Chá do Pôr-do-Sol ୧ ⎯
O dia estava claro, sem nuvens, uma brisa suave brincava com as folhas secas e alaranjadas. Um farfalhar chocalheiro fazia uma tranquila trilha sonora para os guardas que marchavam fazendo ronda ao redor do Palácio do Sol. Da janela do escritório de Cyrus eu observava as primeiras carruagens se aproximando, o evento que meu irmão planejou foi algo como um clube vespertino, damas e cavaleiros de famílias influentes foram todos convidados a comparecer à recepção do príncipe Charon de Aruna.
Mesas foram montadas no salão pôr-do-sol, o lugar era feito de vidro, perfeito para observar o fim de tarde e admirar como os raios dourados se deitavam nas terras reais. Também tinha saída para um bonito jardim mantido pelas criadas mais antigas, do lado de dentro as decorações eram de um amarelo girassol entremeado com tons azuis e violetas, algo que meu irmão chamou de um símbolo de boa receptividade.
— Me diga mais uma vez como foi posicionada a guarda. — virei para Valet que pessoalmente veio me informar as conclusões feitas depois das investigações na cidade. O capitão ficara responsável com o incidente nas vielas enquanto Spade esteve cuidando com autonomia da outra questão.
— Temos duplas rondando todo o palácio, não tem brecha em tempo. Os bosques estão com vigilância constante, a falha no escudo foi restaurada momentaneamente com pedras mágicas, o suficiente para preservar a saúde dos convidados de hoje.
— Sabemos como ela surgiu em primeiro lugar? — andei até a mesa de Cyrus olhando alguns papéis que estavam ali em cima.
O comandante fixou os olhos no meu — O provável foi de que o lobo com magia do caos era mais forte do que os escudos ou teve ajuda de um mago para avançar.
Bati as pontas dos meus dedos na madeira avermelhada com preocupação — Não parece estranho? A criatura morreu antes de chegar a proteção interna, para algo carregando magia oculta é bem perto.
Valet levantou a mão até os cabelos — A primeira barreira não é tão seletiva quando a interna, talvez por ser um animal não tenha lido a sua assinatura mágica. Talvez fosse detido na segunda, mas nunca saberemos.
— Alguma chance de ter relação com os eventos na cidade? Uma distração ou algo do tipo?
Olhando com certa surpresa o mais velho, ajustou sua postura nervosamente — Não consideramos, vou me reunir com Spade e bater as informações. Ainda não tivemos retorno dos mercenários de Balor, pretendo ir conversar com eles assim que o evento acabar.
— Bom — aprovei sua ação —, e sobre os danos nas casas dos civis? Já foi aprovado uma compensação? Ouvi dizer que tiveram alguns danos severos.
— Por ser nas vielas o rei sol não parece muito interessado em... prestar algum socorro.
Fechei a mão em punho — Junte o valor da quantia, e o nome dos beneficiários. Vou falar com Cyrus sobre isso, vossa majestade parece não ter noção que as pessoas mais perigosas da capital circulam nas vielas.
— E você tem?
— Seus guardas são bem fofoqueiros — desviei o assunto —, eles vivem frequentando uma tal taverna por lá. Não fazem questão de esconder suas atividades em dia de folga.
Valet abaixou um pouco a cabeça me encarando com suspeita, ocasionalmente tinha certeza de que ele sabia todos os meus passos extras, porém em outros permanecia completamente alheio. Um pequeno sorriso e ele se virou.
— Sobre isso, tem razão.
Nesse momento, batidas soaram na porta e Rav abriu após escutar a minha permissão.
— Príncipe Cyrus me pediu para lhe escoltar até o salão princesa, os convidados estão chegando, disse que precisa estar presente para os receber como anfitriã.
A careta que fiz foi feia o suficiente para que o comandante da guarda segurasse um riso. Piscando para mim ele se virou para o subordinado — Rav, pode informar a vossa graça que eu mesmo acompanho Lady Eclypse até o salão, ainda tenho algo a conversar com ela.
— Como quiser, com sua licença.
O rapaz se retirou também segurando um sorriso no rosto, um brilho divertido dançando em seus olhos cor de mel. Respirei fundo soltando o ar pela boca — Odeio esse tipo de evento, principalmente quando todos esses jovens nobres se juntam.
— Também é uma jovem nobre Kyrah, controle suas expressões. Lembro-me de ter dado aulas sobre isso.
— Você é a única pessoa que ainda me chama assim, pelo menos não formalmente.
Valet se aproximou e colocou a mão na minha cabeça — Quando começou os treinamentos gritou em meu rosto para te chamar de Kyrah, não é para menos.
Um riso deixou meus lábios, a cena ainda erá vívida em minhas memórias. Devia ser o primeiro ou segundo dia que Valet me levou para o treinamento, os guardas certamente estavam me tratando como Eclypse a princesa e pegando leve. Foi no intervalo que peguei um caixote subi para ficar do tamanho do homem, disse para que eles me chamassem de Kyrah, e demandava o mesmo tratamento de qualquer outro jovem cavaleiro.
— Eu era uma pirralha.
— Aos meus olhos ainda é — deu risada e beijou a minha testa, se pudesse dizer era que Valet era mais pai para mim do que o rei. O homem estendeu o braço e indicou a porta, puxei a barra do vestido longo para não tropeçar na barra e o acompanhei. Apollyne conseguiu de alguma forma me convencer a colocar um vestido, o tecido claro se misturava com um tom mais escuro e azulado como o dia que abraçava a noite ao fim da tarde, um bordado com estampa de folhas e flores criavam o detalhe.
Certamente um vestido muito simples comparado com os das outras senhoritas, afinal todas deveriam estar interessadas em impressionar o príncipe visitante. Joias, camadas, os melhores estilistas da capital com certeza estiveram ocupados nos últimos dias.
— Princesa, princesa! — ouvi me chamarem quando me aproximei do salão do pôr-do-dol, quando me virei fui abraçada pela cintura. O capitão suspirou alto, resmungando algo sobre modos.
— Cora, já não dissemos que precisa ter modos? — Queenie a esposa de Valet veio caminhando logo em seguida, se curvando em comprimento. — Que o sol vos alumie vossa graça.
— Duquesa de Khartes, obrigada por comparecer — agradeci formalmente. A casa Khartes serve a família real de Solaris a centena de anos, e desde o começo são aqueles responsáveis pela guarda e segurança real do reino. Das grandes famílias era uma das mais importantes, ficando abaixo apenas da casa Veroni.
Abaixei-me para ficar na altura de Corazán, a caçula da família, assim como seu irmão mais velho tinha os cabelos de tom azulados do pai e os olhos esmeraldas de sua mãe, no rosto delicado de menina havia um sorriso sincero sustentando um par de bochechas coradas.
— Obedeça seus pais — deixei um beijo estalado em sua bochecha —, mais sua mãe.
Juntos entramos no salão, Cyrus estava fazendo seu papel de anfitrião recebendo os convidados. Despedi-me da família Khartes e me aproximei, as costas retas cabeça erguida e toda etiqueta que haviam me ensinado ao longo dos anos.
Quem estava em sua companhia eram os herdeiros da casa Veroni, Juno o irmão mais velho e Summer a irmã dois anos mais nova — Apollyne e Rav também estavam por perto, uma vez que eram primos distantes da família principal —, como um raio de sol num dia de verão, a presença dos irmãos era forte e quente. A pele de tom retinto cintilava em dourado quando banhada pela luz vespertina, ambas feições tinham traços firmes ainda que gentis, uma beleza deslumbrante que se destacava entre as folhas alaranjadas de outono.
Como membros de uma família de renome, elegância já era esperada, mas o que os tornava realmente especiais era algo muito mais importante. A família era conhecida por seu intelecto avançado, as melhores academias tinham professores com o nome Veroni. Inúmeras invenções e estratégias vitoriosas surgiram de tal genialidade, se a família Del Solaris não estivesse já condicionada ao trono, o rei com certeza seria um Veroni.
— Vossa graça, que o sol vos alumie — Juno se curvou levemente em minha direção, assim como a irmã que puxou o vestido de tom esverdeado. Seus olhos cor de mel me olharam com atenção — Bela como sempre, Princesa Eclypse.
— Obrigada, se me permite devolvo o elogio a ambos — de todos aqueles que sabia comparecer ao evento eram aqueles que eu me sentia mais próxima —, deixo todos os meus créditos para Polly.
— É claro, estaria de calças se fosse por sua própria vontade — comentou a minha dama de companhia ganhando algumas risadas do grupo, Cyrus até chegou a suspirar alto.
Despedimos-nos momentaneamente para poder recepcionar os outros convidados, de longe os outros nobres não eram tão educados quanto os herdeiros Veroni, ao menos não comigo. A exceção talvez sendo os gêmeos D'Inverna, pois eram colegas de Spade e subordinados de Valet, para o restante eu era tudo aquilo que falavam.
A maldição, alguém indigna da família real uma aberração que veio ao mundo como um mau presságio, poderiam sorrir quando estavam em minha frente, mas apontariam suas lanças no momento em que virasse as costas.
Solaris tem uma política um pouco complicada, o rei sol claro é o grande comandante do reino, abaixo dele havia quatro grão-duques — soberanos de estados semi-independentes — eram eles Veroni, D'Inverna, Otonok e Primavil. Cada um tendo autonomia o suficiente para nomear seus nobiliárquicos, como exemplo a família Khartes que a quem foi entregue um ducado pelo rei sol.
Ao todo eram quatorze famílias nobres que habitavam Solaris, os quatorze raios em nosso símbolo real.
— Vossa graça, princesa, que o sol vos alumie.
— Marquesa de Kirav — Cyrus a cumprimentou — Obrigado por aceitar o convite, ainda que em cima da hora.
A mulher de idade avançada tinha um chamativo vestido vermelho com detalhes dourados e ao seu lado estava sua única filha Shurya, os cabelos dourados caiam em ondas longas largas brilhantes e tinha um vestido rico em detalhes no corpo. O tom carmesim era tão forte que fazia meus olhos doerem, os lábios igualmente vermelhos adornavam um sorriso venenosamente doce.
— Não perderíamos a oportunidade de ver o príncipe de Aruna, ouvi dizer que o príncipe imperial ainda não possui um casamento — disse a mais velha abrindo um leque —, com tantas jovens por aqui quem sabe um romance não floresça.
'Tenho certeza que esses pensamentos vão embora no momento que Charon abrir a boca'
— Parece injusto que a princesa tenha passado tanto tempo com o príncipe — Shurya me olhou diretamente —, dizem que sua beleza é como a de uma lua-cheia. O que acha princesa Eclypse?
A provocação era clara, qualquer coisa que eu dissesse seria eventualmente usado — Que boatos devem ser descartados, e as informações confirmadas com os próprios olhos.
Não poderia falar qualquer outra coisa, afinal um passo fora da linha e poderia indicar que os boatos sobre mim, também eram verdadeiros.
— Palavras de sabedoria — Spade se aproximou cumprimentando a marquesa e sua filha — Se me permite, posso tomar um pouco da atenção de vossa graça?
Ele estendeu a mão para mim e Cyrus sorriu permitindo que eu me afastasse, coloquei a mão sobre sua palma e o acompanhei até o outro lado do salão.
— Desculpe a demora, o filho do barão de Leighann não parava de falar — disse em tons baixos apenas para eu escutar.
— Chegou na hora certa, mais um segundo perto das Kirav eu arrancaria meus olhos fora — respondi, tínhamos um trato silencioso. Spade sabia o quanto odiava ficar recepcionando pessoas então sempre que possível me salvava das situações, como filho mais velho da casa Khartes tinha essa autonomia.
Normalmente ele estaria com as vestes da guarda, mas hoje em especial estava comparecendo como nobre, então estava tão elegante quanto os outros herdeiros.
— Falta muito para acabar? — perguntei.
— Ainda tem algumas boas horas para o sol se pôr, então digo que sim — ele riu, andamos até a parte mais distante do jardim longe de olhares curiosos. Girei meus ombros incomodada com as mangas do vestido — Odeio essas coisas.
— Não deveria, fica muito bonita assim — o rapaz pegou uma mexa do meu cabelo o arrumando no lugar —, mas se enfiar no uniforme dos soldados também tem seu charme.
— Cale a boca — bati o ombro com o seu, passei meu olhar por sua figura —, também não está tão ruim.
Spade ficou com as bochechas coradas e virou de costas para mim, dei risada alto e me apoiei na beirada vendo os campos que se estendiam. Conseguia ver as duplas de soldado fazendo ronda, chamou minha atenção alguém que andou sozinho em direção aos estábulos.
— O que conseguiu com o lobo?
— Não muito além do que você mesma descobriu, é magia oculta com certeza. Não foi possível rastrear o caminho que ele fez, as folhas acabam atrapalhando as pegadas já que o chão está forrado delas. Tem algo que te preocupa?
— Sempre.
Alguém bateu num copo chamando a atenção, o som do vidro ecoou até onde estávamos e nos forçamos a voltar para o salão cheio. Aibek estava no canto isolado junto da comissão Aruana, eles estavam recebendo olhares, mas não interagindo.
— Senhores — me aproximei —, podem ficar à vontade no salão, não estão a trabalho, devem desfrutar.
O capitão da guarda imperial sorriu e abaixou a cabeça — Obrigado, princesa Eclypse. Desfrutaremos, não se preocupe.
Continuei meu caminho até Cyrus me despedindo de Spade e agradecendo mais uma vez pelo resgate. Meu irmão pegou a minha mão e nos posicionamos na entrada, os nobres se reuniram para seu pequeno discurso num semi-círculo.
— Agradeço a todos por sua presença, infelizmente vossa majestade rei sol se encontra indisposto, mas saúda a todos vocês com votos de alegria. — sua voz era clara as pausas perfeitas, um discurso de um líder — Nessa tarde nos reunimos em festividade, em comunhão relembrando o bom convívio com nosso reino irmão, Aruna, terra protegida pela lua.
— Por favor recebam o representante do Imperador Lua, Príncipe Charon Raka D'Aruna.
Charon surgiu com as mesmas vestes escuras de sempre, porém diferente do tom sólido de preto que estava acostuma a ver sua capa parecia ser uma continuidade do meu vestido. Virei minha cabeça para Apollyne que tinha um grande sorriso no rosto, com certeza tinha suas delicadas mãos nesse detalhe.
As moças estavam completamente vidradas no aruano, e pequenos aplausos o acompanhavam. Pela primeira vez o rapaz inconsequente e despreocupado parecia estar à altura de seu título.
— Agradeço príncipe Cyrus pelas gentis palavras, também a todos vocês que compareceram a essa recepção. — disse sorrindo e arrancando algumas exclamações das moças, do canto vi Aibek colocando a mão na cabeça —, aproveitem. Comemoramos nessa tarde nossa união e bom relacionamento. Também vou usar o momento para fazer um convite.
Parecia um pouco cedo para anunciar a competição de inverno, mas ele devia saber o que estava fazendo.
— Princesa Eclypse, concede-me a honra de ser minha acompanhante? — Charon esticou a mão em minha direção se curvando levemente os olhos azuis fixos em meus esperando uma resposta.
— Será um prazer — aceitei sua mão.
Assim que tiraram a atenção de nós me aproximei — O que você pensa que está fazendo?
— Prometeu me ajudar a encontrar cavaleiros para a competição, vão vai me dar atenção se ficar andando por aí — explicou com um sorriso —, também não tem nada demais já que somos amigos. Até estamos combinando.
— Não poderia ter me avisado antes? — o questionei.
— E qual seria a graça nisso? — me estendeu o braço sem tirar o sorriso torto da boca — Conto com você para me ajudar Ely.
'Que o sol me alumie'
Hellou! Obrigada por ler até aqui! Eu amei os Chibis desse capítulo, eu dou risada sozinha fazendo.
Para os desenhos minha tentativa vai ser sempre 1 sério, e 2 chibis, se não acredito que atrapalha na leitura também já que a maior parte é escrita.
Me deixe saber seus pensamentos!
Próxima atualização: 14 de Dezembro
Até mais, Xx!
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