Doce Ilusão ୧ ⎯



Imaginei que teria uma partida solitária sem grandes comoções — afinal no palácio do sol sou ninguém —, mas fui infelizmente agraciada com uma completa despedida.

Incluindo o rei.

Junto de todos seus conselheiros e membros da corte que costumam viver no palácio como sanguessugas, ele tomava a frente como se realmente fosse o líder de algo grandioso. Não o governante patético e ignorante que se provou ser durante os anos.

— Não desgrace a família enquanto estiver em Aruna — disse firmemente mantendo os olhos nos meus pelo menor tempo possível —, continua sendo a primeira princesa de Solaris. Deve agir como tal.

— Minha querida sobrinha, tem certeza que deseja viajar sozinha? — Marysol estava ao lado do meu pai posando como uma rainha, dessa vez até mesmo tinham as roupas em tons parecidos. Teatralmente ela colocou a mão no rosto — Penso que Kivar seria uma boa companhia.

Essa falsa preocupação quase me faz ter vontade de vomitar. Lancei um sorriso sem dentes para minha não adorável tia, respondendo com escárnio.

— A permissão para atravessar oficialmente a fronteira foi concedida apenas a mim — abaixei um pouco a cabeça, continuando com uma voz mais áspera. — Sendo um convite direto do príncipe imperial, não há maneira de recusar, certo?

— Claro — ela apertou o leque em mãos contendo a face distorcida —, manter a relação entre os reinos é essencial.

— Nesse caso devo partir imediatamente — Cyr que tinha uma expressão preocupada e foi o único que deu um passo a frente para me abraçar em despedida. Spade e Valet já tinham dito suas considerações no dia anterior, então restou para minha partida apenas os sorrisos distantes.

Polly e Rav eram indispensáveis, assim como alguns guardas separados do grupo de Spade, os quais eu também conhecia dos dias de juventude. Entrei na carruagem e não demorou até que começassem a andar.

— Soleil parece estar colaborando hoje — Polly comentou ajeitando a cortina na janela — geralmente ele odeia ficar preso na carruagem.

Dessa vez eu não poderia pegar meu garanhão e cavalgar até o império de gelo, também não o deixaria para trás. O usar na carruagem foi a única saída possível.

— Depois de uma longa conversa mencionando Lura, parece que ele resolveu se comportar — comentei com um riso —, Rav não deve ter problema de conduzir.

Minha dama de companhia riu — Meu irmão não costuma demonstrar muitos sentimentos, mas ficar perto de Soleil o deixa em pânico. Talvez eu deva trocar com ele e ficar ao lado do condutor.

— Estou ouvindo — a voz dele soou fazendo com que mais risos ecoassem. Pela pequena abertura atrás de Polly vi os olhos do guarda aparecerem —, teria a mesma reação se ele tentasse comer sua mão.

— Eu sou uma dama, você é um soldado — rebateu o irmão.

— Não me faz menos humano, me dá outras responsabilidades.

Balancei a cabeça relaxando a postura e esticando as pernas para apoiar os pés no estofado da frente — Rav tem um ponto.

Com esse início de viagem leve e de conversas soltas, deixei as preocupações parcialmente para trás. Todo momento longe do palácio do sol é como uma chance de respirar, de me livrar do molde esperado e esticar as costas com orgulho. Levaria algo em torno de uma semana para chegar a fronteira e depois disso mais um dia de viagem para chegar a capital de Aruna.

Não foram levantados os estandartes reais, a comissão não estava com o uniforme oficial, nem mesmo a carruagem era uma das mais glamorosas. Salvo o brasão da família real de Solaris, parecia apenas mais uma. De certa forma, agradeci mentalmente por isso, pelo não esforço em me anunciar como alguém da realeza. Fazia da chegada nas cidades mais tranquilas e o aproveitamento de cultura mais intenso. Em todas as cidades, tive um momento para andar pelas ruas e conhecer a vida dos moradores sem realmente sem reconhecida.

A medida que nos aproximamos da fronteira o clima começou a ficar mais frio, as árvores já não eram do tipo que floresciam na primavera. Gradualmente as florestas de taiga, repletas de pinheiros e árvores de inverno, tomavam o lugar. Avisando aos visitantes que por ali o clima frio é aquele que reina na maior parte do ano. Quase não havia vegetação rasteira, no fim da tarde e noite adentro os uivos rompiam o vento gelado fazendo da escuridão uma caçada.

Chegamos na cidade da fronteira na noite do sétimo dia, Midwinter fica escondida no meio das montanhas e árvores em forma de cone. O rio que cruza seu meio de ponta a ponta marca a atual divisão entre Solaris e Aruna, largo e profundo, fazendo o único meio legal de atravessar ser pela ponte que liga as duas margens.

A pequena comissão continuou pelas ruas até chegar a uma mansão pálida um pouco distante do centro. Luzes atravessavam as janelas, e também o bonito jardim repleto de arbustos baixos, iluminando na frente dele uma  figura nos aguardava no frio.

— Que o sol vos alumie princesa Eclypse — me cumprimentou assim que desci da carruagem, tomando minha mão e fazendo um cumprimento formal.

Felizmente essa área está sob os cuidados do duque D'Inverna, sei que posso esperar uma recepção sincera.

— Pode se levantar Marques Aspen, agradeço por nos receber — apontei para os soldados —, ouvi dizer que deixar os cavalos descansarem nesse último braço de viagem é essencial.

— Sabia decisão, o caminho para Aruna se eleva e cobra dos animais mais do que realmente se espera — respondeu com um sorriso. Os bigodes brancos se erguendo para cima ao mesmo tempo que os olhos se curvaram fechados para baixo.

— Por favor, vamos entrar, imagino não estar acostumada com o frio do norte. Preparamos uma refeição e camas quentes.

Como alguém que sempre esteve sob o sol, também esperei para sofrer nas mãos do vento gélido da região, porém, não aconteceu. Em certo momento vi Polly grudar ao meu lado clamando que conseguia sentir calor emitindo do meu corpo. Lembrando dos dias que Charon passou na capital real, nunca o vi reclamar sobre o calor, apesar de fazer constantes comparações a um floco de neve derretendo.

No lado de dentro a marquesa Aspen me esperava, o casal já é mais velho. Pelo que soube, as duas filhas mais velhas do casal já haviam se casado. Restando na mansão apenas o filho mais novo e atual herdeiro. Assim como o chefe da família, foi uma recepção agradável, ainda que alguns dos funcionários me lançassem olhares suspeitos.

Os cantos de maldição viajam por Solaris tão rápido quanto o vento.

— Tenho certeza que a marquesa os educou bem — Apollyne apontou assim que ficamos sozinhas —, porém ainda é um pouco rude.

Deixei o corpo afundar na banheira suspirando fundo — Não é nada diferente do que vivo no palácio, desde que não façam nada realmente não me incomoda.

— Diz isso, mas quando são os velhos da corte. Rebate.

Virei a cabeça para minha amiga, sabendo da sinceridade da sua reação — É preciso separar Polly, a corte faz com malícia, por política visando me afetar diretamente. O restante por ignorância, de sentimento para eles somente pena, pois são inocentes o suficiente para acreditar em qualquer coisa.

Com esse último comentário minha amiga se calou, mirei o teto claro cheio de arabescos enquanto o cheiro doce de óleos perfumados se misturava com o vapor de água quente.

O banho durou até que as pontas dos meus dedos estivessem enrugados, depois de me vestir e estar apropriadamente vestida para a estadia na cada do marquês desci acompanhada de Apollyne para o jantar. Foi então que vi uma certa comoção, ambos mais velhos pareciam chamar a atenção de uma terceira pessoa.

— Espero não ter me atrasado — apoiei a mão no corrimão da escadaria descendo.

As três cabeças se viraram, só então consegui constatar os sorrisos nervosos e expressões dúbias.

— De maneira alguma alteza — disse a marquesa.

— Se eu soubesse que iriamos a receber princesa, não teria deixado a mansão hoje — o desconhecido empurrou o casal para os lados abrindo caminho. Andando diretamente para mim, vestes desalinhadas, um cheiro de bebida forte e um sorriso cafajeste.

— Que o sol vos alumie durante a estadia na mansão Aspen, Denali Aspen ao seu dispor princesa Eclypse.

— Grata, lorde Aspen — puxei a mão da sua com um meio sorriso, não gostando do olhar semicerrado que ergueu em seus olhos.

— Por favor, vamos nos sentar — a marquesa indicou se aproximando — Den porque não vai se deixar apresentável? Perdoe pelos modos do meu filho alteza, ele ainda é inconsequente.

Disse não ter problema e logo o marquês interferiu indicando para entramos na sala de jantar, explicando que havia pedido para o chefe de cozinha preparar iguarias da região. Agradeci mantendo a boa etiqueta — Polly teria que me elogiar por isso —, afinal mantive a postura e a língua controlada mesmo com o olhar do herdeiro queimando nas minhas costas.

Pensei que a viagem até Aruna seria tranquila, doce ilusão.








Obrigada por ler até aqui!

Próxima atualização: 9 de agosto.

Até mais, Xx!

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