Ratos de Balor ୧ ⎯

Naquela noite eu com certeza estava inspirada, príncipe canalha! Pelo menos alguém de sua comissão tinha consciência da audácia de suas palavras, o general do exército imperial Aibek imediatamente disciplinou vossa graça pela frase descuidada.

A porta da taverna de Voil abriu num único solavanco, tudo que eu precisava era liberar um pouco da raiva latente que percorria minhas veias, antes que meu alvo se tornasse o próprio Charon. Novamente eu cairia no ciclo de pensamentos que começava com as minhas mãos apertando seu pescoço pálido e terminava com o meu na mira da lâmina da guilhotina. Não muito saudável, e agradável de se pensar.

Caminhei com passos firmes, e naquela noite tive um certo cuidado extra em disfarçar minha voz com magia.

— Parece um pouco, agitado hoje Lipe — Voil comentou —, não achei que voltaria essa noite depois do que aconteceu ontem.

— Cobre a entrada.

O homem ergueu as mãos em sinal de rendição e estendeu a lista — Mesmo valor, quatro solis e pode descontar toda sua raiva em quem estiver lá embaixo. Apenas se lembre das regras, sem mortes.

Bati as moedas no balcão, assinei minha passagem e segui para a porta sem dar muita atenção ao choque mágico que atravessou meu corpo quando comecei a descer pelas escadas. Mantive-me afastada do grupo e próxima à parede, tendo uma visão geral do que acontecia com atenção, aguardei na lateral até que Dae se aproximou sorrateiramente.

— Depois de ontem resolvemos fazer diferente, o ganhador fica na arena o perdedor sai, você e o aruano tomaram tempo demais.

Se eu havia percebido desde o início que "Hakka" era da terra da lua, naturalmente outros também perceberam.

— Os boatos que estão correndo por aí é que ele é algum dos nobres... Sabe, peixe grande — o homem encostou o braço contra o meu dando um alerta em seguida —, tomaria cuidado se fosse você, tem ratos caçando por aí.

Ratos, assassinos mercenários, o pior dos piores que poderia se encontrar no continente. Cyr estava certo sobre seus palpites, como sempre. A carta avisando da chegada do príncipe foi interceptada na fronteira e o motivo? Inúmeras possibilidades, ele sendo da família real poderia ser uma recompensa, alguém querendo ficar rico. Porém, com a personalidade de Charon não me surpreenderia se só estivessem chateados com o príncipe, o suficiente a ponto de pagarem por sua morte.

Pelas minhas mãos ou de outra pessoa seria um enorme desastre, o rei merecia toda a dor de cabeça que viria com isso. Cyrus e os bons cidadãos do sol, definitivamente não.

Perdi um pouco da minha raiva do príncipe, não o suficiente para me impedir de dar alguns bons chutes na sua bunda se tivesse a oportunidade.

— Parece que as coisas estão animadas hoje novamente.

Virei o rosto rapidamente, quando penso que a situação não pode piorar, o próprio alvo aparece no covil. Como ele conseguiu sair do palácio? Aibek e Valet deveriam estar com guardas por todo o lugar depois do ocorrido na parte da tarde, será que ele tinha me visto saindo e resolveu seguir? Não podia ser tão burro assim.

— Não deveria estar aqui aruano — afirmei, minha voz quando alterada se assemelhava a de meu irmão.

— Ele fala — respondeu com sarcasmo —, já disseram que se parece com o príncipe Cyrus?

— Nunca — era uma mentira sempre diziam que eramos parecidos, exceto os cabelos —, deve ter um desejo de morte para pisar aqui de novo. Veio para mais uma revanche?

Mudei o assunto rapidamente.

O rapaz se encostou na parede ao meu lado assim como Dae fizera anteriormente, suspirando alto — Na verdade, estava mais curioso sobre você do que com vontade de lutar.

'Quer saber, risque o que eu disse sobre ser burro. Ele é.'

— Não existe nada para ser curioso, sou um ninguém.

— Um ninguém com movimentos de batalha tão precisos que pareciam uma dança mortal — sinto vontade de o agredir até virar uma polpa voltando ao meu set —, eu lutei com muitas pessoas em Aruna e nunca vi um soldado com golpes como os seus. Da onde você é?

Mesmo olhando fixamente para frente podia sentir a encarada que o príncipe me direcionava.

— Se o ponto fosse revelar minha identidade não usaria uma capa — rebati e teria continuado se a porta não tivesse aberto e três figuras sombrias passado por ela de maneira imponente. Com o olhar procurei Dae e discretamente o homem me deu um aceno de cabeça.

Merda.

Tomando uma medida provisória, pisei com força no pé de Charon e assim que ele se curvou puxei o capuz para sua cabeça escondendo seus cabelos claros e estupidamente fáceis de se identificar. — Vou dizer uma única vez, se não quiser morrer aqui mesmo, cale a boca e siga minhas ordens.

Os rapazes lutando no ringue pararam para ver os visitantes, todos perceberam que eles não estavam ali para se divertir. Era simples ler suas auras, além das vestes e das armas a vista, estavam procurando por problemas.

A porta com a saída não estava tão distante, mas a atenção que ia chamar andar até ela não seria boa, tinha que esperar o momento certo. Uma janela de oportunidade. Charon entendeu a situação e permaneceu abaixado embora reclamasse em voz baixa do pisão que dei com um resmungo quase inaudível.

— Senhores são novos por aqui? - Dae tomou a frente — Estamos um pouco ocupados.

— Consigo ver isso, um monte de porcos reunidos num porão. Realmente devem ter muito o que fazer — proferiu ainda do topo da escada — Procuramos alguém chamado 'Hakka', um paspalho de cabelos prateados que fala mais do que senhoras reunidas para o chá.

'Também, não estava tão errado assim.'

— Um cara como esse apareceu por aqui — responderam —, um aruano tagarela, mas chegou tarde. Esteve na arena ontem e desapareceu como fumaça depois disso.

Podia parecer estranho que os rapazes ali não entregassem ninguém, afinal nem todos eram retentores de uma boa moral, mas existe um código até mesmo entre os ladrões. Podiam trair entre si, mas para alguém de fora, nunca.

— A fumaça não é? Nós a seguimos até aqui, a única questão é que onde ela aparece geralmente tem fogo.

Nesse instante ouve uma explosão e magias começaram a ser lançadas, peguei Charon pelo pescoço e abaixados o empurrei na direção da saída. Não estávamos tão longe do bosque, ele dava para os fundos do palácio. Para o solar de minha mãe, se ele conseguisse chegar até lá ficaria bem.

Peguei uma das lâminas, para me defender, com ele ao meu lado não podia usar magia já que seria facilmente descoberta. Bati com o ombro na madeira da porta forçando a passagem.

— Me siga — declarei antes de dar uma breve olhada nas ruas, o caos fora instalado e não levaria muito para que os guardas reais surgissem. As vielas eram escuras, úmidas e não faziam parte do meu caminho habitual, entretanto quando se começa a ter vislumbres de um mundo desconhecido é impossível não ter curiosidade. Tinham noites onde apenas vagava sozinha pelas ruas afastadas, vendo a realidade próxima à miséria de alguns solares. Mesmo tendo orgulho da capital real, nem tudo é feito apenas de luz, na cidade do sol também tinham sombras e muitas delas.

O Rei Sol que antes trabalhava para cidadãos solares, os nobres filhos do sol, agora parece menos interessado. Investia em guardas, alianças políticas e esquecia de olhar para o próprio reino. Não podemos esperar muito de alguém que não dá atenção nem para o próprio sangue.

— Por ali!

Quando o grito soou fui puxada de meus devaneios, correndo pelo mesmo beco que seguimos tinham dois capangas. Um deles tinha uma tatuagem na testa que chamou minha atenção, ele era de Balor, um reino distante.

Solaris e Aruna são "reinos" gêmeos, agraciados com caminhos para o continente tendo uma boa parte banhada pelo mar, além da vasta extensão de terras. Contudo, alguns dos vizinhos não tinham os mesmos benefícios, Balor é um desses casos.

Reino pequeno, isolado entre gigantes e sem muitos recursos. Pelo que eu me lembro não passava de um pântano cercado por montanhas rochosas. Têm poucas terras férteis e depende de acordos para continuar recebendo suprimentos, mas ainda era o mínimo. A maioria dos seus moradores recorria a meios alternativos, visto que os nobres retinham uma grande parcela de tudo.

Empurrei Charon para um beco bem a tempo de bloquear uma magia com a lâmina, o feitiço ricocheteou e bateu na beirada de uma casa. Não podia atacar a distância, então teria que atuar na defensiva, em seguida fui recebida com punhos, saquei a outra adaga enquanto desviava de um soco. Com um virar preciso da lâmina e cortei a perna do meu atacante. O usando de escudo contra o segundo golpe mágico, apenas para correr pelo caminho que o príncipe seguiu.

Por algum motivo ele parecia surpreso, estava parado no meio do caminho ao invés de estar fugindo, o empurrei — Quem mandou você parar, continue!

Depois da última casa vi o bosque aparecendo, começava com árvores baixas, mas se tornava tão imponente que nem a luz da lua chegava ao solo. As vozes daqueles nos perseguindo estavam longes o suficiente. Parei por um segundo segurando o príncipe pelas vestes.

— Escuta aqui aruano, siga nessa direção você vai chegar até o palácio. Encontre o gazebo de ferro e estará perto da entrada.

Mesmo sem muita iluminação seus olhos pareciam cintilar. E sua feição estava séria, beirando a raiva.

— Não espera que eu simplesmente fuja não é?

— Sim, espero. Exceto se você quiser colocar a cabeça do rei sol e dos herdeiros, numa estaca.

Os gritos se tornaram mais altos, mas Charon ainda estava parado — Ainda terá sua revanche filho da lua, não morrerei essa noite e se seguir o que digo também não.

— Como eu encontro você?

'Quanto custa para esse paspalho correr?'

— Não encontra, mas garanto que nos veremos novamente. Agora,vá!

Ralhei apontando para a direção certa.

— Uma jura sob a lua é uma promessa Lipe, não a desonre.

Por algum motivo o tom que usou naquela frase fez um arrepio subir a minha coluna. Observei o príncipe desaparecer na noite aparentemente em segurança, olhei para cima, vi a lua imponente e fechei os olhos por um momento.

— Onde está aquele imbecil? Fale antes de pagar com sua vida, solar imundo.

— Bem, não me lembro — ajeitei o cabo das adagas nas mãos.

— Quem sabe uma boa sova ajude sua memória — era o cara de Balor, agora de perto ele parecia bem mais alto. Quando andava, seus cintos tilintavam e a pele de coelho em seus ombros tremiam, puxou um machado das costas e se preparou. Pigarrou algo do fundo da garganta, cuspindo sobre o metal escuro.

Pelo menos meu desejo por luta iria se realizar, podia sentir a animação crescendo dentro de mim. Coloquei-me em posição e sorri sob a máscara.

— Pode tentar — risquei uma linha no chão com a ponta da bota —, mas desta linha você não passa.


Obrigada por ler até aqui!

Próxima atualização: 12 de Outubro

Até mais, Xx!

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