Doze
Melinda
— Amor, por favor, não pensa besteira. Não aconteceu nada, só fui um pouco gentil com eles. Se você quiser eu recuso o patrocínio...
— Claro que não vou fazer isso, Melinda. Só me respeita, ok? Não quero saber o grau de gentileza sua com seus clientes, só exijo respeito, é o mínimo. — disse, aborrecida.
— Olha pra mim...
Ela me encarou, séria, e cheguei perto da cadeira.
— Eu te amo, jamais vou fazer algo que te magoe. Confia em mim. Eu flerto, mas não vou adiante.
Ela passou a mão nos cabelos e coçou a cabeça.
— Tudo bem. Chega disso. — pediu com os olhos marejados.
Dulce entrou na sala com a tigela enorme de pipoca e cortou aquele clima tenso.
Vimos uma comédia. Eu amava a risada da Luísa acompanhada de lágrimas, mas me diverti muito com a da Dulce. No segundo filme, Luísa dormiu no meu colo.
Eu sempre usei a sedução para conseguir coisas na vida e ali não seria diferente, mas agora eu tinha a Luísa e me sentia mal só de pensar em perder a confiança dela. Então jamais saberia que beijei o cliente.
Fechei o contrato, assinamos no dia seguinte e fui convidada para almoçar com o dono da empresa. Avisei que tinha compromisso, mas iria, sim, almoçar com ele em outro dia, se me assediasse, eu apenas faria a sonsa ofendida.
Fui a minha primeira consulta com Lilian, a psicóloga, e já ouvi o que venho ouvindo da Giselle há meses. Mas ela tinha outros pontos de vista, conselhos, recomendações profissionalmente. Foi ótimo.
Luísa retirou o gesso da perna e passou a usar a bota ortopédica. As fraturas foram bem graves. Fazia fisioterapia em casa. Eu observei algumas vezes, aquela mulher de branco pegando na perna da minha noiva, mas notei seu profissionalismo e relaxei. A doutora Lilian disse que esse ciúme vai sempre existir, eu só tenho que aprender a moderar e não o deixar atrapalhar minha vida. E que é reflexo das minhas ações. Eu repasso para Luísa o que eu faço.
Dulce foi passar um fim de semana com a família em Madri e eu tive que ir para a cozinha, pois Luísa não quis pedir comida.
— É comida congelada, Melinda, só precisa aquecer. Toma vergonha nessa cara... — disse depois dos meus protestos, mas sobrevivi.
— Custa pedir comida?
— Dulce deixou comida pronta. Para que pedir?
Ela andava de muletas, já conseguia ir até o escritório do Rei Plaza assim. Passava pouco tempo, mas ia. Cuidava dos preparativos da nossa festa de casamento junto comigo.
Eu quis morrer de vergonha quando ela levou Mercedes em casa e a mulher sorriu para mim com um olhar meio enigmático.
— Ficou louca quando nos viu de mãos dadas... — Luísa disse para a mulher, que sorria me olhando, e eu só queria entrar no chão e nunca mais sair.
— Obrigada. Fiquei lisonjeada vindo de alguém como você. A Luísa é a filha que não pude ter, por isso mantenho essa proximidade.
— Ela é uma boba, você não gostaria de ser mãe dela. — brinquei e a cumprimentei, mas fuzilei Luísa com os olhos.
Faltavam apenas cinco dias para o nosso casamento e eu estava cada vez mais apreensiva. Estava enlouquecendo Giselle.
— Não precisa, Melinda. Eu já disse que vou. Jamais faltaria ao casamento de vocês. Só que é impossível passar duas semanas aí como você quer.
— Quero que você chegue antes, Gi. Por favor.
— Eu chego aí depois de amanhã, ok? Se calma que vai dar tudo certo.
— Se a Luísa desistir de casar, você promete que me tira daqui?
— Prometo. E te trago pra morar comigo até se recuperar do fora, tá bom?
— Tá bom. — Eu disse com um falso alívio e rimos.
Eu ria, mas estava prestes a surtar. Luísa era tranquila, parecia que para ela tanto fazia. E aquilo me deixava tensa.
Giselle chegou dois dias antes. Deixei-a dormindo no hotel e fui para a consulta com a psicóloga.
— Você está canalizando as tensões nesse momento. O nervosismo é natural, mas você está beirando o desespero. — doutora Lilian disse calmamente para mim, naquela sessão. — Faz uma meditação, conversa com sua noiva. Você disse que a vida de vocês está corrida por causa dos trabalhos e preparativos da festa, então escolha um momento do dia e se dedique a ela.
— Ela foi para Londres, volta amanhã, mas vou fazer isso, sim. Falta muito pouco para finalizar tudo e vou ficar o dia inteiro com ela. O que sugere que eu faça, doutora?
— Procure relaxar, abra um vinho, dance com ela. Conversem, sem um assunto específico. Vocês precisam se conhecer de fato. Você não tem que pedir sugestão do que fazer com sua noiva a terceiros, Melinda.
— Eu sei, mas estou muito pilhada. Obrigada.
Preparei tudo para receber Luísa, o jantar estava perfeito. Decorei o apartamento com flores. Preparei um banho de banheira para ela, pois chegaria cansada. Ela ainda andava com o apoio de uma muleta. Aquele maldito quase a deixou para sempre na cadeira de rodas. Eu fiquei furiosa quando o Toledo avisou que não tinha como ligar o atentado na França a ele mesmo depois de suas ameaças, mas vibrei quando vi a quadrilha da família dele ruindo.
Luísa chegou e a ajudei com a mala, a recebi com beijos carinhosos. Ela sorriu ao ver a casa decorada e iluminada pelas velas.
— Está mal-intencionada, dona Melinda?
— Levemente! — respondi sorrindo e a beijei demonstrando meu desejo e saudade dela naquele ato. — Queria fazer uma surpresa romântica. Dulce e doutora Lilian me ajudaram...
— Hum! Adorei! Que saudade de você, amor! — disse e me beijou. — E cadê a Dulce?
— Subornei para que saísse.
— O quê? — Riu.
— Sim. Ela ganhou um vale-night em um ótimo hotel daqui, ofereci até um boy, mas recusou.
— Você é terrível. — Riu e me apertou no abraço. — Preciso tomar um banho rapidinho, estou morrendo de fome, mas desgrudar de você será bem difícil. — disse na minha boca e me beijou com força.
Levei-a para o banho e entrei na banheira junto com ela. Fizemos amor ali várias vezes antes de ir jantar.
O jantar foi maravilhoso. As músicas que ela mais gostava tocavam baixinho como sempre fazíamos quando estávamos juntas. Ela não economizou elogios. Brindamos a nós. Quando terminamos o jantar, eu coloquei uma música especial e a puxei pela mão, levei para o centro da sala.
Eu sabia de sua limitação ainda para ficar de pé sem apoio e apenas fingimos dançar enquanto nos beijávamos.
— Eu te amo tanto, sabia? — sussurrou com a testa colada na minha. — Estou tão nervosa que acho que vou precisar de um calmante para chegar viva amanhã na cerimônia. — confessou e a apertei no abraço.
Ela me puxou para o sofá e segurou as minhas mãos olhando nos meus olhos.
— Mel, eu sei da sua gentileza para conseguir o tal cliente. — Eu fiquei muda e prendi a respiração, arregalei os olhos. Imediatamente senti minha garganta secar.
— Eu... — gaguejei.
— Olha só. Eu conheço você. Conheço seus métodos. — disse com lágrimas nos olhos.
Eu estava gelada naquele momento. Comecei a ofegar, pensei que fosse ter um troço.
— Eu vou 'perdoar' porque amo você e porque você está chegando agora, mas não aceito mais isso e não adianta você achar que eu não vou saber, porque eu vou ficar sabendo cedo ou tarde. Não adianta você me dizer que só flerta. Apesar de não precisar de nada disso, pois você é competente sem precisar esses artifícios, eu tenho plena consciência de que ninguém assina um contrato nessas condições 'ganhando' apenas um beijinho. Por favor, né? Não sou burra, Melinda. Eu sei que você não foi pra cama com ele, mas... — suspirou.
Engoli saliva. Desviei o olhar do dela.
— Enfim, esteja avisada, é a última vez que perdoo, ok?
Eu meneei a cabeça positivamente sem a menor coragem de encará-la. Meu rosto ardia. Meu coração estava preste a sair.
Quando senti a mão dela na minha cabeça me puxando para um beijo terno na testa, foi como abrir uma represa. Eu desabei. Chorei aos soluços. Pedi perdão e apenas a ouvi pedir para esquecermos aquele assunto.
∞
Luísa
Melinda foi para uma suíte do hotel com Giselle para se arrumar. Minha avó, que veio com a Ângela, estava comigo no meu apartamento junto com Danilo e Lucio, que me ajudavam. Ela estava calada. Eu compreendia aquela reação, afinal, passou a vida inteira abominando aquela forma de amor e agora estava prestes a presenciar o casamento da neta com uma mulher e a maioria dos convidados gays e lésbicas.
— Obrigada por ter vindo, vó. Sua presença é muito importante para mim. Eu sei o quão difícil é para você estar aqui.
— Tudo bem, minha filha. Estou feliz por te ver tão bem. Confesso que me preocupava, pois não acreditava que você morasse num lugar tão bonito, depois de tanto sofrimento, você merece. Eu sempre achei que gente como você era amaldiçoado por Deus, nunca teria nada de bom, e agora vejo você realizada, vejo a Ângela com a família grande, feliz; o Lucio casado e quieto também, não há maldição, né?
— Vó, Deus é muito bom para lidar com maldição. Ele só quer que os filhos sejam felizes, unidos sem fazer maldade com ninguém.
— Deus lhe abençoe, minha filha. Não gosto da Melinda, mas se você gosta. — Eu ri e beijei sua cabeça.
Estranho seria se você dissesse que gosta dela! — pensei sorrindo e vi a hora, precisava correr.
Minha avó estava sentada no sofá da sala assistindo TV quando saí do quarto, me olhou subitamente. Acho que estranhou o terno branco que eu usava. E depois de uns segundos, soltou a perola:
— Então você é o homem da relação? — indagou de cenho franzido.
— Não, vó. — respondi sorrindo e tocando seu rosto. — Somos duas mulheres, não existe homem.
Ela ainda esboçou um pedido de desculpa, mas ignorei. Não falou por mal, deve ter aprendido isso na vida também. Eu estava feliz demais para me aborrecer com aquilo.
Tocaram a campainha, Danilo atendeu e Fabí entrou junto com Hope.
— Vim buscar a outra noiva. Tia Melinda está quase desmaiando de nervosismo. — disse e suspirou.
Eu a abracei com força. Ela usava um terninho azul com uma camisa branca de seda. Fabí estava belíssima usando um vestido verde escuro colado no corpo.
— Que linda você, Hope! Maravilhosa. Obrigada por ter vindo, Fabí.
— Imagina! Hope quase me deixou doida quando viu Melinda nervosa.
Eu ri. Entreguei as alianças para Hope.
— Aqui estão. Vamos, gente...
Eu iria com Fabí e Hope. Lucio levaria minha avó, Dulce e Danilo.
Fabí avisou que estávamos saindo e em menos de dez minutos chegamos lá. O hotel estava perfeito. A empresa que cuidou da decoração fez um ótimo trabalho e Melinda conseguiu parte do serviço em permuta.
Eu comecei a me emocionar logo que vi o salão cheio de nossos amigos. A maioria dos dela eu não conhecia, mas se ela estava feliz me fazia feliz também. Ângela também usava terno, eu diria que copiou a Hope, pois estavam idênticas.
Entrei junto com minha avó usando uma bengala, pois ainda sentia dor na perna, e cumprimentei a juíza. Armando me entregou a filha dele já fazendo recomendações e a principal foi uma das mais difíceis. (risos)
— Tenha paciência com ela!
— Eu tenho. — respondi rindo de nervosismo e com lágrimas nos olhos quando olhei para minha futura esposa num belo vestido branco tomara-que-caia, de frente curta mostrando suas belas pernas e a parte detrás comprida cobrindo parte do chão perto dela.
Meu coração estava prestes a sair pela boca naquele momento. Os olhos dela estavam marejados por trás da maquiagem perfeita.
A juíza iniciou a cerimônia e seguimos o que pediu. Quando chegou a hora de falar os votos, ela pegou um papel todo amassado das mãos da Giselle, a madrinha, e começou a ler.
— Meu amor — começou com a voz embargada —, eu sempre fui egocêntrica, egoísta e orgulhosa, achava que essa coisa de amor que fazia as pessoas suspirarem, beberem e chorarem, não me atingiria. Eu me achava inabalável. Mas a vida jogou na minha cara que eu só estava guardando o meu coração vazio para sua chegada. E você chegou como uma brincadeira dela, pois era completamente o oposto do que estava acostumada a lidar.
Eu não conseguia controlar as lágrimas, sabia que aquilo estava sendo difícil para ela, pois precisou anotar. E eu estava me apaixonando mais a cada letra que saía de sua boca naquele momento.
— Sua determinação e garra, amor verdadeiro sem reservas, me fizeram enxergar a mulher incrível que você é. A mulher inteligente, imensa como profissional e como pessoa que se tornou para o resto do mundo, mas que já preenchia cada espacinho do meu coração desde o primeiro dia em que a vi. Seus olhos molhados, seu riso frouxo, sua teimosia, sua cumplicidade me fizeram ter mais certeza de que você é a mulher da minha vida. Eu te amo mais que amo escrever, mais que tudo. E ficou mais linda ainda de bengala.
Ri e quando a beijei senti seu rosto quente entre minhas mãos geladas de nervosismo. Peguei o microfone de suas mãos e comecei a falar os meus votos.
— Amor, eu só queria que você soubesse que me orgulho de cada evolução sua, mas amo cada momento desse tempo todo que passei amando você, era o que me movia, me impulsionava. Amo te encher de chocolate na sua TPM e depois ouvir você dizer que estou querendo te engordar. Amo quando acorda me mordendo ou quando vai dormir irritada. Amo suas idiossincrasias, suas opiniões, seu romantismo natural. Amo cada olhar que lança para mim de acordo com seu estado de espírito. Você era alguém inatingível para mim, mas era o meu maior desafio também. Você era a minha meta. Agora é minha esposa. Eu te amo mais que amo comer. — disse e ri do olhar arregalado que me lançou e se atirou nos meus braços.
Fomos aplaudidas por todos. Eu a beijei carinhosamente.
∞
Entrelaçadas fica por aqui. Mais sobre elas você lê em Amor e... Novos Dilemas.
Muito obrigada.
∞
Música:
Parece Que Foi Ontem – Bruna Karla
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