Oito
Melinda
Pode me chamar de paranoica, talvez eu tenha mesmo ficado depois de todos aqueles acontecimentos. Não comentei nada com a Luísa sobre o que aconteceu no corredor. Mas falei com a Dulce e ela me apoiou. Então nos revezamos no hospital. Luísa dizia que era bobagem, que estava segura ali, mas eu não aceitei.
— Você não entende nada dessas coisas, amor. Eu cuido de nós. Fica boa logo e vamos embora daqui.
Preparei tudo para ir buscar a Luísa no hospital, depois de passar quatro dias internada. Precisaria de cadeira de rodas, mas poderíamos voltar para Las Palmas.
Dulce comprou passagens para o dia seguinte. Naquele dia ficamos nós duas mimando Luísa e brigando com ela porque queria trabalhar.
— Quando foi que vocês se tornaram cúmplices, hein? — perguntou irritada quando peguei seu celular e entreguei para Dulce colocar longe da cama.
— Você precisa descansar, amor.
— É, Luísa, se não repousar não ficará bem logo e não voltará a trabalhar logo também. Então, é pro seu bem. — disse e deixou o quarto.
— Tá...
Léo estava me mantendo informada sobre o plano contra Cristiano.
— Amanhã o Montanha entra em ação.
— Não mata, mas quebra bem. Quebra todos os dentes, as pernas, arrebenta esse desgraçado. Ele vive no armário, nunca vai denunciar uma coisa dessas e sair na mídia que estava numa boate LGBT.
— Se rolar denúncia, o Montanha tem parças na polícia e não fica preso, nem entrega ninguém também. É profissional.
— Ok. Agora destrua o seu celular.
— O quê?
— Agora, Léo! Estou pagando muito bem, é o mínimo que você pode fazer.
— Tá bom.
Claro que fiquei morrendo de medo de tudo dar errado e eu acabar me ferrando de novo e por causa daquele projeto de bandido do Cristiano.
Passava de uma da tarde quando chegamos a Las Palmas no dia seguinte.
— Dulce, prepara um jantar especial pra gente.
— Por que especial, Melinda?
— Comemorar, amor. Você está bem, está em casa. Merece, né?
— Tudo bem. — Ela aceitou e pegou o controle da TV.
Sim, a Dulce era minha cúmplice. Comentei com ela antes de ir buscar Luísa no hospital e ela vibrou de felicidade. Perguntou se eu queria que ela nos deixasse sozinhas.
— Não, doida. — disse e ri. — Ela está se recuperando, infelizmente, não vamos poder fazer nada.
Dulce preparou nossos pratos prediletos e cuidei da decoração. Comprei rosas. Escolhi os utensílios. Coloquei microfones em lugares estratégicos e preparei o suporte para colocar câmera para gravar. Eu estava radiante.
Ajudei-a a tomar banho. Fiquei bem tensa quando a vi fazer careta sentindo dores, mas consegui ajudar no banho. Escolhi sua roupa.
— Pega algo mais confortável, amor. Só vou jantar e voltar pra cama. — protestou, mas insisti, afinal eu a queria bem linda no vídeo.
— Estamos comemorando, Luísa. Para de chatice. — Coloquei-a na cadeira e fui tomar banho.
Quando saí do banheiro, ela não estava no quarto. Me arrumei rapidamente e peguei a caixinha da joia, coloquei no bolso e saí.
— Vocês vão acabar voltando, Dulce. Tenho certeza... — ouvi conversando com Dulce.
— Ah, não quero, não.
— Não sente mais nada?
— Não. — respondeu e me olhou sorrindo. — Eu sou o tipo de pessoa que se livra totalmente da pessoa quando acaba relacionamento. Ele andou aprontando demais e decidi me livrar. Agora está voltando com conversa de casar e eu já me desintoxiquei dele, sabe?
— Entendi.
— Estão fofocando sobre o ex da Dulce? Adoro, quero participar.
Luísa beijou a minha mão.
— Quando aparecer outra pessoa, vou estar inteira de novo, não quero saber de problema do passado.
— Maravilhosa! — Elogiou sorrindo. — Estou com fome, vamos jantar? Come com a gente, Dulce.
Jantamos as três, conversando sobre o ex-boy da Dulce, que demonstrou maturidade até ao lidar com nossas brincadeiras.
— Somos duas idiotas, Dulce. Desculpa. — avisou e pegou sua taça de suco, pois não podia ingerir álcool. — Bom, quero aproveitar que estamos as três aqui...
— Também quero fazer discurso.
— Discurso? — perguntou sorrindo.
— Não é bem um discurso. — avisei e beijei seus lábios suavemente.
— Tá bom. — Ela concordou e colocou a taça sobre a mesa.
Eu estava muito nervosa, resolvi pedir naquele momento e falaria algo depois.
Senti meu coração acelerado quando retirei as alianças de dentro da caixinha, sem que ela visse.
Quando levantei o rosto eu vi o seu olhar molhado e sorriso quase congelado e disse sem respirar.
— Quer casar comigo?
Dulce gritou e depois se conteve com as duas mãos na boca. Olhamos para ela e me dei conta de que Luísa estava com alianças também.
O riso dela era repleto de lágrimas e não me contive.
— Ah, meu Deus! — falamos juntas novamente.
— É bom pararem ou vão trocar de corpo, hein? — Dulce brincou e olhei para Luísa.
— Estou planejando isso há dias, mas aconteceram tantas coisas que... — confessou me olhando nos olhos com aquele sorriso lindo.
— Eu me aproveitei da sua ida ao escritório e comprei.
— Eu não fui ao escritório. — Riu. — Eu fui comprar as alianças. — disse e segurou a minha mão gelada e trêmula.
Notei que chorava também. Meu coração estava prestes a sair pela boca.
— Ninguém respondeu até agora. — Dulce nos tirou daquele transe.
Eu coloquei a minha e ela colocou a dela, depois aceitei a dela e ela aceitou a minha.
— Eu te amo!
— Também te amo, amor! Muito!
Um beijo selou nosso noivado. Algo um pouco antiquado, até meio brega, sei lá. Mas amar é brega!
E eu estava muito feliz. Luísa se recuperaria logo. E marcaríamos a nossa data.
Falamos com a Gi, ela ficou feliz e brindou com a gente, com vinho. Giselle estava completamente depressiva e se afogava em vinho. E não quis falar sobre o que houve entre ela e Érica.
— Ah, Mel, hoje é um dia feliz. Depois conversamos. Cuida da Luísa, ela tá assim por tua culpa, sua abestada.
Luísa sorriu e me beijou no rosto quando me viu protestar.
— Cuida da tua vida, Gi. Boba. Para de jogar esse videogame, vai atrás da Érica.
— Ela tá pegando uma tarada, mas eu sou louca, sabe?
Achei aquilo estranho, mas ela mudou de assunto e disse que precisava jogar.
— Parabéns pelo noivado. Amo vocês. Até mais.
Olhei para Luísa em busca de apoio e ela apenas sorriu.
— Gi é assim, amor. Deixa que ela decida a hora de contar. Não força. Eu preciso dormir.
Dulce me ajudou a colocar Luísa na cama depois de administrar os medicamentos dela.
Deitei ao lado da minha noiva, fiz um cafuné nela enquanto contava meus planos para nosso casamento. Falei até de filhos.
— Amor, você não vai cuidar de uma criança.
— Por que pensa isso de mim? Me acha incapaz de cuidar de um bebê?
— Bebê? — Riu e me beijou. — Achei que ia preferir adotar uma criança grandinha.
— E se ela me odiar? Um bebê seria obrigado a me amar.
— Para com essa insegurança, meu amor. Ninguém é obrigado a nada. Muitas crianças depois dos cinco anos de idade enfrentam dificuldade para serem adotadas.
— Então nosso filho chegará pronto já... — anotei no celular numa lista. — Sem noites em claro, sem fraldas.
— Falando assim você parece um monstro, amor. Para. Se quer um bebê podemos ter um bebê. Vai ficar linda barrigudinha... — falou e passou a mão na minha barriga.
— O quê?
— Esse sim vai ser obrigado a te amar. Assim como eu, como a Gi. — Puxou meu rosto de olhos fechados e me beijou. — Você é muito boba, amor. Para com essa insegurança. A Ângela adotou três crianças. Só o Felipe foi recém-nascido.
— Ah, a Ângela. Sua ídola!
— Sim, minha grande referência.
— Não vamos pensar nisso agora. Afinal nem nos casamos ainda, né? — Ela estava sonolenta e saí da cama. — Já volto.
Entrei no banheiro e respirei profundamente. Passei uns segundos lá e quando voltei à cama ela estava dormindo profundamente.
Ela não me admirava. Como vou me casar com alguém assim? Que droga!
Deitei ao lado dela e fiquei pensando na minha vida por longo tempo. Tudo o que passei da escola até aquele momento. Nunca fui alvo de brincadeiras de mau gosto, eu fazia as brincadeiras horríveis e criminosas.
Sou horrível! A Luísa não me conhece, se me conhecer se afasta de mim. — pensei em lágrimas.
Resolvi sair do quarto para não a incomodar. A casa estava escura e silenciosa. Fiquei no sofá, no escuro. Olhei para a minha mão e observei as duas alianças. Acariciei-as com o polegar na parte de baixo do dedo. Acabei adormecendo ali mesmo.
Acordei quase cinco da manhã com uma notificação de mensagem no meu celular. Voltei para o quarto, não queria que Luísa acordasse e não me visse ali. Eu ainda estava me sentindo horrível e fiquei pior quando abri a mensagem de um número desconhecido e vi fotos do Cristiano todo arrebentado. Irreconhecível.
— Deu tudo certo, maninha! Ele está no hospital e não abriu o bico sobre a origem da surra, disse no Twitter que sofreu um acidente.
— Ok. Agora esquece isso. — disse e saí do aplicativo me sentindo ótima.
Eu tinha sérios problemas! Dormi ao lado da Luísa completamente extasiada.
∞
Música:
Ainda Bem - Vanessa da Mata
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