Estou indo embora, Gasparzinho
Lili
– Não vale, Cole! Você só joga forte assim pra eu errar! – gritei, enquanto tentava alcançar a bola que ele jogou com mais força do que devia.
Ele riu, aquele riso solto e despreocupado que era tão raro de se ver.
– Não é culpa minha se você tem mãos pequenas, Gasparzinho! – ele debochou, cruzando os braços e me olhando com aquele sorriso convencido.
Revirei os olhos, mas não consegui conter o riso. Momentos como aquele eram os que mais importavam para mim. Na quadra, debaixo do sol, jogando uma bola velha um para o outro e esquecendo o mundo por alguns minutos.
Cole parecia mais leve ali. Era como se o peso que ele carregava desaparecesse, e o garoto doce que eu sempre conheci voltasse à tona. Mas isso nunca durava muito.
O som de um carro velho estacionando perto da escola chamou minha atenção. Quando me virei, vi a expressão de Cole mudar completamente. O riso sumiu do rosto dele, e os ombros enrijeceram.
Era o pai dele.
Matthew desceu do carro com a mesma expressão dura de sempre, o rosto avermelhado e os olhos semicerrados. Ele parecia ainda pior do que o normal, o que não era um bom sinal.
– Cole! – a voz grave ecoou pela quadra, fazendo o coração acelerar no meu peito.
Cole deu um passo para trás, como se quisesse se afastar, mas não havia para onde ir.
– Pai... o que você está fazendo aqui? – ele perguntou, tentando soar firme, mas eu conhecia o suficiente para perceber o medo na voz dele.
Matthew não respondeu. Ele apenas caminhou até nós, ignorando completamente minha presença, e agarrou o braço de Cole com força.
– Vamos. Pra casa. Agora. – disse, apertando o punho dele de um jeito que me fez encolher.
– Solta ele! – gritei, correndo até os dois e tentando afastar Matthew de Cole.
– Não se mete, garota! – ele rosnou, me lançando um olhar que me fez congelar.
Cole me olhou por um instante, os olhos verdes misturados com azul carregando uma súplica silenciosa.
– Lili, não. Tá tudo bem. Só... fica aqui, tá? – ele disse, tentando manter a calma enquanto era puxado em direção ao carro velho.
Mas não estava nada bem. Nada disso estava bem.
Fiquei parada por um segundo, vendo Matthew arrastar Cole para dentro do carro e bater a porta com força. O motor roncou, e o carro começou a se afastar, levantando poeira enquanto ia embora.
Foi então que algo dentro de mim explodiu. Eu não podia deixar isso assim. Não podia deixar Cole sozinho com ele.
Corri até minha bicicleta, as mãos tremendo enquanto subia nela. Comecei a pedalar o mais rápido que pude, os olhos fixos no carro velho que desaparecia na estrada de terra.
Eu não sabia o que ia fazer quando chegasse lá, mas uma coisa era certa: eu não ia abandonar Cole. Não agora. Não nunca.
Meu coração estava em um frenesi enquanto pedalava em direção à casa de Cole. Quando cheguei, larguei minha bicicleta no quintal e corri para dentro de casa, pegando o telefone com mãos trêmulas. Com um tremor na voz, disquei o número da polícia.
– Emergência, qual é a sua ocorrência? – A voz do atendente parecia distante, mas eu sabia que precisava ser rápida.
– O pai dele, o pai do Cole... ele está fazendo algo. Está ameaçando ele! – Falei apressada, tentando não chorar enquanto explicava a situação.
– Qual o endereço? – O atendente pediu, e eu forneci o mais rápido que pude.
Assim que desliguei, corri até o meu quarto, abri a janela e gritei com todas as forças para a janela de seu quarto, que era de frente para a minha.
– Cole! Você está aí? Fala comigo!
O silêncio era pesado, mas logo comecei a ouvir barulhos abafados e o som de algo quebrando. O choro de Cole me cortou por dentro, e minha ansiedade aumentou a cada segundo que passava.
De repente, o som do motor do carro velho do pai dele me fez gelar por dentro. Eu sabia que Matthew estava chegando para fazer alguma coisa.
Corri para fora, atravessando o quintal em direção à casa dele. O carro estava estacionado, com o porta-malas aberto, e Matthew jogava as coisas de Cole para dentro. Eu sabia que não era normal. Nada ali parecia normal.
Entrei pela porta aberta, o coração batendo rápido demais.
– Cole? – Chamei, a voz fraca e apertada de medo.
A casa estava em silêncio, exceto pelo som abafado de algo se arrastando e, mais uma vez, o choro de Cole. Eu segui o som até o banheiro, onde a cena me fez parar por um momento, sem saber o que fazer.
Cole estava no chão, com o rosto pálido e os olhos fechados, e seu braço estava roxo, com marcas de hematomas que eu já sabia que não eram causados apenas pela violência física.
– Cole! – Corri até ele, ajoelhando ao seu lado.
Ele abriu os olhos devagar, os verdes misturados com azul parecendo ainda mais distantes do que antes.
– Gasparzinho... – Ele murmurou, a voz rouca e cheia de dor.
– O que aconteceu? Você está machucado! – Perguntei, as mãos tremendo enquanto tocava seu rosto.
Ele balançou a cabeça, com um suspiro profundo.
– Não importa. – Ele disse, desviando o olhar. – O pai... ele está em encrenca. Deve dinheiro para agiotas, e agora... Ele não tem mais escolha.
Minha garganta apertou. Eu sabia que a situação estava difícil, mas não sabia que tinha chegado a esse ponto.
– Ele... ele vai me mandar para o tio dele em uma cidade chamada Santa Rosa, eu nem sei onde fica. Eu não quero ir, Gasparzinho. Eu não quero... – A voz dele falhou, e ele tentou segurar as lágrimas.
Eu o olhei, sem saber o que dizer. Cada palavra dele era um golpe, e, ao mesmo tempo, um pedido desesperado.
– Você não pode ir. Não, Cole. Você não pode. Você prometeu pra mim que ia ser pra sempre. – Minha voz se quebrou, e eu segurava suas mãos com força. – Eu... eu não vou deixar. Vamos fugir. Vamos sair daqui, pra qualquer lugar!
Ele soltou um riso amargo, mas seus olhos estavam cheios de dor.
– Não dá, Gasparzinho. Ele já me ameaçou. Se eu não for, ele vai me colocar para adoção. Vai me mandar para um orfanato, ou para qualquer lugar, onde ninguém vai me procurar. – Cole respirou fundo, tentando manter a calma, mas eu podia ver o pânico nos olhos dele.
As palavras dele cortaram como uma faca.
– Ele... não pode fazer isso. Não pode. – Falei, com a voz embargada.
Cole olhou para mim com tristeza, e, pela primeira vez, parecia que ele estava aceitando aquilo, como se não houvesse outra saída.
– Eu não posso mudar isso, Gasparzinho. Não com ele. Eu sei o que ele é capaz de fazer. Eu... eu só não quero que você sofra por minha causa.
Fiquei sem palavras. Eu não podia acreditar no que estava acontecendo. Não podia imaginar a ideia de perder ele, de não vê-lo todos os dias, de não poder protegê-lo.
De repente, ouvi o som dos passos de Matthew se aproximando. Ele estava voltando.
– Vai, Lili. Sai daqui. – Cole disse, a voz apertada, com um tom de desespero.
– Não vou te deixar, Cole. Eu prometi que ia ficar com você. – Eu disse, mas ele balançou a cabeça com força, como se isso fosse um pedido.
– Você tem que ir. Por mim. – A voz dele estava quebrada, mas as palavras pareciam ser um pedido final.
Eu engoli a dor, as lágrimas que estavam prestes a cair, e me levantei.
Fui até a porta, e antes de sair, olhei para ele uma última vez.
– Não vou esquecer de você, Cole. Nunca. – Eu disse, com a voz firme, mas o coração despedaçado.
Quando saí da casa e corri para fora, vi o carro de Matthew já em movimento, e as sirenes da polícia ainda distante. Eu não sabia o que poderia fazer, mas, no fundo, sentia que havia perdido o maior pedaço de mim. E, talvez, ele também tivesse perdido.
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