Onze
Luísa
Passei a noite delirando de febre. Dulce não saiu do meu lado. Tenho certeza que não dormiu.
— Cadê a Melinda? Você não precisa ficar aí, Dulce.
— Daqui a pouco eu vou pro meu quarto, preciso só fazer essa febre baixar. Melinda tá no sofá, pensando na vida, talvez venha dormir daqui a pouco.
Mas ela não foi.
— Obrigada, Dulce!
Quando a febre diminuiu eu consegui dormir sem aquela agitação. Acordei cedo como sempre e pensei em tudo o que havia passado antes de a Melinda se mudar para minha casa.
Eu já lutei demais para superar aquele amor, já chorei demais por estar longe dela, já me odiei demais por ser fraca ao ponto de não conseguir arrancá-la de dentro de mim e não passaria mais por aquilo.
Não conhecia sua insegurança e ciúme excessivo porque ainda não vivi de fato nada com ela e teria que lidar com aquilo ou seria obrigada a viver sem ela.
Eu estava numa ótima fase no trabalho apesar dos problemas, mas com a cabeça preocupada pensando se a minha namorada está surtando por eu estar conversando com alguma cliente seria impossível manter aquela estabilidade.
Olhei a hora e faltavam vinte minutos para as sete. Fui ao banheiro e voltei para a cama. Verifiquei o celular e o larguei sem ânimo para responder naquela hora. Respirei profundamente.
Dulce sempre dava três batidas leves na porta, pedi que entrasse e a vi trazendo os remédios daquele horário e o café da manhã. Era o último dia de antibióticos, mas eu continuaria com os analgésicos, pois não era raro sentir dor.
— Bom dia, Luísa. Eu trouxe seu café da manhã, imaginei que precisasse de repouso.
— Obrigada. Cadê Melinda?
— Sofá. Eu sinto muito, Luísa.
— Não sinta. O Julian vem hoje as duas da tarde. — Mudei de assunto. — Preciso apenas ler uns contratos antes. Então, vou descansar um pouco.
Ela me ajudou a apoiar a minha perna na cama e saiu. Tomei café e coloquei a bandeja ao lado. Respondi as mensagens pendentes e avisei ao Carlo que estaria disponível depois do meio-dia.
Fechei os olhos e senti alguém entrar no quarto. Melinda entrou devagar. Tirou a bandeja da cama e se sentou ao meu lado.
— Onde dormiu?
Entrou embaixo da coberta e se aninhou em mim.
— Sofá. — disse apenas isso e beijou meu pescoço.
— Por que não veio pra cama?
— Você me expulsou.
— E vou expulsar sempre que for preciso. — disse e beijei sua cabeça apertando-a em mim.
— Me perdoa, amor!
— Não quero que nossa vida seja isso, Melinda. Sempre pedindo desculpa. Apreensiva. Depois que você saiu do escritório daquele jeito, precisei fazer uma força enorme para seguir com a reunião e conseguir finalmente a assinatura daquele contrato. E não quero passar por isso mais.
— Eu prometo que não vai acontecer de novo. — garantiu e se apoiou no cotovelo e me encarou.
— Como vai fazer isso? — desafiei em um tom mais ameno e olhando para ela de lado.
Ela fechou os olhos e os apertou com os dedos. Esperei e quando me olhou:
— Vou procurar uma psicóloga. — Arqueei as sobrancelhas. — Eu não aceito que posso ser amada de verdade, sem que façam comigo o que eu já fiz. Gi acha que preciso e vou procurar, ela sempre tem razão, né?
Eu sorri orgulhosa e a puxei pelo queixo, beijei seus lábios suavemente, senti gosto de café.
— Eu te amo! Obrigada pela decisão. Desculpa por ter falado daquele jeito. Eu fiquei muito decepcionada. Estava com raiva e falei.
— Tudo bem. Não quero mais brigar com você. Se acontecer algo parecido só me expulsa.
— Eu também não quero mais brigar e nem precisar expulsar você.
— E essa perna quando fica boa?
— O médico disse que em uma semana retiro o gesso e passo uns três meses fazendo fisioterapia. Você não tem aula hoje?
— Não, terei uma prova oral hoje à tarde. — disse e beijou meu pescoço. — Eu te amo, tá? Sou louca, mas amo você demais. Não vou jogar fora tudo o que passei para ficar com você. Só não gosto quando te vejo com mulheres bonitas.
— Vou falar para Mercedes que você surtou com a beleza dela.
— Você não é louca.
Eu ri e a apertei no abraço.
— Eu sou um pouco louca... — ameacei e a vi sorrir.
— Eu fujo.
— Te prendo aqui... — falei rindo e apertando o abraço.
Dulce bateu à porta como sempre e pedi que entrasse.
— Hum, estão de bem! Que bom...
— Acostume-se, Dulce. Duas mulheres têm dessas loucuras. — avisou saindo da cama e pegando o rosto de Dulce com as duas mãos e beijando sua testa antes de entrar no banheiro.
Eu estava paralisada olhando para Dulce que tinha o cenho franzido.
— O que houve?
— Não sei. Mas eu posso ter falado muitas verdades pra ela ontem.
— Ah! Obrigada...
Dulce perguntou sobre almoço e saiu. Melinda voltou do banheiro e dormimos até as onze da manhã. Tomamos banho juntas e fomos almoçar.
— Amor, vamos ver um filminho mais tarde? — sugeriu.
— Tá bom, escolhe um e eu escolho outro. Vou ler uns contratos e me reunir com um fornecedor e estarei livre.
— Eu vou fazer a prova e conversar com um possível cliente.
— Te espero.
Ela me beijou e saiu. Eu sabia que estava fazendo esforço. Era muito orgulhosa para mudar assim da água para o vinho.
— Como ficou o casamento?
— Em andamento. Fiquei bem chateada, Dulce. Se ela cancelasse, não aceitaria mais casar, devolveria até a aliança dela. Moraríamos assim.
— Vocês duas também, hein? Cada uma pior que a outra. — Começou a se afastar e aumentou o tom de voz para ser ouvida. — Merecem umas palmadas para deixarem de ser mimadas. Deus me livre...
Ri da bronca e peguei o tablet para ler os contratos. Recebi Julian, conversamos por meia hora e ele foi embora. Conversei com Rita também. Dormi.
Acordei assustada e olhei a hora, sete da noite. Peguei o celular e nem sinal da Melinda. Comecei a ficar preocupada. Enviei mensagem e não chegou para ela. Esperei por uns minutos e liguei, caiu direto na caixa postal.
Meia hora depois ela respondeu à mensagem, avisando que estava indo para casa.
— Oi, amor... desculpa, eu estava em reunião com um futuro cliente. — avisou ao chegar em casa.
Respirei fundo, fechei os olhos ao sentir um cheiro diferente na roupa dela.
— Por que desligou o telefone, Melinda?
— Eu estava em reunião, Luísa. Simples.
— Simples. Ok.
— O que está pensando?
— Nada. Vai tomar banho, vamos ver o filme...
— Não acredito.
— Eu é que não acredito. Mas tudo bem, já conversamos sobre isso.
Ela foi tomar e voltou meia hora depois. Eu explicava algumas coisas para Dulce, que fazia pipoca.
— Amor... — chamou e apenas me virei. — Vem cá...
Fui à sala e ela se sentou à minha frente.
— Desculpa. Não devia ter desligado celular e devia ter avisado que talvez pudesse demorar.
— O que aconteceu?
— Eu consegui um ótimo patrocínio. Vou ser garota propaganda da empresa de um casal, que se reuniu comigo hoje. E... eu fui... você sabe.
— Não precisa dizer mais nada!
∞
Olhos Negros - Nana Caymmi & Emílio Santiago
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