ─ a mais nova pediu, puxando Susana delicadamente para o lado de Pedro. ─ E colunas ali ─ apontou para um ponto atrás de Sebastian e Betty, que observavam os quatro atentamente. ─ E um teto de vidro.

Lúcia, Susana, Pedro e Edmundo. Os quatro reis do passado. Ao vê-los ali, posicionados, Betty quase se engasgou; era como se estivessem de volta no dia da coroação.

Por fim, a última rainha restante se juntou aos demais, alguns passos a frente de onde os quatro estavam, entre Pedro e Susana. Onde seu trono havia sido erguido após os quatro voltarem para seu mundo.

Calafrios percorreram pelos corpos dos cinco. Eram, mais uma vez, reis e rainhas.

Cair Paravel ─ Pedro disse, simplesmente, e todos se sentiram diferentes.

Betty levantou o queixo, encarando o horizonte.

Uma vez coroado rei ou rainha de Nárnia, será sempre rei ou rainha ─ repetiu as palavras de Aslam, e se virou para os outros. ─ Onde acham que Ele está?

Sebastian limpou a garganta, chamando a atenção para si, antes que alguém pudesse dar um simples palpite.

Ele quem?

─ Aslam ─ Pedro respondeu, e Sebastian arregalou os olhos levemente.

Ao ouvir aquele nome, o menino se sentiu imediatamente mudado. Não sabia quem era Aslam, mas soube que era alguém de uma importância e profundidade tão grande que poderia mudar sua vida para sempre ─ talvez para melhor, como em um sonho, ou para pior, como o mais terrível pesadelo. Sentiu-se leve, em paz.

As crianças se puseram a vasculhar mais o local, dessa vez com Sebastian mais disposto. Não sabia o que havia acontecido consigo mesmo, mas os outros entendiam perfeitamente. Jamais esqueceram a sensação de ouvir o nome de Aslam pela primeira vez!

─ Carambolas! ─ Edmundo exclamou, parando de repente, e Betty o olhou com uma careta. ─ Há uma porta ali, acha que conseguimos empurrá-la?

Betty entortou a cabeça para um lado, incerta.

─ Já fomos mais fortes, mas vale a pena tentar...

─ Eu ajudaria, mas não posso estragar o figurino da peça ─ Sebastian explicou.

─ Não se preocupe com as roupas, Bash ─ a irmã aconselhou. ─ Estamos em Nárnia.

Realmente, ninguém mais parecia se preocupar. Os Pevensie já não tinham mais seus chapéus, seus blazers e seus sapatos. Betty tinha o vestido sujo pela areia, e a coroa de plástico há muito desaparecera; seus pés descalços tocavam o chão, e a barra do vestido tinha pequenos rasgos que a menina parecia não notar.

─ Se a senhora Cline ouvisse isso... ─ resmungou, lembrando-se da figurinista das peças escolares.

Betty riu, antes de voltar a atenção aos outros. Apesar de triste, por ver as ruínas de seu antigo lar, estava feliz por ter Sebastian ali. Só ela sabia quantas vezes se sentiu solitária em sua primeira visita ao lugar, pensando em como gostaria que o irmão estivesse ali... E agora ele estava!

Sem esperar os outros, Pedro caminhou até as paredes rochosas, empenhando-se em empurrar a porta. Edmundo se juntou ao irmão, e com dificuldade, conseguiram abrir espaço suficiente para que pudessem passar, um de cada vez, pela escada escura que se estendia dali.

─ Algum de vocês tem fósforos? ─ Pedro perguntou, após rasgar um pedaço de sua camisa e enrolar o mesmo em um toco de madeira.

Edmundo o olhou como se estivesse de cara com um homem das cavernas.

─ Não, mas... ─ começou, abrindo sua bolsa e tirando de lá uma lanterna. ─ isso serve?

As meninas riram, enquanto Pedro encarou o irmão incrédulo.

─ Podia ter dito antes! ─ exclamou, e Edmundo riu, ligando a lanterna. Betty se aproximou, risonha, e estendeu uma pequena caixa à Pedro.

─ Eu tenho fósforos, se você preferir...

Engraçadinha... ─ fez uma careta, abrindo espaço para que as meninas pudessem descer em sua frente.

Com cuidado, todos seguiram o caminho iluminado por Edmundo e sua lanterna, e arregalaram os olhos ao perceber onde chegaram.

A sala de seus tesouros.

Correram cada uma para o próprio baú, se posicionado em frente à estátuas idênticas aos adultos que as crianças já foram.

Betty sorriu sozinha, admirando o baú prateado.

─ Já contei à vocês como vim para Nárnia? ─ perguntou, e os outros negaram, a olhando curiosos. ─ Tenho certeza que já contei, vocês devem ter se esquecido, afinal, faz tanto tempo... ─ riu, abrindo o baú. ─ Eu entrei em um baú. Aquele que tinha no quarto em que ficamos, na casa de tia Polly, Bash, se lembra?

─ Oh, então é por isso que você entrava naquele baú todos os dias e passava horas! ─ ele concluiu, aliviado. ─ Pensei que era mais uma de suas maluquices.

Todos riram, antes de voltar a atenção para seus respectivos tesouros. Sebastian observava admirado o escudo de Pedro, que brilhava por baixo da camada de poeira.

─ Eu era tão alta! ─ Lúcia exclamou, feliz.

─ É que você era mais velha ─ Susana explicou, com um sorriso terno.

─ Ao contrário de centenas de anos depois... ─ Edmundo iniciou, e os outros se viraram para ele. O menino usava um elmo duas vezes maior do que sua cabeça, e as crianças não puderam segurar o riso. ─ Quando você fica mais jovem.

Susana recuperou seu arco e flecha, mas reclamou por não encontrar sua trompa.

─ Também não encontro minha lança... ─ Betty murmurou, praticamente com o corpo inteiro para dentro do baú. Se estivesse pensando claramente, se lembraria de que Viridi Hastam era grande demais para caber ali.

─ É essa? ─ Sebastian se abaixou e agarrou uma grande lança dourada cravejada por esmeraldas, e os olhos de Betty se iluminaram.

─ É sim! ─ quando segurou sua lança novamente, suas pedras brilharam em verde, fazendo Elizabeth sorrir.

Reconhecia sua guardiã.

─ Uau! ─ ouviram o sussurro surpreso de Sebastian, que observava Pedro levantando sua espada.

─ Nos dentes de Aslam, o inverno morrerá...

─ Em sua juba, a primavera voltará ─ Lúcia completou, e se aproximou do irmão mais velho, triste. ─ Os nossos amigos, o senhor Tumnus, os castores... todos se foram.

Betty comprimiu os lábios, formando uma linha fina, e fechou os olhos com força, tentando segurar as lágrimas.

─ Talvez... ─ ela começou, já soluçando, e Sebastian correu para lhe abraçar, ao mesmo tempo em que Susana se aproximava preocupada. ─ Se eu tivesse esperado mais alguns anos... talvez eu pudesse ter defendido Nárnia e...

Pensava em Baguete, nos castores, em Tumnus e mais muitos amigos, e chorava cada vez mais.

─ Não foi sua culpa, Betty... era sua hora de ir, o próprio Aslam disse! ─ Lúcia consolou.

─ E, mesmo que tivesse ficado, não temos como saber quando isso aconteceu! O tempo em Nárnia passa de um jeito diferente ─ Pedro continuou.

Betty sentia que havia traído Nárnia, mas seus amigos não pareciam entender. Suas palavras de consolo continuavam, mas ninguém ali poderia entender a culpa que a menina carregava no peito.

Exceto por Edmundo, que vivia com aquele sentimento desde a primeira vez em Nárnia, quando se deixou iludir pela Feiticeira Branca. Ele não dizia mensagens de conforto, tampouco se aproximava; apenas a fitava com preocupação, reconhecendo seu sentimento.

─ Deixe de ser chorona, Betty ─ Sebastian pediu. ─ Não gosto quando você chora! Me deixa triste também...

A menina deixou um pequeno sorriso escapar, e tentou secar as lágrimas após algum tempo. Era aquilo o bom dos irmãos; não importavam as brigas e implicâncias. Sempre se importariam um com o outro.

A noite não demorou a cair, e as crianças se aceitaram na grama, entre as macieiras; na sala do tesouro, era impossível dormir! Tantas pedras, e poeira...

Betty quase sentia sua asma atacar.

─ É melhor comermos os sanduíches agora ─ aconselhou Susana. ─ Vão estragar se esperarmos mais.

Dividiram então os sanduíches que Lúcia e Edmundo traziam, e terminaram de forrar o estômago com maçãs. Por mais suculentas que as frutas estivessem, já não aguentavam mais comê-las.

─ Os fósforos vão ser úteis agora ─ Pedro brincou, e Betty o entregou os fósforos para que pudesse acender uma fogueira.

Todos já haviam se trocado; vestiam suas roupas antigas, de quando Nárnia ainda prosperava.

Esperavam que, com um novo dia, chegassem também respostas para todas as suas dúvidas. E, pela juba do leão, quantas dúvidas!

As engrenagens da cabeça de Betty quase podiam ser ouvidas pelos outros, enquanto a mesma observava as estrelas, distante e silenciosa como raramente ficava.

─ Como você está? ─ ouviu a voz de Edmundo, que sentou-se ao seu lado, e deu de ombros. ─ Nunca te vi tão quieta, nem mesmo quando fomos amordaçados por Ginarrbrik.

Betty permitiu soltar uma risada, e o rapaz sorriu.

─ Você entende como me sinto, não é? ─ questionou, já sabendo a resposta. ─ É horrível sentir-se como um traidor. ─ continuou, logo se arrependendo e levando uma mão a boca. ─ Me desculpe, Ed, não quis dizer isso! Não foi culpa sua, estava enfeitiçado...

─ Eu sei o que quis dizer ─ assegurou, olhando para o céu. ─ Você diz que a culpa não foi minha... porquê não entende que também não foi sua? ─ ele indagou. ─ Errei em confiar em Jadis, é claro, mas você foi enviada para casa na hora certa... Aslam te ajudou a encontrar o caminho. Talvez, coisas piores pudessem acontecer se ficasse...

─ Você foi perdoado ─ ela o cortou. ─ Por tudo, e por todos.

─ E você não precisado perdão de ninguém ─ Edmundo argumentou, e ela cerrou os olhos azuis. ─ Só precisa perdoar a si mesma. A única pessoa que te acusa, é você.

A menina sorriu pequeno, e Edmundo levantou uma sobrancelha. Estava orgulhosa do rapaz; era ainda justo, afinal.

─ Obrigada, Edmundo. É um bom conselho.

Sem dúvidas, tentaria seguí-lo. É só que, a cada vez que lembrava de seus amigos, a culpa voltava.

─ Todos os meus conselhos são bons. ─ se gabou, dando de ombros, e a menina revirou os olhos. ─ Achei algo em meu baú hoje.

─ Isso é bom, significa que ele não foi completamente saqueado...

Edmundo a olhou pronto para retrucar, até perceber que a menina não continha um pingo de sarcasmo na voz. Era genuína.

─ Não está curiosa?

─ É claro que estou!

Ela o fitou, ansiosa, e ele riu, antes de enviar uma mão em um dos bolsos.

─ Vamos, me dê a mão.

─ Ora, mas você já tem duas! ─ brincou, antes de estender um braço em sua direção. ─ Devolva, depois!

─ Muito engraçadinha, Betty ─ ele revirou os olhos, antes de agarrar a mão da menina e passar por um de seus dedos um anel.

Ele era dourado e fino, e tinha um cristal azulado em formato de coração. Era a aliança de noivado de Elizabeth, do casamento com Edmundo que nunca chegou a acontecer.

─ É sua ─ ele evitou seus olhos, tímido. ─ Pensei que pusse gostar de a ter de volta e...

Betty sorriu ternamente, olhando para a própria mão.

─ Eu gostei, Ed. Obrigada.

Capítulo grandeh, até cansei. Espero que tenham gostado do capítulo, vejo vocês na próxima atualização!

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top