Quatro
Melinda
— Que ódio! — disse por entre os dentes quando entrei no quarto.
Luísa entrou logo depois e fechou a porta.
— O que foi isso? Você ficou louca?
— Por que está falando comigo desse jeito, Luísa?
— Você viu como tratou a Dulce? Para com isso, já pedi.
— Essa mulher não sai de casa. Hoje é domingo, ela está em casa... — falei articuladamente para ver se ela entendia.
— Ela mora nesta casa... — usou o mesmo tom. — E agora você também. Não seja maldosa.
— É isso? Você vai escolher a empregada?
— Não estou escolhendo ninguém, Melinda. Ela já estava aqui...
— Ah, entendi. A intrusa sou eu...
— Não falei isso, mas você sabe... — disse aborrecida e saiu batendo a porta.
Odiava com todas as minhas forças ser interrompida daquela forma. Odiava precisar me policiar dentro da minha própria casa.
Luísa se trancou no quarto de hóspedes e passou o dia trabalhando. Dormi por três horas e quando saí do quarto vi a puxa-saco sair de lá com uma bandeja. Evitou me encarar, dei duas batidas na porta e entrei ao ouvir sua permissão.
Ela estava falando ao celular em castelhano. O meu não era muito bom e não entendia se falassem rápido, era o que ela estava fazendo.
Esperei que desligasse e me aproximei, ela ligou para Carlo. Falou com ele também em castelhano e desligou soltando um urro ao largar o celular.
— O que houve?
— Problemas. Já resolvi. Você está bem? Já falou com a Dulce?
— O que é pra falar com ela?
— Ah, você não sabe... — disse cansada e começou a guardar as pastas.
— Sério, Luísa... não sei.
— Você deve um pedido de desculpa a ela. Você foi bem grosseira.
— Ah, não vou fazer isso. — garanti mencionando sair.
— Você quem sabe, Melinda.
— Que chatice desnecessária. — Saí de lá mais puta do que de manhã.
Luísa estava muito diferente. Nunca faria algo daquele tipo e agora isso. Defensora das domesticas. Por favor!
Carlo chegou e ela saiu junto com ele sem falar comigo. Liguei para Giselle da varanda. Como sempre, eu estava errada.
— Preciso mesmo procurar uma amiga nova, sabia?
— Procura. Sua doida. Você está aí há pouquíssimo tempo e já tá arrumando problema... — disse rindo.
— Não tô arrumando problema, só não gosto de me privar dentro da minha própria casa.
— Se priva porque quer, se a mulher se sentir incomodada com a agarração de vocês, ela que se mude ué. Você está arrumando um problema besta com a Luísa.
— E essa cara de quem estava na balada?
— É porque eu estava na balada...
— Você não vale nada, Gi. Cadê a Érica?
— Não sei dela... — respondeu e aquele ar feliz que mostrou quando atendeu se esvaiu.
— O que houve, Gi?
— Ah, não quero falar disso. Eu vou pra casa, depois nos falamos.
— Giselle não desliga sem me falar o que houve. O que aquela sonsa fez?
— Não fala assim, ela é ótima. Eu que não valho nada mesmo, Mel. Tchau... — disse entrando no carro e desligando.
— O que essa idiota aprontou?
Vi uma notificação de mensagem no Twitter e quando entrei, mais uma do Cristiano. Era o link de um clone do meu site.
— Desgraçado! — Printei a tela com a mensagem e a mantive segura.
Liguei para o idiota do meu irmão, que atendeu xingando por ser cedo demais.
— O que você quer, Mel?
— Um favor. Pago bem.
— É outra roubada? — perguntou com a voz rouca.
— Claro que sim, mas você não vai se envolver diretamente. Preciso que contrate três homens fortes para dar uma surra no Cristiano Gabeira.
— Aquele idiota anda te ferrando nas redes, vai te derrubar de vez.
— Não se você fizer tudo direito dessa vez.
— Ele me conhece, mas posso usar uma máscara de esqui, sei lá.
— Eu vou te pagar o dobro para você não fazer nada, Léo. É sério. Ele é bem perigoso, você viu que ele destruiu o meu carro e quase derrubou o prédio, né?
— É, eu soube. Mas como vou fazer isso sem fazer nada.
— Você vai entrar em contato com um amigo meu e entregar o que vou te enviar. Essas pessoas vão encenar e o que você conseguir vai finalizar o serviço. — avisei e enviei o documento.
Ele ficou em silêncio por uns minutos e perguntou:
— Peraí. Você quer que eles encenem isso aqui? Aquele otário vai adorar, Mel.
— Terminou de ler, amorzinho.
Ele ficou em silêncio e gritou:
— Caralho, Mel! Puta que pariu.
— Olha a boca suja. E então consegue?
— Claro, pô. Vai ser mole. E ninguém vai nem ficar sabendo porque jamais ele vai aceitar que saibam que ele apanhou do ex-namorado do cara que deu em cima dele.
Passei tudo o que o bobo do meu irmão precisava para colocar meu plano em prática.
Entrei no quarto e respirei fundo. Fui procurar a empregada. Procurei pelo apartamento inteiro e não encontrei. Ela escolhe a melhor hora para sair.
— Droga! — xinguei digitando mensagem para Luísa.
— A senhora quer almoçar agora?
— Ai, que susto!
— Desculpe, eu bati a porta, achei que tivesse ouvido.
— Não. Tudo bem. Eu to nervosa. Sobre o almoço, você está de folga, Dulce. Não quero explorar. — Usei um tom carregado de meiguice. Se Luísa queria que eu pedisse desculpa, eu teria que fazer aquilo ficar menos humilhante.
— Não é exploração, não. Luísa é ótima comigo. Quando preciso me ausentar não me preocupo, por isso fico à disposição. Luísa tem trabalhado demais. E depois não me custa nada cozinhar, lavar uma louça...
— Ah, então tudo bem... o que você fez hoje, Dulce? Você não está querendo me engordar, né? — brinquei e ela sorriu.
— Imagina. Você come tão pouquinho. Luísa é que não existe, não sei para onde vai tanta comida...
Rimos e lembrei que não sabia disso também. Raramente fazíamos refeições juntas ali.
— Dulce... — chamei e ela parou para me olhar. —, você já ouviu falar muito de mim pela Luísa, já a conhece bem pelo tempo que vivem juntas, mas eu estou me sentindo meio intrusa aqui. Ela ficou chateada por causa do que falei hoje de manhã...
Ela colocou uma tigela sobre a mesa ainda me encarando.
— Eu sempre morei sozinha, desde os vinte anos, então eu desacostumei a ter gente em casa. Quando ela prestava serviços de limpeza na minha casa ia duas vezes por semana apenas e no início eu a deixava lá e ia trabalhar e quando voltava ela já tinha ido embora, depois, como você sabe, começamos nosso relacionamento e éramos só nós duas. Não falei aquilo pra você por mal.
— Tudo bem.
— Não, Dulce. Você acabou de falar uma coisa que é meio inédita pra mim. Minha amiga disse que estou sendo egoísta. Na hora eu quis trocar de amiga, mas não sou burra. Não quero perder a Luísa. Ela é perfeita. É muito grata com todos que a ajudam e me ama sem exigir que eu mude nada, mas eu sei que preciso...
— A senhora pode me dizer o que não gosta que eu faça que eu paro, não quero problemas entre vocês.
— Você não precisa mudar nada. Desculpa o meu jeito, estou me adaptando ainda. E preciso conhecer de fato a Luísa e essa Luísa de agora também. Ela mudou muito...
— E segue mudando. Chegou aqui ainda muito medrosa. Por isso decidi acompanhá-la. É muito difícil pra mim, ficar longe da família.
Ela falou mais sobre ela enquanto eu comia e falei sobre mim, sobre a minha vida com a Luísa. Dulce gostava de falar. Devia estar na faixa dos quarenta. Cabelo preto, preso num coque tímido, típico de cozinheira.
— Ela é muito focada. Esse problema no hotel a desestabilizou completamente. Aquilo depende dela...
— O que você acha de eu ir buscar ela?
— Acho ótimo e ela vai adorar.
Decidi ir buscar a Luísa no hotel, tomei banho, me arrumei, e pedi um carro. Passei na frente de algumas lojas e observei tudo. Decidi expandir minha clientela. Procurei um curso de castelhano, começaria a estudar a língua.
Cheguei ao hotel e fui informada por Carlo, que Luísa estava em reunião com cliente. Decidi esperar. Quando ela saiu da sala toda sorridente ao lado de uma mulher muito bonita, meu rosto ferveu. Ela me ignorou e deu um aperto de mão demorado demais na mulher, que acariciou sua mão enquanto se despedia.
A mulher passou por Carlo sorrindo e acenou para mim saindo em seguida.
— Meu amor, que surpresa! Entra aqui. Estava quase saindo. Carlo, pode ir. Muito obrigada. — disse e segurou a porta para que eu entrasse.
Eu estava querendo matar alguém quando entrei. Joguei minha bolsa numa cadeira e a encarei. Ela me observava, altiva.
— Quem é essa mulher, Luísa? Por que estava aqui hoje? — perguntei sentindo o meu rosto pegando fogo, prestes a explodir e espirrar lava pelas paredes, piorou quando ela sorriu.
— Você está vermelha desse jeito de ciúme? — perguntou sorrindo se aproximando de mim.
— Não me toca. Responde...
— É uma cliente. — respondeu vagamente contornando sua mesa. — Veio aqui só pra isso?
— Hoje é domingo, sabia?
— Claro que sabia. E você sabe mais do que ninguém que para esse mundo não existe distinção de dia. Você está com ciúme dela?
— Aff!
Ela chegou perto de mim, sorrindo com aqueles olhos brilhando. E eu queria brigar, mas ela me abraçou. Segurou meu rosto para me beijar.
— Não precisa disso, meu amor. Só você me interessa.
— Ela é bonita. E você é linda...
— Não reparei na aparência dela. Só no dinheiro. — disse e riu. — Negócios! Amei te ver aqui, sabia? Sua chata.
— Chata é você! — retruquei e a beijei com carinho. — Saudade. Você resolveu brigar comigo hoje...
— Porque você resolveu destilar o seu veneno em quem não tem culpa de nada. — disse pegando sua bolsa e me segurando pela mão para sairmos.
— Tá, já falei com ela. — Passamos pela sala do Carlo e ele não estava mais lá. — Você mudou demais, não sei se me acostumo com essa nova você... a gente se dava tão bem, era tudo tão perfeito.
— Eu não mudei tanto. — falou apertando o andar da recepção. — Eu sei que é difícil lidar com você, mas somos um casal agora. Eu só era obrigada a ser daquele jeito, submissa, permissiva.
— Obrigada?
— Sim, eu era sua funcionária, apaixonada, mas sua subordinada. Era uma formiga.
— Arg! — rosnei sem raiva.
— Agora, por mais que eu conheça você e saiba como lidar com seu gênio forte, eu sinto que estamos começando do zero. Precisamos nos adaptar a nós mesmas.
Saímos do elevador e ela acenou sorrindo para uma moça que estava no balcão da recepção.
— Dulce conhece mais você do que eu. A gente conversou bastante.
— Obrigada. Dulce é ótima.
— Vou começar a estudar. Dominar essa ilha...
Ela riu e beijou minha cabeça enquanto esperávamos o carro.
— Fico feliz. Começa quando?
— Amanhã já vejo algo.
— Deixa para semana que vem, amanhã a noite preciso ir a Paris e quero que vá comigo. Vou precisar passar cinco dias lá.
— Ah, mas você está muito metida! — disse abraçando-a por baixo do sobretudo e ouvi seu riso.
Amava aquele riso. Aqueles olhos que brilhavam com facilidade. O manobrista se aproximou e entregou a chave do carro dela, nos acompanhou e abriu as portas para nós. Ela colocou sua bolsa no banco detrás e deu partida, saindo devagar.
— Para onde quer ir? Estou morrendo de fome. — avisou enquanto mexia na tela do computador de bordo.
Quando saímos das dependências do hotel notei que estávamos sendo seguidas por um carro de vidros escuros.
— Vamos pra casa. A gente come e fica agarradinha lá mesmo. Está muito frio. — disfarcei.
Podia não ser nada, só loucura da minha cabeça, mas podia, sim, ser coisa dos bandidos comparsas do Cristiano.
∞
Música:
No Sé Tú - Luis Miguel
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