Dança Perigosa ୧ ⎯


Se olhares pudessem matar, com certeza já estaria morta há muito tempo. Cheia de buracos feitos pelo ódio das convidadas, isso porque Charon achou que fosse mais conveniente.

— Não se preocupe, Ely — Summer enganchou o braço ao meu em forma de apoio —, os olhares nunca somem, mas você se acostuma a ignorar.

— Nunca mentiu para mim, então deve ser verdade — devolvi seu gesto colocando a mão sobre a sua. O príncipe aruano estava conversando com Juno e outros cavalheiros mais ao canto, explicando sobre a competição de inverno.

Pelo que ele mesmo me disse previamente, era um campeonato amistoso, três semanas com três tarefas que somavam pontos. Quem terminasse em primeiro lugar ganhava uma gema da lua. A pedra mágica mais forte do mundo quando se diz em proteção, o motivo pelo Castelo Lunar ser uma fortaleza. Suas barreiras eram tão fortes que diziam ser o lugar mais seguro do mundo. Porém, essa pedra é extremamente rara.

Até onde sei, apenas a família do Imperador Lua possuía permissão para procurar por tal pedra. O que tornava o prêmio tão interessante quanto a competição em si.

— Veja só, marquesa de Heller está mais abusada do que nunca — Summer olhava para a entrada, desviei o olhar do grupo de rapazes para ver minha tia, e odiado primo, passarem pela entrada do salão. Por etiqueta aquele com o maior título nobiliárquico deveria ser o último a chegar, Charon cumpriria esse papel já que a recepção é em sua homenagem. Ter aqueles dois chegando a essa altura é uma grande afronta.

— Marquesa Marysol de Heller Solaris e seu filho Kivar de Heller Solaris — um dos guardas anunciou, toda a atenção fora voltada para eles. Vestidos como se fossem a rainha e príncipe herdeiro, eles desfilaram entre os convidados.

Me enojava saber que eu dividia sangue com os dois dissimulados, Marysol fora casada com meu tio — irmão mais novo de meu pai, o rei —, o qual faleceu a alguns anos por conta de uma doença. A família Heller era nobre e ganhou mais poder quando o irmão mais novo do príncipe herdeiro da época se casou com a filha mais velha. Devida todas as mortes recorrentes na família do sol, se algo acontecer com Cyrus, Kivar seria aquele a assumir o trono.

— Marysol não esconde os desejos de fazer meu primo rei — disse baixo apenas para que minha amiga ouvisse —, realmente não me surpreende.

Kivar era apenas um ano mais velho que eu, se aproximou, os cabelos escuros como o da família real, porém os olhos não eram tão vivos quanto os meus ou Cyrus. Misturados com o esmeralda intenso da mãe, acabaram ficando com um tom ocre, suja, como sua própria personalidade.

— Que o sol vos alumie prima — me cumprimentou cordialmente — acho que nunca a vi tão bela. Srta. Veroni também está... Cintilante, com sua beleza exótica.

— Mas veja só, Eclypse, finalmente está parecendo uma dama — a voz esganiçada e forçada de minha tia, quase fazia meus ouvidos sangrarem —, quem sabe não comece a receber pedidos de casamento.

— Agradeço a preocupação tia — vesti meu melhor sorriso e tomei suas mãos entre as minhas —, e retorno a você. Está bem de saúde? Parece cansada com essas olheiras, talvez a viagem tenha sido muito repentina, imagino que nessa idade seja necessário um pouco mais de planejamento.

'Responda a essa bruaca velha'

Com um pouco mais de força do que o necessário, ela puxou as mãos, mas o sorriso falso nunca deixando seu rosto — Sua preocupação é louvável minha sobrinha, terei mais atenção com minha saúde. Inclusive fui informada da indisposição do rei, devo pedir licença para ver meu cunhado, se me permite.

Ela se curvou e se afastou, Kivar ficou para trás sendo inconveniente. Cyrus que dividisse comigo todo esse infortúnio.

— Me permita lhe apresentar ao príncipe imperial, tenho certeza que a conversa entre os cavalheiros deve ser mais interessante do que se prender a companhia das damas.

— Estando tão bem acompanhado, pouco me importa prima, mas suponho ser adequado me apresentar ao Príncipe Imperial de Aruna.

O sorriso viperino em seu rosto não me enganava, Kivar estava tramando algo com toda aquela atenção direcionada a mim. Contudo, não conseguia entender quais eram realmente suas verdadeiras intenções, Rav me olhou no canto do salão e dei um sinal com a mão para que seguisse Marysol. Não confiava na mulher andando pelas entranhas do palácio desacompanhada.

Ainda com Summer ao meu lado nos aproximamos dos rapazes reunidos em roda, sendo novamente olhada com moléstia pelas damas que não tinham coragem de se aproximar.

— Desculpe interromper rapazes, imagino que mais um participante não fará mal — disse os chamando. Cyrus se adiantou para cumprimentar nosso parente e imediatamente já o apresentou a Charon.

— É uma honra conhecê-lo — Kivar se curvou levemente —, ouvi muito sobre o herdeiro aruano. Lutas excepcionais, um exímio guerreiro.

— Isso são os que meus companheiros dizem, não minhas palavras — Charon respondeu educadamente —, porém, não vou desmentir. Ao contrário de certas pessoas que insistem em não reconhecer suas habilidades.

O príncipe imperial não se segurou no momento de lançar um olhar sugestivo a mim.

— Nada comparado a vossa graça.

— Deve estar brincando — Storm D'Inverna um dos capitães da guarda junto de Spade se inclinou — Ely vive se gabando de suas habilidades.

— Até mesmo entre os soldados todos reconhecem sua força — o gêmeo Winter completou com um riso debochado —, um pouco difícil não o fazer quando todos já sofremos com sua ira.

— Seria sábio da sua parte ficar calado Winter — ralhei entredentes forçando um sorriso, os rapazes apenas riram para si mesmos e piscaram suas orbes azuladas inocentemente em minha direção. Seus cabelos eram claros, porém diferente dos de Charon, e sem o brilho acinzentado, a pele morena acompanhado de um rosto fino e sorrisos brancos como a neve.

— Realmente já ouvi relatos que minha prima pode ser, brutal. Ao contrário das outras damas que não se aproximam nem de espadas.

Olhei para Cyrus pedindo por ajuda, meu irmão entrou na roda vindo em minha direção — Por mais que ame minha irmã, e realmente ache que ela se subestima. Creio que não é o ponto foco dessa conversa rapazes, deixemos as damas seguirem seu caminho.

Nesse momento uma música começou a soar pelo salão — Por que tem música se não é um baile?

— Porque é melhor que ficar ouvindo especulações — Cyr me respondeu em voz baixa — Príncipe Charon posso sugerir que abra a pista de dança para aqueles que desejarem?

— É claro, Cyrus — o aruano me estendeu a mão, já que eu era sua acompanhante —, me dá a honra desta dança?

'Como se eu tivesse escolha'

Peguei sua mão e ele nos guiou até o cento, a mão pousou na minha cintura enquanto a outra me segurava, ele se inclinou para falar em meu ouvido — Por favor não pise no meu pé.

— Se continuar a agir assim comigo, vão me odiar ainda mais — rebati — e para sua ciência sou uma exímia dançarina.

O mesmo brilho de desafio que já havia visto antes, o ritmo da música não era tão calmo como se esperava de um baile noturno. Portanto, os passos e giros eram mais precisos e sem grandeza, Charon surpreendentemente era um bom dançarino, com duas irmãs mais novas imaginava que ele tenha sido aquele que as ajudou a aprender as típicas valsas aruanas. O tecido do vestido era leve e esvoaçava quando o príncipe me guiava num movimento maior, os raios de sol eram os últimos da tarde e deixava o céu com um tom alaranjado deslumbrante.

— Não percebi antes, mas seus olhos parecem joias — a íris azul de Charon estavam fixas nas minhas, e quando a música acabou estávamos mais próximos do que o necessário —, realmente parece que estou segurando o próprio sol.

Fui salva de qualquer reação pelos outros acompanhantes que tomaram a pista, como Valet e Queeny até mesmo Cyrus se aventurou junto de Summer. Recuamos para o canto, saindo do foco de atenção, sentia meu rosto ainda quente pelo repentino elogio. Não por ser dito — tolos aproveitadores me bajulavam com constância —, mas sim por ser uma fala genuína. Um pensamento que não deveria ser falado.

Charon evitou meu rosto, tentando esconder as orelhas levemente vermelhas, um broche na roupa dele pareceu muito mais interessante do que qualquer outra coisa.


A situação não era favorável a nenhum de nós, senti um arrepio em minhas costas e quando me virei Shurya não escondia o desgosto de ter presenciado a cena.

— Por favor, interaja com as damas de Solaris também, antes que alguma delas jogue um canapé na minha cabeça.

— Estou ciente das vontades das senhoritas presentes, mas não tenho intenção de desenvolver esse tipo de laço por aqui — respondeu com um tom um pouco mais sério do que os que eu ouvira sair de seus lábios.

— Quer dizer então que já existe alguém em Aruna? É de se esperar já que é o príncipe herdeiro.

— Meu pai tem um pouco de juízo, raras vezes algo de bom nasce de uma junção não desejada — respondeu ainda de cabeça baixa —, casamentos em Aruna são feitos por amor, não política.

Um riso cínico deixou a minha boca — Aruna pode ser fria, mas seus moradores com certeza possuem o coração quente. Espero que Solaris um dia volte a fazer jus ao seu nome.

Charon se virou, confuso com minhas palavras, porém antes de me questionar, algo aconteceu. Vi no topo de umas das torres algo brilhante e uma silhueta, era a antiga ala da rainha ninguém era autorizado a ir até lá. Minha mão esquerda se ergueu rapidamente e um escudo prateado isolou o objeto que explodiu num instante.

Gritos ecoaram e os cavaleiros imediatamente se colocaram a postos — Valet veio da torre da rainha! Cyrus mantenha os convidados do lado de dentro — ordenei sem nem esperar uma resposta — você incluso Charon.

Sua mão segurou meu pulso — Como você usa magia de Aruna? — os olhos que antes me olharam gentilmente tinham uma cólera que não esperava ver. Sabia ter muito o que explicar.

— Não é o momento. Aibek, escolte vossa alteza para o lado de dentro — minha voz saiu com firmeza, dando uma ordem para o capitão da guarda imperial — Storm, Winter me sigam! Spade vá até os estábulos.

Num único movimento, puxei a saia e seu tecido, deixei os sapatos para trás e corri pelo jardim em direção a torre da rainha — pelo lado de fora ao contrário de Valet —, a magia do sol que revelava detalhes destacou em minha visão os pontos por onde o suposto atacante teria andado. De toda a família real eu era a única que conseguia usar essa habilidade ocular, o poder flavescente que corre em minhas veias possuía variações, porém inegavelmente é um poder ofensivo.

Chegando ao solar da rainha, olhei em volta procurando os traços, as pegadas luminosas seguiam para o meio das árvores. As folhas não eram uma boa combinação com essa competência em particular, logo as pegadas se perderiam e já não serviria de mais nada. Sem me importar com galhos ou outras pedras segui pelo bosque com os gêmeos próximos.

— Cuidado! — Winter gritou e novas flechas explosivas foram disparadas, duas da mesma direção. Novamente o véu de proteção que possuía a capacidade de usar surgiu nos protegendo, porém, não poderia dizer o mesmo sobre as árvores lascas caíam e contornavam a proteção.

Foi quando tive um vislumbre de uma capa escura entre as árvores — Storm na sua direita!

O capitão D'Inverna tirou sua imponente espada da cintura e a cravou no chão na direção em que apontei sem minha barreira. Sua magia fria reinou à terra sem grilhões. As folhas, árvores e qualquer outro material orgânico foi imediatamente congelado, ao mesmo tempo atrás de mim algo se moveu revolvendo os restos de floresta. Quando me virei havia um lobo completamente tomado pelo caos, porém diferente do que encontramos no dia anterior, estava bem vivo.

Os orbes foscos sem vida, partes de sua pelagem havia caído devido à carne podre que se desprendera dos ossos. O sangue escuro também pingava manchando o chão imaculado do local roubando a vida de onde encostava, o animal era infinitamente mais poderoso do que seu amigo. O odor era nauseabundo, Winter reparou no animal ao mesmo tempo que eu, mas algo aconteceu, sua magia sequer se aproximou da criatura. Matéria reage à matéria, magia física como a dos gêmeos não funcionaria.

Ele seria morto se não desviasse a tempo, lascas das árvores previamente destruídas entraram nos meus pés a medida que me movi, o impulso foi o suficiente para que tirasse o mais novo dos irmãos do caminho. Caímos no chão e Storm prontamente recuou, usando uma estratégia reversa, ao invés de nos proteger de um ataque prendi a criatura nos meus escudos.

Contudo, não aguentaria muito tempo também, a magia do caos absorvia rapidamete as paredes. Ainda no chão coberta de terra com vestes em frangalhos, juntei às duas mãos em minha frente, runas circularam a clareira formada pelas explosões e feixes de luz desceram até à terra como flechas feitas de raio do sol. Brilhantes e mortais.

O sol é o que ele é, uma força brutal que dá a vida mas também pode ceifar num único instante, correndo em minhas veias — e de Cyrus —, existe um poder que pode começar ou terminar guerras.

Quando disse a Charon que muitos da família Del Solaris foram mortos por sua magia não foi apenas pelo roubo, os membros da família do rei sol. A décadas são sequestrados, amarrados e passariam dias tendo toda força vital e sangue drenados de seus corpos. E quando tudo acabasse, não haveria nada além de uma pele seca revestindo um esqueleto morto.

— Ely seu braço — a manga do vestido que Polly cuidadosamente escolhera para mim havia sido destruída e em seu lugar existia um corte recém-aberto profundo. E o culpado estava bem ao meu lado, sendo uma ponta de tronco que ficara em meu caminho quando pulei para salvar o D'Inverna.

Vermelho brilhante escorria até meu cotovelo, manchando não só a mim como o rapaz que ainda estava abaixo de mim.

— Preciso de ajuda — pedi, Storm colocou a espada na cintura e estendeu os braços, um passou pelas minhas costas e o outro nos joelhos erguendo meu corpo com facilidade. Coloquei a mão no corte tentando fazer alguma pressão, fora mais fundo do que imaginava —, desculpa, vou manchar a sua farda.

— Salvou a vida do idiota do meu irmão e a minha, isso não é nada.

Valet se aproximou junto de alguns outros guardas, seus olhos se abriram quando viu todo o vermelho que escorria. — D'Inverna a leve para o castelo imediatamente, Winter você fica e explica o que aconteceu. Kyrah conversamos depois.

Sabia que o capitão viria com toda uma conversa sobre como eu não deveria em hipótese alguma fazer o que eu fiz, e numa dessa Winter e Storm teriam sido mortos na primeira explosão.

Encostei minha cabeça no ombro do rapaz.

— Não durma, fale comigo Ely — pediu, porém, sua voz já estava distante, como se estivesse falando de dentro de uma garrafa. — Princesa Eclypse!

— Estou ouvindo... Mais ou menos...

Ouvi quando ele passou a caminhar pela grama e depois o castelo, ouve uma comoção, mas estava me forçando tanto a ficar acordada que não me importei. Vozes falavam comigo distantes, os olhos sem foco discernindo cores como um grande borrão de dourado e verde.

Tão cansada, fechei os olhos por um instante, mas mão seguraram minhas bochechas com força — Eclypse olhe para mim, não feche os olhos. Summer o quanto de veneno está no sistema dela?

— Não sei dizer, tem lascas de todos os tipos em seus pés, sem contar o corte no braço. Por que tem tantas árvores venenosas no palácio do Sol? Polly me ajude com essas ataduras.

Uma sensação quente me preencheu, era como queimar de dentro para fora. Alguém ainda segurava meu rosto, pisquei os olhos algumas vezes até uma feição aparecer — Juno você é muito bonito sabia?

Sua risada grave ecoou — Obrigado, princesa, não se lembrará de nada, mas vou fazer questão de agradecer apropriadamente o elogio depois.

— Tudo bem — e não parei —, Summer devia se casar com Cyrus eles fazem um casal bonito.

— Céus, Eclypse está alucinando! — mais barulhos soaram — Pare de rir Juno, segure a boca dela. Polly faça algo, uma mordaça qualquer coisa!

— Vou dar o meu melhor.









N/A: A última do ano agora só em Janeiro de 2023, nasceu esse ano de uma loucura. E fico feliz de poder compartilhar ele com vocês, mesmo que lentamente.

Próxima atualização 17 de Janeiro.

Obrigada por me acompanhar até aqui.

Até mais, Xx!

Também quero agradecer a krolzinha-Sama pelo desenho da Ely, eu ameeeiii.


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