Gasparzinho?
Lili
A música continuava alta na sala, as conversas ecoavam como pano de fundo enquanto eu me esgueirava para a cozinha. Precisava de um momento para respirar, longe dos olhares e da energia intensa da festa. Peguei um copo limpo e abri a geladeira, procurando algo para beber. Optei por uma garrafa de água com gás, ignorando as bebidas alcoólicas espalhadas pela bancada.
Sentei-me no banco da bancada, descansando o copo entre as mãos enquanto tentava organizar meus pensamentos. Apesar de estar me esforçando para me enturmar, eu não conseguia me sentir completamente à vontade. Estar em um lugar tão diferente do meu cotidiano era... estranho.
Foi então que senti uma presença.
Olhei para o lado e lá estava ele, "Ash". Ele se aproximou casualmente, com aquela postura despretensiosa, mas que parecia carregar uma intenção oculta. Sentou-se no banco ao meu lado, apoiando os braços na bancada de forma relaxada, mas seus olhos não desviavam dos meus.
– Fuga da festa? – Ele perguntou, com um sorriso de canto.
– Só precisava de um minuto – respondi, tentando não demonstrar meu desconforto.
Ele inclinou a cabeça ligeiramente, como se estivesse analisando minhas palavras, ou talvez a mim.
– Entendo. Nem todo mundo nasceu para estar no meio do caos – disse ele, com um tom mais leve, mas ainda carregado de sarcasmo.
Eu revirei os olhos.
– Não é isso. Só... gosto de lugares mais tranquilos às vezes.
Ele riu, baixinho.
– Então Stanford foi uma escolha interessante para você. – Seus olhos, claros e intensos, pareciam penetrar qualquer barreira que eu tentasse erguer.
– E você? – Retruquei, virando-me para ele. – Parece confortável demais para alguém que não pertence a esse lugar.
– Talvez eu não pertença mesmo – respondeu ele, sua voz um pouco mais baixa, quase melancólica. – Mas às vezes, fingir que pertence é a única coisa que resta.
Fiquei surpresa com a resposta. Por um momento, ele deixou a fachada sarcástica de lado, revelando algo mais profundo. Mas, antes que eu pudesse pensar em algo para dizer, ele mudou de assunto.
– Então, Lili... – Ele começou, pronunciando meu nome com cuidado, quase como se saboreasse as sílabas. – O que te trouxe até aqui? Quero dizer, Stanford, festas, pessoas como... nós?
– Pessoas como vocês? – Repeti, cruzando os braços. – E o que isso significa?
– Significa que você parece... diferente
– Diferente? – Questionei, arqueando uma sobrancelha.
Ele me olhou por um momento, com aquele sorriso enigmático que parecia uma mistura de provocação e curiosidade.
– Diferente no sentido de... não estar completamente aqui. Como se uma parte sua estivesse em outro lugar.
Por um instante, suas palavras me desarmaram. Ele tinha razão, mas eu me recusei a admitir isso.
– E você? – Retruquei, tentando virar o jogo. – Parece que você se esforça muito para parecer que não se importa com nada.
Ele soltou uma risada curta, mas havia algo mais ali. Algo quase triste.
– Talvez porque não me importe mesmo – respondeu, apoiando o queixo na mão enquanto me observava. – Ou talvez eu me importe mais do que deveria.
Eu desviei o olhar, incomodada com a intensidade dos seus olhos. Havia algo nele que me deixava desconcertada, algo familiar que eu não conseguia identificar.
– Por que tantas perguntas sobre mim? – Perguntei, finalmente, tentando colocar uma barreira entre nós.
– Porque você me intriga – ele respondeu simplesmente.
– Me intriga? – Repeti, quase rindo. – Você nem me conhece.
Ele inclinou a cabeça, como se discordasse.
– Talvez eu conheça mais do que você imagina.
Aquilo me atingiu de um jeito estranho. Minha mente girava, tentando entender o que ele quis dizer com aquilo. A sensação de familiaridade que eu sentia em relação a ele voltou com força total, mas eu não conseguia encontrar uma explicação lógica.
– Você é bem estranho, sabia? – Falei, meio brincando, mas havia sinceridade na minha voz.
Ele riu de novo, um som rouco que parecia ecoar mais do que deveria naquele espaço pequeno.
– Talvez. Mas você ainda está aqui, não está?
Antes que eu pudesse responder, ele se levantou, pegando o copo vazio que havia trazido consigo.
– Foi bom conversar com você, Gasparzinho – disse ele, jogando o copo na lixeira antes de sair da cozinha.
Meu corpo congelou.
"Gasparzinho."
Aquele apelido que eu não ouvia há anos. Aquele apelido que só uma pessoa no mundo me chamava.
Meu coração começou a bater descompassado.
Não podia ser ele. Podia?
Meu coração parou por um instante quando ele disse isso, mas tentei disfarçar minha reação. Talvez eu tivesse ouvido errado.
– O que você disse? – Perguntei, minha voz saindo mais trêmula do que eu gostaria.
Ele parou na porta da cozinha e olhou para mim por cima do ombro, com aquele sorriso enigmático ainda estampado no rosto.
– Gasparzinho – repetiu, com a mesma calma desconcertante.
Meu peito apertou. Eu engoli em seco, tentando manter a compostura.
– Por que você me chamou assim? – Perguntei, quase em um sussurro.
Ele não respondeu de imediato. Em vez disso, apontou para algo atrás da minha orelha.
– Sua tatuagem – disse, com um tom casual, mas havia algo mais profundo em sua voz.
Instintivamente, minha mão foi até lá, onde eu sabia que estava o pequeno desenho de um fantasminha que havia feito anos atrás, num impulso. Eu quase me esquecera da existência dele.
Quando olhei de volta para ele, pronta para pressioná-lo, Ash – ou quem quer que ele fosse – já havia desaparecido.
Fiquei ali, sozinha, sentindo meu coração martelar no peito. As palavras dele ecoavam na minha mente, junto com aquela sensação inexplicável de familiaridade. Algo estava errado, e eu precisava descobrir o que era.
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