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Quando acordei Yuri já tinha ido embora.

Sobre a mesinha de centro encontrei um bilhete.

"Fiz uma lasanha para você poder comer no jantar. Também fiz uma sobremesa que eu tenho certeza que vai te agradar.

P.S.: Amanhã eu virei para passar o final de semana com você.

Te amo!"

Tomei um banho e em seguida fui jantar.

Sentar sozinha à mesa nunca foi novidade para mim. Mas ao menos eu sabia que alguém chegaria a qualquer hora, reclamando do trânsito ou de filas do banco, me lembrando de que eu não estava só.

Pensar nisso me fez lembrar Marília e Reginaldo.

Meus pais nunca foram exemplos.

Meu pai é violento sempre que fica com raiva. Minha mãe é uma perua mal amada. E ambos querem manter a aparência de uma família organizada e feliz.

Ter-me como filha foi uma catástrofe. Eles esperavam uma garota que seguiria as regras deles e daria orgulho. Mas eu nunca fui assim. Desde meus nove anos - quando levei a minha primeira surra sem ter feito nada - percebi que eles não queriam uma filha e sim uma marionete.

Daí liguei o foda-se.

Porém, como morava e comia na casa deles, eu tinha que cumprir algumas regras. Como ir à Igreja e não cometer delitos.

Tá aí o motivo pelo qual pedi emancipação no início desse ano.

Por sorte, Joana mandou os documentos emitidos após o processo. Com tanta novidade me esqueci de ir buscar.

Agora morando sob o meu 'teto' eu não tenho mais que dar satisfações sobre o que faço.

Talvez não fosse tão ruim assim se desvincular da minha 'família'.

👊👊👊

Acordo cedo e vou tentar encontrar uma escola para me matricular.

Passo por três escolas públicas e não encontro uma vaga. Minha única saída é procurar uma particular.

Peço para o taxista me levar para alguma que fique o mais próximo possível de onde moro então ele me leva para uma que fica no quarteirão ao lado do meu.

É uma escola particular, mas preciso continuar a estudar. Como falta menos de três meses para acabar o ano letivo, vou retirar o valor para pagar a mensalidade do dinheiro que me restou – cerca de 40 mil.

A fachada do colégio é bonita. Tem um longo portão de metal, a parede exibe uns grafites 'bem da hora' e tem um banner personalizado com o nome "Escola Eduardo Ferraz".

Tem mais alguém que acha ridículo isso de pôr nome de pessoas em prédios e ruas?

Pensa comigo... Você fica sentada em fulano ou pisando em Beltrano.

Muito estranho.

Entro no Eduardo Ferraz (viu que tosco?) e vejo um estacionamento cercado por um pequeno jardim, gramas e algumas árvores. Ao fundo vejo um pátio onde crianças estão brincando no playground. Também é possível ver a silhueta de uma quadra e uma pista de skate.

A escola tem uma pintura de crianças felizes em um lindo pomar na parede da frente.

Subindo dez degraus eu chego à porta do prédio de dois andares.

Adentro e vejo uma senhora na recepção. Ela é de meia idade, está usando o uniforme de funcionária da escola - que se trata de uma blusa azul clara com um emblema.

— Bom dia! Precisa de ajuda?

— Eu preciso encontrar a diretoria. Vim para me matricular.

— Ah sim. Aguarde um momento. — ela telefona para alguém antes de dizer — Pode entrar. A sala é no final do corredor.

— Obrigada. — Retribuo com um sorriso.

Entro por uma enorme porta de duas metades - jurava que isso era coisa de escolas norte-americanas – e avisto um longo corredor adiante e ao fim outra porta com duas metades.

Há algumas portas e nas paredes vários armários.

OK. Isso é uma tentativa de imitação de escola dos Estados Unidos!

Olhando para a esquerda e direita vejo corredores com o mesmo detalhe: algumas portas e vários armários.

Vejo algumas meninas conversando ao fim do corredor do lado direito. Elas riem despreocupadamente.

Patrícia, não se envolva em dramas adolescentes!

Ouço meu subconsciente me aconselhar.

Rio comigo mesma e sigo em frente.

Assim como a senhora da recepção me indicou, vou até o fim do corredor. Olho para o lado direito e vejo uma plaquinha: Conselheira (escrito também em braile e inglês). Já do lado esquerdo tem uma sinalizando "Secretaria/Diretoria".

Abro a porta e me deparo com uma sala retangular enorme. Há cerca de cinco guichês à frente. Ao fundo há outras quatro pessoas. Cada um está em sua mesa repleta de papéis - dentre outras coisas que não dá para distinguir - e um computador. Uma está falando ao telefone. Outra digitando agilmente. Uma terceira lendo algo e a última está rodopiando na cadeira giratória.

Sério, eu acreditaria facilmente que isso é um escritório de qualquer outra coisa.

Do lado esquerdo vejo outra porta. Nela há uma placa - um tanto exagerada - indicando que é a sala da diretora.

— Bom dia senhorita, está precisando de ajuda? — uma moça morena rechonchuda diz do guichê do meio me despertando do meu devaneio.

— Bom dia. Eu quero me matricular. Gostaria de saber sobre o valor da mensalidade e o que devo fazer para efetuar a matrícula?

— O valor de nossas mensalidades é de R$760,00. Como promoção de fim de ano, se você pagar à vista pelos três meses restantes ganhará um desconto de 20%. — ela calcula algo em uma calculadora — Ficará por R$1824,00. — oba, está dentro do meu orçamento — Você trouxe os papéis para transferência? — eu afirmo que sim e lhe entrego o envelope com os papéis que Joana me mandou, a moça analisa tudo antes de dizer — Vejo que você foi emancipada, não é mesmo?

— Sim.

— Vejo que está no terceiro ano do ensino médio. Por sorte temos uma vaga. Uma de nossas alunas foi fazer um intercâmbio no mês passado. Ela passará o resto do ano nos Estados Unidos. Enquanto eu processo seus dados, entre para ter uma palavrinha com a Senhorita Adams. Ela gosta de ter esse contato direto com os alunos. Ela vai lhe dar maiores informações sobre a escola, as regras e afins. — ela liga para a diretora, informa que irei entrar — Pode ir, senhorita.

— Tudo bem. Obrigada.

Levanto-me e vou até a sala da diretora.

Bato e em seguida a porta é aberta.

Ao entrar vejo uma sala extremamente organizada e caminhando até uma mesa, uma mulher incrivelmente bonita.

Cada passo dela esbanja sensualidade e elegância.

Eu estava esperando uma mulher baixinha de meia idade, mas a tal Senhorita Adams é um tremendo mulherão.

Ela está com o cabelo - longo, com luzes e ondas sutis - solto. Seu rosto é delicado, mas seu olho negro dá um ar de seriedade.

Ela é alta e esguia. Está usando uma saia preta que passa cerca de um palmo do joelho e um body branco – o que exibe seu corpo violão.

— Seu nome é Patrícia? — ela diz assim que se senta e lê algo no computador.

— Isso mesmo. Patrícia Valym. — Digo enquanto me sento em uma cadeira, muito aconchegante a propósito.

— Eu me chamo Molly Ferraz Adams. Trabalho nessa escola há cinco anos. Temos uma parceria com uma High School estadunidense. Então você verá algumas semelhanças. — ela me encara e entrelaça os dedos — As aulas começam as sete e termina meio-dia e meia. Você recebe seu horário com as disciplinas obrigatórias e terá que optar por dois dos clubes para completar a carga horária. Como já estamos no final do ano letivo deixarei você escolher apenas um clube. — ela olha para o computador novamente — Suas notas são excelentes. Creio que se adaptará rápido ao nosso ritmo. Pedirei aos professores para passarem um projeto extra, interdisciplinar, para suprir as notas dos trabalhos já concluídos. Alguma pergunta?

Estou perplexa com a quantidade de informações. Por mais que meus pais tenham condições financeiras favoráveis, eu sempre estudei em escola pública. Vejo que é tudo muito diferente aqui...

— Sou uma pessoa muito transparente e sincera. Não gosto de esconder as coisas e ficar mentindo. Eu vim para cá porque tive que sair de casa. Estou grávida de um mês. Eu fiquei bêbada em uma festa e um imbecil transou comigo. — faço uma pausa, me lembrar disso me dá enjoo — Meu pai é o Reginaldo Valym. Deputado Federal. Ter uma filha grávida na adolescência iria estragar a boa imagem dele e poderia impedir uma reeleição. Por isso achou melhor eu me desvincular da família. Por sorte os papéis de minha emancipação já saíram. Então, eu mesmo resolvo meus problemas. Peço que não comuniquem nada aos meus pais. E se possível, gostaria de discrição quanto minha paternidade. Eles não sabem para onde eu fui. Esperam que eu esteja o mais longe possível, mas não pude sumir assim do nada.

A mulher estreita os olhos e me observa. Confesso que fico um pouco desconfortável.

Só espero que ela não barre minha matrícula para não manchar a boa reputação da escola...

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