Capítulo 5

Passamos a noite em São Paulo, Rafael precisava descansar e eu precisava trabalhar. Antes que desse dez horas da noite, liguei pra minha vizinha, Kelly, queria que ela pudesse dormir com Sophia pelo menos por hoje, enquanto estava fora.

São Paulo era viva durante a noite. Me encontrei em um bar que estava quase vazio naquela noite. Um som ambiente suave preenchia os espaços entre as mesas, enquanto as luzes amareladas davam ao lugar um ar acolhedor. Eu estava sentado sozinho em uma das mesas próximas à parede, cercado por papéis espalhados sobre o tampo de madeira. Um copo de uísque, ainda pela metade, era meu único companheiro enquanto tentava colocar em ordem as ideias que surgiam sem parar.

Meus pensamentos estavam presos ao quebra-cabeça que parecia se formar: Gustavo, a Casa de São Sebastião, as crianças desaparecidas. Tudo girava em círculos na minha cabeça. As conexões ainda não faziam sentido, mas eu sabia que algo estava lá, esperando ser descoberto.

Estava tão concentrado que quase não percebi quando um homem se aproximou. Ele parecia estar em seus trinta e poucos anos, com cabelos bagunçados e uma expressão curiosa. Vestia uma camisa preta com as mangas dobradas até os cotovelos, exibindo um relógio de couro no pulso esquerdo. Ele carregava uma cerveja na mão e um sorriso no rosto.

— Posso? — ele perguntou, apontando para a cadeira vazia à minha frente.

Olhei para ele, surpreso por ser interrompido, mas assenti, fazendo um gesto para que se sentasse. Ele puxou a cadeira com uma facilidade descontraída, como se estivéssemos velhos amigos, e colocou a garrafa na mesa.

— Trabalhando, hein? — ele comentou, apontando para os papéis espalhados. — Lugar curioso para isso.

— Dá pra chamar assim. — Respondi, sem muita intenção de alongar o papo, mas ele parecia determinado a continuar.

— Você trabalha com o quê? Pesquisa? Jornalismo? Não que seja da minha conta, claro, mas achei interessante. Ver alguém trazer trabalho pra um bar não é tão comum assim.

Havia algo na forma como ele falava, uma mistura de curiosidade genuína e uma leve tentativa de flerte que não passou despercebida. Ele me analisava enquanto falava, como se tentasse decifrar quem eu era ou o que fazia ali.

— Publicidade. — Respondi, pegando um dos papéis como se fosse um escudo. — E você? Não parece alguém que se incomode em puxar conversa.

Ele riu, recostando-se na cadeira.

— Guilherme. E você está certo, eu não sou de ficar quieto. É que... sei lá, às vezes a gente só quer trocar uma ideia, sabe? Esse bar já viu de tudo, mas não muitas pessoas com cara de quem tá resolvendo um mistério. — Ele fez um gesto vago com a mão. — E qual é o mistério?

Eu hesitei, avaliando o quanto podia dizer.

— É só um trabalho meio complicado. Investigativo.

— Investigativo? Agora ficou interessante. Então você é tipo... detetive?

Eu ri, mais pela incredulidade do que pela graça.

— Não. Não exatamente. É mais... algo que caiu no meu colo. Uma daquelas coisas que você não tem como evitar se envolver.

— Sei como é. — Ele disse, balançando a cabeça com um sorriso pequeno. — Às vezes a gente não escolhe as histórias, né? Elas escolhem a gente.

Houve um momento de silêncio, e por um segundo, pensei que ele fosse se despedir e ir embora. Mas Guilherme permaneceu, observando os papéis por cima da borda do copo.

— Posso ser sincero? — Ele perguntou, a expressão séria pela primeira vez.

— Vai em frente.

— Você parece cansado. Não sei o que quer dizer com 'investigativo', mas... tá parecendo que isso tá te comendo vivo.

Eu o encarei, surpreso com a observação. Talvez ele tivesse razão.

— Talvez esteja. — Admiti, minha voz soando mais baixa do que pretendia.

— Bom, se precisar de um ouvido pra dividir isso, ou até outra cerveja, tô aqui. — Ele ergueu a garrafa como se fosse um brinde, antes de tomar um longo gole.

Não respondi de imediato. Guilherme era direto, mas não invasivo, o que, de certa forma, era um alívio. Talvez aquela conversa casual fosse o tipo de distração de que eu precisava.

A conversa no bar continuou por mais tempo do que eu esperava. Guilherme tinha uma energia fácil, quase magnética, que fazia com que fosse difícil querer encerrar aquilo. Ele sabia como fazer as perguntas certas e rir nos momentos certos, mantendo o equilíbrio perfeito entre curiosidade e leveza.

Quando a noite começou a esfriar e o bar foi ficando cada vez mais vazio, ele olhou para o relógio e depois para mim, inclinando-se levemente na mesa.

— Tá tarde, e você parece que precisa de uma pausa de verdade. Quer caminhar um pouco? Minha casa não é longe daqui.

Hesitei por um momento. Algo na forma como ele disse aquilo parecia ao mesmo tempo casual e cheio de intenções. Talvez fosse o jeito que ele me olhava, direto e sem rodeios, como se esperasse que eu entendesse a mensagem nas entrelinhas.

— Caminhar parece uma boa ideia. — Respondi, surpreendendo até a mim mesmo.

Peguei meus papéis, empilhei-os de forma desajeitada, e ele esperou pacientemente enquanto os guardava na mochila. Paguei a conta e saímos juntos na noite fria.

As ruas estavam tranquilas, iluminadas por postes esparsos. Caminhamos lado a lado, conversando sobre coisas triviais – os bares da cidade, músicas que ele gostava, a arquitetura dos prédios ao nosso redor. Guilherme era leve, mas havia uma firmeza na forma como mantinha o ritmo, guiando o caminho sem parecer apressado.

— É aqui. — Ele disse, parando em frente a um pequeno prédio de fachada simples, mas bem cuidada.

Subimos juntos. O som de nossas passadas ecoava na escadaria enquanto ele me conduzia ao terceiro andar. Quando chegamos, ele abriu a porta, e o calor que vinha de dentro nos envolveu imediatamente.

O apartamento era pequeno, mas aconchegante. Livros ocupavam uma estante quase até o teto, e uma guitarra repousava em um suporte no canto da sala. Havia uma manta jogada de forma descuidada no sofá, e a luz amarelada de um abajur dava ao ambiente um ar íntimo.

— Pode ficar à vontade. Vou pegar alguma coisa pra gente beber. — Disse ele, enquanto deixava a chave em um potinho na entrada.

Deixei minha mochila em uma cadeira próxima e me sentei no sofá. Guilherme voltou pouco depois, carregando duas garrafas de cerveja. Ele me entregou uma e sentou-se ao meu lado, mais perto do que eu esperava.

Por um momento, nenhum de nós falou. Apenas bebemos em silêncio, ouvindo o som distante da cidade entrando pela janela semiaberta. Então, sem aviso, Guilherme virou-se para mim.

— Sabe... eu não sou muito bom com sutilezas. — Ele disse, com um sorriso pequeno, mas intenso.

— Percebi. — Respondi, tentando parecer despreocupado, embora sentisse o coração acelerar um pouco.

— Então vou perguntar: isso aqui é só uma noite entre estranhos, ou você também tá sentindo alguma coisa?

Houve um silêncio que pareceu durar mais do que realmente foi. A verdade é que eu sentia. Guilherme tinha essa capacidade de me desarmar, de me fazer esquecer do caos que estava tentando resolver. E ali, no calor daquele apartamento, com o cheiro amadeirado do ambiente e a presença dele tão próxima, não parecia haver motivo para negar.

— Eu tô sentindo. — Admiti, minha voz quase um sussurro.

Guilherme não esperou mais. Ele se aproximou devagar, como se me desse uma última chance de recuar, mas quando percebeu que eu não faria isso, nossos lábios se encontraram.

O beijo começou suave, quase hesitante, mas rapidamente se intensificou. Ele tinha um jeito decidido, como quem sabia exatamente o que queria. Suas mãos subiram para o meu rosto, segurando-o com firmeza, enquanto eu sentia o calor do corpo dele se aproximar ainda mais.

— Posso continuar? — Ele murmurou contra minha boca, com a respiração pesada.

— Sim.

Naquela noite, o mundo lá fora desapareceu. Por algumas horas, tudo o que importava era o toque de Guilherme, a forma como ele me puxava para mais perto, e a maneira como ele fazia parecer que, mesmo no meio de tudo, eu ainda podia me permitir algo bom. Eu só queria que ele me fodesse!

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