Cinzas do passado

ASH

Eu estava jogado no sofá, tentando parecer distraído, mas meus olhos não desgrudavam dela. Lili. Ela ria de algo que alguém disse, e o som me atingia como um soco. Deus, ela ainda ria do mesmo jeito. Quase dava pra esquecer o quanto tudo mudou... quase.

A verdade é que, no instante em que a vi, eu soube. Não tinha como não reconhecer. Mesmo depois de todos esses anos, mesmo com todas as mudanças, era ela. A garota que eu mais amei. Que eu nunca esqueci.

Não que eu esperasse que ela me reconhecesse. Como poderia? Eu não sou mais o mesmo. Cole morreu no dia em que foi embora. Foi por isso que me tornei Ash. Um nome que grita quem eu sou agora – ou quem eu tento ser. Cinzas de alguém que já não existe mais.

Tingi o cabelo, que antes era castanho claro, pra esse preto que mal reconheço no espelho. Enchi a pele de tatuagens, um esforço deliberado pra apagar tudo o que eu costumava ser. Olhar pra mim agora é como olhar pra outra pessoa. Alguém que ela jamais poderia associar ao garoto que ela conheceu.

Mas não vou mentir. Eu ainda stalkeio as redes sociais dela de vez em quando. Só pra saber como ela está. Só pra lembrar que, apesar de tudo, ela seguiu em frente. Ver a forma como ela sorri nas fotos, como a vida parece tão cheia de luz pra ela, mesmo quando a minha foi consumida por sombras.

E agora ela está aqui, na mesma sala que eu, a poucos metros de distância. Sem fazer ideia de quem eu sou.

Foi por isso que a chamei de Gasparzinho mais cedo. Eu precisava ver se aquilo fazia algum eco na memória dela. Aquela era minha forma de dizer que, apesar de tudo, eu ainda lembrava. Do apelido bobo que dei pra ela no colégio, quando ela apareceu pela primeira vez com aquele vestido branco enorme que, na época, a fez parecer mais fantasma do que pessoa. Ela ficou brava, mas acabou rindo. Sempre acabava rindo comigo.

Quando as palavras saíram da minha boca ela congelou – O que você disse?

– Gasparzinho – respondi.

– Por que você me chamou assim? – ela ainda sente algo ao escutar esse apelido

Dei de ombros, fingindo indiferença e apontei pra sua tatuagem atrás da orelha, que era um pequeno fantasminha, o que significa que o apelido tambem significava algo pra ela.

– Sua tatuagem – disse isso e me afastei, não poderia ficar mais tempo perto dela.

Mas, olhando pra ela agora, parte de mim se pergunta se o Cole realmente morreu... ou se só ficou enterrado, esperando por um momento como esse.

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