Meu lar

COLE/ASH

Por que eu não consigo ficar longe dela? É a pergunta que me faço desde o momento em que a vi de novo. Mas no fundo, eu sei a resposta. Sempre soube. Lili é meu lar. Sempre foi.

Eu achava que, ao me transformar em Ash, poderia enterrar Cole junto com tudo o que ele representava. Mas vê-la aqui, sorrindo e seguindo em frente com a vida que eu não fiz parte, é como arrancar uma cicatriz que eu pensei estar curada. A verdade é que nunca consegui realmente deixá-la.

Por isso, toda vez que penso em contar a verdade, algo me impede. Ela parece feliz agora. Está recomeçando, construindo algo para si mesma. Quem sou eu para trazer de volta as memórias de um passado que pode destruir tudo isso?

Mas a verdade pesa, e às vezes sinto que a única forma de seguir em frente é colocar tudo para fora. Não sei se seria justo com ela, mas acho que é hora de encarar o que aconteceu.

Tudo começou quando meu pai me deixou na casa do meu tio. Eu tinha apenas 14 anos. Ele disse que voltaria logo, mas nunca mais apareceu. Meu tio era um homem bom, e, apesar de seu jeito reservado, fez o possível para me dar uma vida decente. Ele me colocou em uma boa escola e tentou compensar a ausência que meu pai deixou.

Mas meu pai não desapareceu completamente. Ele enviava cartas toda semana, sempre curtas, mas carregadas de ameaças veladas. "Estou de olho. Se você tentar qualquer coisa, vai direto para o orfanato." Eu era apenas um garoto e não tinha coragem de desafiar isso.

Os anos passaram, e quando fiz 18 anos, finalmente me senti livre. Voltei correndo para Riverdale, desesperado para encontrar Lili. Eu sabia que, se havia alguma chance de recuperar o que eu perdi, seria com ela.

Mas ela não estava mais lá. Quando bati na porta de sua casa, uma mulher desconhecida me atendeu. Ela me disse que a família tinha se mudado um ano antes e me passou o número da mãe de Lili, Ammy.

Liguei para ela imediatamente, sem pensar duas vezes. Eu implorei para falar com Lili, mas Ammy foi firme. Disse que Lili estava bem, que finalmente havia me esquecido, estava feliz com o namorado novo e que a última coisa que ela precisava era que eu voltasse para assombrá-la com lembranças dolorosas.

"Se você realmente a ama, vai deixá-la em paz. Deixe-a ser feliz sem você."

Essas palavras me destruíram, mas eu sabia que ela tinha razão. Eu amava Lili mais do que tudo, e, se isso significava deixá-la seguir em frente, era o que eu faria.

Foi nesse momento que Cole morreu de vez, e Ash nasceu.

Ash não se apega. Ash não sente. Ash é apenas o reflexo do garoto que um dia existiu, escondendo as cicatrizes sob camadas de sarcasmo e desprezo.

Mas agora, ao vê-la de novo, tudo isso parece desmoronar. Cada palavra dela, cada olhar, cada pequeno gesto me lembram do que eu perdi. E por mais que eu tente, não consigo ficar longe.

Talvez eu seja egoísta. Talvez eu ainda seja o mesmo garoto que a amava e que, mesmo sabendo que o melhor seria deixá-la, não consegue fazer isso. Mas há uma pergunta que me atormenta mais do que todas as outras: quanto tempo vou conseguir manter essa mentira antes que tudo venha à tona?

...........

Eu não sei por que aceitei vir. Talvez porque Kj insistiu, ou talvez porque parte de mim queria vê-la novamente. Cada encontro com Lili era uma batalha interna, uma luta entre manter distância e me render ao desejo de estar perto dela, mesmo que isso me destruísse um pouco mais.

O café estava movimentado, mas nosso grupo já ocupava a maior mesa do lugar. Camila estava no centro de tudo, como sempre, falando sobre alguma. Lili estava sentada perto da janela, com um cappuccino entre as mãos, absorta em seus pensamentos por alguns instantes, até que Camila a puxou para a conversa.

Eu me sentei de frente para ela, porque, aparentemente, o universo adorava brincar comigo. Jordan estava ao meu lado, e Madelaine, sua namorada, ocupava o lugar ao lado de Lili. KJ, sempre animado, já havia pedido um milkshake de chocolate, mesmo com o frio lá fora.

– Ash, você parece perdido – disse Camila, me cutucando com o cotovelo. – Estava pensando em algo profundo ou só tentando lembrar como se faz amigos?

– Profundo, claro – retruquei, dando um gole no meu café. – Tipo, por que pessoas insistem em me arrastar para lugares barulhentos quando eu podia estar em casa, assistindo algo que não envolve interação social?

Isso arrancou algumas risadas, especialmente de KJ, que parecia achar graça em tudo.

– Ah, não, nada de ficar em casa, senhor "lobo solitário" – disse Camila, balançando a cabeça. – Você precisa interagir com pessoas reais, não só com seus livros ou o Netflix.

– É, Ash, tente se socializar um pouco – provocou Jordan, com um sorriso debochado.

– Não sei se estou pronto para essa montanha-russa emocional – respondi, olhando diretamente para Lili enquanto falava, só para ver sua reação.

Ela não riu como os outros. Só arqueou uma sobrancelha, parecendo indecisa entre se irritar ou ignorar meu comentário.

– Acho que o Ash só tem dificuldade em lidar com pessoas que o desafiam – disse Lili, finalmente, com um tom casual, mas havia algo afiado em sua voz.

Ela tinha razão, claro. Eu tinha dificuldades em lidar com pessoas como ela. Pessoas que, de alguma forma, conseguiam me desarmar sem nem tentar.

– Ou talvez eu só esteja poupando energia para as conversas que realmente importam – rebati, inclinando-me ligeiramente para frente.

Ela me olhou por um momento, como se estivesse avaliando o que dizer a seguir, mas antes que pudesse responder, Madelaine entrou na conversa.

– Ok, vocês dois, parem de brigar como se fossem crianças. Estamos aqui para relaxar, não para uma guerra fria.

Lili desviou o olhar e deu um gole em seu cappuccino, claramente encerrando o assunto. Por um segundo, senti um estranho alívio misturado com desapontamento.

– Vamos mudar de assunto, por favor – disse KJ, erguendo o milkshake como se estivesse brindando. – Alguém tem planos para o fim de semana?

– Sim! Festa na casa da Madelaine – respondeu Jordan, colocando o braço ao redor de Madelaine. – Espero que tenha música decente dessa vez.

– Música decente? Você só ouve rap dos anos 2000, Jordan – disse Madelaine, revirando os olhos.

– Ei, é clássico! – defendeu-se ele, fingindo indignação.

Enquanto todos discutiam sobre a playlist da festa, meu olhar voltou para Lili. Ela estava rindo das provocações de KJ, e aquele som me atingiu como sempre: uma mistura de dor e nostalgia.

"Por que eu simplesmente não consigo ficar longe de você?" pensei, sabendo muito bem a resposta.

– Ash? – A voz de Camila me tirou do transe.

– Hm?

– Está no mundo da lua de novo? – perguntou ela, estreitando os olhos.

– Só pensando em como sobrevivera  festa da mads– disse eu, voltando ao sarcasmo.

Mads evirou os olhos, mas antes que pudesse retrucar, Lili falou:

– Talvez seja mais fácil para você se distrair com algo divertido, Ash. Quem sabe você consiga sorrir um pouco?

O comentário dela pegou todos de surpresa, inclusive a mim. Os outros riram, mas havia algo no olhar dela que me fez sentir exposto, como se ela estivesse vendo algo além do meu exterior.

– Sorrir não é meu forte – respondi, meio que para mim mesmo, mas baixo o suficiente para que ela ouvisse.

Ela franziu a testa, mas não disse nada.

– De qualquer forma, vou te ver na festa, né, Ash? – disse KJ, mudando de assunto para me tirar da linha de fogo.

– Talvez. Ainda não decidi – respondi, me recostando na cadeira e olhando para o nada.

Fiquei em silêncio por um tempo, observando os outros com seus planos animados. Mas minha mente estava em outro lugar. Na festa de Madelaine, Lili estaria lá. E, por mais que eu tentasse evitar, era impossível não imaginar o que aconteceria se eu ficasse mais tempo perto dela.

Mas antes que meus pensamentos me dominassem novamente, senti uma leve pressão na minha garganta. Não podia deixar que ela me afetasse dessa forma. Então, sem pensar muito, me virei para ela e disse, tentando esconder o que estava sentindo:

– Sabe, Lili, é engraçado como você parece sempre tão... leve. Não é um pouco entediante? Sempre tão perfeita, tão... previsível. Aposto que nem sabe o que fazer com pessoas como eu, não é?

Ela me olhou, com os olhos quase desafiadores, mas não respondeu de imediato. Acho que estava esperando ver até onde eu ia. Mas a minha provocação surtia efeito, e eu podia ver a tensão se formando nela. Era isso que eu queria, certo? Manter ela longe, afastada, irritada o suficiente para que nada que eu sentisse transparecesse.

Madelaine e os outros continuaram com a conversa sobre a festa, mas eu estava fixado em Lili. Ela mexeu no cabelo e soltou uma risadinha baixa, como se estivesse me ignorando. Mas eu sabia que não era isso. Ela não podia me ignorar. Ninguém podia.

– Vai ou não vai à festa, Ash? – perguntou Jordan, me tirando da linha de fogo novamente.

– Já disse que ainda estou pensando – respondi sem muito interesse, mas sabia que, se fosse para estar em algum lugar, era ali, na mesma festa em que Lili estaria.

Ela continuou conversando com KJ, mas algo me dizia que eu não conseguiria afastá-la de mim tão facilmente. A festa seria mais do que apenas uma noite qualquer. Ela teria mais de mim do que eu gostaria, e talvez, ao me aproximar, eu fosse encontrar o que estava tentando desesperadamente evitar. Eu não sabia se isso era bom ou ruim, ma
s de alguma forma, eu já não queria mais fugir disso.

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