Sombras do passado
Lili
A música estava alta, o que tornava difícil ouvir claramente as conversas ao nosso redor enquanto Kj nos guiava até um grupo no canto da sala. Ele parecia animado, apresentando-me com entusiasmo, o que me deixava cada vez mais desconfortável. Eu não sabia se o desconforto vinha do ambiente ou da sensação de estar sob o olhar de tantas pessoas que não conhecia.
– Gente, essa é a Lili, amiga e colega de quarto da Camila – Kj anunciou, gesticulando para o grupo.
Havia umas cinco pessoas ali, todas parecendo bem à vontade. Kj começou a apresentá-las uma a uma: um casal que parecia tão conectado que quase se esquecia do resto do mundo, um rapaz com cabelo cacheado que estava no sofá bebendo e rindo de algo que alguém havia dito, e, por último, ele.
Meu olhar caiu sobre um garoto que parecia tão deslocado quanto eu, mas de um jeito completamente oposto. Enquanto eu tentava passar despercebida, ele parecia querer que todos notassem sua presença, mesmo sem dizer uma palavra. Seu cabelo era negro, bagunçado, caindo levemente sobre sua testa. Ele usava uma camiseta preta justa, calças rasgadas e botas escuras, mas o que mais chamava atenção eram as tatuagens. Eram tantas que cobriam os dois braços, subindo pelo pescoço, como se cada uma contasse uma história.
Seu rosto tinha uma beleza marcante, mas havia algo de sombrio em seus olhos claros, que se destacavam sob as luzes. Um piercing brilhava em seu lábio inferior, enquanto outro adornava seu supercílio, dando-lhe uma aura de rebeldia quase teatral.
– Esse aqui é o Ash – Kj disse, apontando para ele.
Houve um momento de hesitação da minha parte, algo sobre ele me incomodava, mas eu não conseguia entender exatamente o que era. Balancei a cabeça em cumprimento, e ele finalmente me lançou um olhar rápido, os olhos claros brilhando de algo que não consegui decifrar.
– Prazer, Ash – murmurei, mantendo a compostura.
– Prazer é todo meu – disse, com um sorriso torto, que não parecia nem um pouco genuíno.
Sua voz era rouca, com uma leve arrogância que fazia cada palavra parecer carregada de sarcasmo. Ele me olhou de cima a baixo, não de forma vulgar, mas como se estivesse avaliando alguma coisa.
– Ash, seja legal – Camila comentou, revirando os olhos, percebendo o tom que ele usava.
– Eu estou sendo legal – ele respondeu, levantando uma sobrancelha.
Não tive tempo de responder porque Camila já estava me puxando para a cozinha.
– Ele sempre foi assim, não liga pra ele – ela disse, enquanto abria a geladeira e pegava uma garrafa de vinho barato. – Mas é gente boa, no fundo. Lá no fundo.
– Ele não parece tão gente boa assim – comentei, pegando um copo de plástico que ela me estendeu.
Camila deu de ombros.
– Ele tem um jeito meio irritante, mas juro que ele é inofensivo. Bem, na maioria das vezes.
Eu ri, mesmo sem achar muita graça. Algo em Ash – ou seja lá quem ele fosse – me deixou inquieta. Era como se ele carregasse algum tipo de peso, algo que o fazia parecer fora de lugar, mas ao mesmo tempo completamente no controle.
Voltamos para a sala, e o grupo agora estava mais descontraído. Camila sentou no sofá ao lado de Kj, enquanto eu me acomodei em uma poltrona próxima. Ash estava no mesmo lugar de antes, mas agora ele parecia mais relaxado, com os braços cruzados e um leve sorriso brincando em seus lábios.
Durante a conversa, ele me observava, como se esperasse o momento certo para falar algo. E, claro, ele não perdeu a chance.
– Então, Lili... – Ele começou, inclinando-se levemente para frente. – Stanford, hein? Você é uma daquelas meninas perfeitas que tiravam nota dez em tudo na escola?
– Isso importa? – Respondi, arqueando uma sobrancelha, tentando não me intimidar com o tom provocador.
Ash riu baixinho, balançando a cabeça.
– Não, só estou tentando entender o que te trouxe para uma festa como essa. Não parece muito seu estilo.
– E o que exatamente parece ser meu estilo? – Retruquei, cruzando os braços, já irritada com o tom sarcástico.
– Não sei... Livros, talvez? Uma xícara de chá em um sábado à noite? – Ele respondeu, olhando diretamente para mim, como se me desafiasse.
O grupo ao redor riu, mas eu não recuei.
– E você? – Perguntei, inclinando-me para frente. – O que te trouxe aqui? Deixar a banda de rock que ninguém conhece para fazer presença?
Dessa vez, todos riram mais alto, inclusive Ash, que pareceu genuinamente surpreso com a minha resposta.
– Toque certeiro, hein? – Ele disse, ainda rindo. – Talvez eu tenha te subestimado.
Eu não respondi, mas notei que ele me olhava com um interesse renovado, como se a pequena troca de farpas tivesse despertado algo. Apesar de irritante, havia algo nele que me fazia querer entender quem era aquele garoto cheio de mistérios.
A noite continuou, com risos e conversas leves. Mas toda vez que eu olhava para Ash, sentia aquela inquietação. Era como se ele estivesse escondendo algo. Algo que, sem que eu soubesse por quê, parecia familiar.
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