Três
Luísa
Precisei demitir o meu gerente. Depois de investigar umas falhas no sistema, o chamei para conversar e o vi se contradizer. Precisei ameaçar chamar a polícia para ele confessar que estava roubando, mas que foi por um motivo muito forte. Não quis saber o motivo, apenas pedi que dissesse tudo e ele acabou falando. Agora teria que analisar dois anos de papelada para finalizar o balanço anual, pessoalmente, pois Ângela exigia essa segurança.
Melinda me recebeu com carinho. Coloquei umas pastas numa bancada. Carlo estava logo atrás de mim com mais pastas.
— Oi, Carlo... tudo bem? — Melinda cumprimentou, simpática.
— Oi, tudo bem, sim e você?
— Ótima.
— Pode deixar tudo aqui, Carlo. Obrigada. Vamos almoçar e começar logo, que temos muito trabalho pela frente...
Ele entrou e colocou uma caixa com pastas no chão e se dirigiu à sala de jantar.
— O que houve, amor?
— Problemas. — Suspirei profundamente e a abracei. — Estou morrendo de fome.
Ela quis saber o motivo da minha preocupação, mas a tranquilizei. Contou o dia dela, que começara de madrugada. Ouvi atentamente enquanto almoçávamos.
Carlo era quase o melhor amigo dela pelo jeito que se falavam. Olhei para Dulce e ela sorriu e assentiu com os olhos.
— Esse cheiro é o que eu estou pensando, Dulce?
— Sim. Torta de morango...
Terminamos o almoço e já comecei o meu trabalho. Não queria adiar, mas queria ficar perto da Mel. Era sábado, ela tinha falado de sairmos, mas não tinha a menor possibilidade de sair com aquela montanha de trabalho.
— Posso ajudar em algo, amor?
— São apenas números, meu amor, você não vai entender o que estamos procurando.
— Se você me explicar, eu entendo... — insistiu sorrindo.
— Tudo bem, senta aqui...
O sistema do hotel estava aberto e mostrei a parte mais simples entre datas e valores e ela pegou uma pasta.
Carlo estava sentado no chão. Laptop ao lado e retirando pastas para analisar.
Depois de três horas de trabalho, vi Melinda bocejar pela sétima vez.
— Amor, vem cá... — chamei me levantando e a peguei pela mão indo para o quarto. — Descansa. Dorme um pouco. Eu termino isso daqui a pouco. Você ajudou muito. Obrigada. — Beijei-a com carinho e a vi deitar.
Saí e fechei a porta. Nunca me senti culpada por trabalhar tanto, mas agora parecia errado. Melinda estava se esforçando, estava até conversando com Dulce.
Olhei para Carlo, que estava concentrado e verifiquei quantas pastas restavam. Olhei a hora.
— Carlo, até às oito, ok? O que restar eu vejo amanhã...
— Tá bom, se precisar de mim amanhã, eu venho...
— Obrigada. — Sorri e voltei ao trabalho.
Depois de trabalhar até às oito da noite, fiz um alongamento. Carlo deitou no chão e ficou ali por uns minutos.
— Amanhã consigo terminar isso sozinha, Carlo. Vai descansar.
Quando ele saiu eu fui à cozinha e tomei um café. Dulce havia saído.
Tomei um banho rápido e fui acordar Melinda, que dormia profundamente.
— Meu amor...
— Hmm! Acabou?
— Por hoje, sim. Vamos jantar fora?
— Preguiça. Você não está cansada? Fiquei lá pouco tempo e quis morrer.
— Anda, deixa de preguiça. — instiguei puxando o lençol.
Ela demorou quarenta minutos para ficar pronta e saímos. A noite estava bem fria. Decidimos ir andando até o restaurante, que era perto do prédio. Andávamos abraçadas. Ela ainda segurava a minha mão com seus dedos entrelaçados nos meus sobre seu ombro. Entramos no restaurante e pude ver seus olhos felizes.
Depois de conversar sobre vários assuntos nossos, ela perguntou:
— E sua avó, como está?
— Está bem. Teve câncer, mas está se recuperando. Ia trazer para morar comigo, mas não pôde viajar por causa do tratamento e disse que não ia abandonar as irmãs.
— Você deve ter sofrido...
— Sim, mas ela está bem. Já tem alguma novidade sobre o atentado? — Mudei de assunto, não era momento para falar de coisa ruim ou começaria a chorar ali só de imaginar perder a minha avó.
— O detetive disse que estão investigando ainda, mas bem perto de um suspeito.
O celular dela tocou, ela arregalou os olhos ao ver quem ligava.
— Ângela? — indagou me avisando e atendeu: — Alô? Oi, Ângela...
Observei aquela cena em silêncio.
— Não sei se ele foi o mandante, mas me ligou me ameaçando, gritou comigo, esperneou. Cristiano é um babaca mimado.
Gostaria de poder sair e deixá-la conversar à vontade, mas apenas peguei meu celular, que estava no silencioso e verifiquei as mensagens.
— Isso é muito grave, Ângela! Você tem provas? — disse alto demais para o ambiente e a olhei, ela estava com a mão na boca enquanto ouvia. — Pergunta importante. Por que está me procurando para isso? A Neila tem muito mais visibilidade do que eu o meu site? — Ligou o viva-voz e ficou com o microfone do celular perto apenas da boca.
— Você foi vítima também. A Neila é visada demais e exigiriam provas imediatamente, envolve a emissora, o escândalo seria desnecessário. Com você podemos ganhar tempo. Só precisamos desestabilizar o senador. Essa denúncia que você vai fazer já está sendo investigada há muitos anos.
— Ok, eu faço. Estou sedenta para acabar com a pose daquele idiota e de quem estiver por trás dele.
— Perfeito. Prepara tudo que quando estiver tudo certo eu te aviso. Ninguém cruza o meu caminho dessa forma e fica impune.
— Eu sei bem disso... — disse sorrindo. — Até breve, Ângela.
Despediu-se e me olhou com a boca aberta exalando uma felicidade fora do comum.
— O que houve?
— A doutora Ângela Bueno Andrade Sanchez acabou de me passar uma notícia quentíssima. Vai chocar muito.
Eu apenas sorri meneando a cabeça. Ela pegou sua taça e tomou como se saboreasse aquele momento. Eu amava aquele jeito debochado dela. E fiquei feliz por saber daquilo. A Ângela não precisava da Melinda para isso. Ela tinha uma editora e poderia enviar aquela notícia para qualquer pessoa mais próxima. Estava sendo muito generosa até com a Melinda que foi bem mau-caráter com ela e a família.
Saímos do restaurante para voltar para casa da mesma forma. Entrelaçadas.
— Amor, tem algo em mim que você gostaria que eu mudasse?
— Não. Por que essa pergunta?
— Não quero mais cometer os antigos erros. Você é tão perfeita que não quero arriscar te perder.
Parei e a encarei. Segurei seu rosto com as duas mãos e a fiz me olhar.
— Eu te amo exatamente como é. Sobre os antigos erros, se você aprendeu com eles não vai repetir.
— Você mudou muito, sabia? — disse me abraçando pela cintura demonstrando sentir o frio ardente que estava fazendo.
Estávamos em frente à vitrine do Dom, um café que eu gostava muito. Senti um vento forte se aproximando e a puxei para dentro do local. Lá estava quentinho, mas ela não desgrudou um segundo sequer. O conforto do local nos mantinha lá por mais tempo do que planejávamos, principalmente em dias frios.
— Como assim, mudei muito? Do que está falando? — indaguei sentando no sofá e acenando discretamente para a atendente, que já me conhecia. Recebi a Mel nos meus braços, sentando ao meu lado.
— Se tirassem seu olhar e sorriso, em nada você lembraria aquela menina que conheci ouvindo Paula Fernandes na minha casa.
Eu soltei um riso de súbito e ela beijou meu pescoço, um pouco abaixo da orelha.
— Ok, mudei mesmo, mas essa mudança foi ruim para você?
— Claro que não. — disse me olhando com o olhar cheio de malícia. — Você está mais mulher, mais dona de si. Mais minha dona. — Baixou o tom de voz e se aproximou do meu ouvido já arrancando um arrepio antes de falar: — Mais gostosa, deliciosa. Meu Deus, vamos pra casa.
A atendente se aproximou com duas xícaras de café.
— Eu amo o café daqui. — falei para Melinda em português e olhei para a garçonete. — Gracias, Nina. Mejor café!
Nina se afastou sorrindo e vi Melinda pegar sua xícara.
— Ele tem que ser excepcional, porque chamei você pra transar e você preferiu tomar café. — disse em tom de brincadeira arrancando uma gargalhada contida minha.
Chegamos em casa quase uma da manhã, depois que saímos do banho juntas e saciadas, ela foi direto para o computador quando me viu exausta deitando na cama.
Acordei de manhã e ela ainda estava digitando no laptop. Dei um beijo nela e fui tomar banho. Desci para a academia e corri por quarenta minutos na esteira. Enquanto corro eu planejo o dia todo.
Se aquele irresponsável não tivesse feito essas merdas eu poderia passar o dia com minha namorada. — pensei cheia de raiva.
Tomei banho e preparei nosso café da manhã com a ajuda de Dulce, que mesmo de folga ficava à minha disposição. Eu ficava bem incomodada com aquilo, apesar de pagar suas horas excedentes, mas ela não tinha jeito.
Fui ao quarto e vi Melinda falando com Diogo pelo Skype.
— Tenta achar a Diana de Castro, por favor. Preciso entrevistá-la. Ela mora no interior de São Paulo, se precisar ir lá, me avisa, ok?
— Ok.
— Até breve, Diogo, obrigada.
Passou as mãos no rosto e respirou fundo. Beijei sua cabeça e chamei para tomar café.
— Estou morta. Preparei a matéria, quero um complemento com a filha do senador. Acredita que o desgraçado matou a própria esposa? — indagou enquanto íamos para a mesa.
— Ah, meu Deus! É capaz de qualquer coisa, então. Tem cuidado, por favor.
— Eu tenho, sim... — disse sorrindo e me beijando.
Dulce entrou pelos fundos. Mel rosnou com sua chegada e sentou já pegando café.
— Bom dia, Melinda.
— Bom dia... você não tem folga, Dulce? Essa mulher está te explorando?
Eu sorri, mas ela estava séria.
— Estou de folga... — respondeu sorrindo também.
— Já pensou em ter seu próprio apartamento? — perguntou com maldade em cada palavra.
— Eu tenho meu apartamento em Madri...
Fuzilei Melinda com os olhos.
— Quê? Ela não sai de casa... — disse visivelmente aborrecida e engoliu o café se levantando e saiu.
— Desculpa, Dulce... — pedi e deixei a sala.
∞
Música:
Mudei - Kell Smith
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