Aquela Promessa ୧ ⎯
Liberdade, e principalmente silêncio. Após escapar da mansão Veroni a noite, sob o meu disfarce de Lipe, resolvi andar pela cidade, já que a distância da mansão do duque é mínima.
Não é grande como Solaris. A academia veio primeiro e a cidade se desenvolveu entorno dela, viva e colorida, até mesmo de noite os restaurantes e cafés ficavam abertos. Restaurante com mesas na calçada, e de fachada simpática, serviam de ponto de encontro para os estudantes, esses aproveitavam as horas livres para se divertir antes de retornar para os dormitórios.
Se tivesse uma arena como a de Voil poderia aproveitar e colocar meu corpo para se movimentar, principalmente após dias ociosos de recuperação. Mas esse não é o caso, apenas ver um cenário diferente e estar no meio de pessoas comuns é o suficiente por hoje. Além de comer qualquer coisa que meu estômago desejar.
Lanternas iluminadas e coloridas tomavam as ruas, conversas e risadas eram o som ambiente. O calor das ruas não era tão intenso como as da capital e ainda assim era acolhedor.
— Me desculpe atrapalhar — um vendedor se aproximou da mesa onde observava as pessoas com uma pequena cesta repleta de gostosuras. — Aquelas garotas mandaram para o senhor.
Olhei por cima de seu ombro, havia uma mesa de garotas na distância. Assim que perceberam que eu estava olhando, apesar do capuz cobrir meu rosto, deram risada e se esconderam.
— Obrigado — respondi ao homem. Receber comida de graça é sempre uma vantagem, sendo Eclypse ou Lipe pouco me importa. Ter trago as poções foi talvez a melhor decisão que tive.
Que o chefe da cozinha do palácio não me ouvisse dizer isso, mas aqueles quitutes de rua eram mais saborosos do que os que servia. Ou apenas a situação tornava qualquer alimento mais gostoso, uma vez que o palácio do sol não é o meu lugar favorito.
Quem sabe na próxima viagem possa trazer Cyrus e então ter uma visita oficial como princesa.
Não queria gastar todo o meu tempo extra ali, na hora de ir embora passei por uma das docerias e deixei instruções para entregar para as senhoritas alguns de seus produtos. Um retorno por sua gentileza.
Ajeitando o capuz e saindo pelas laterais, me afastei do centro andando pelos becos não tão iluminados. Não cheguei a me afastar tanto da rua principal quando escutei passos atrás de mim.
Sorrateiramente escorreguei a mão por dentro da capa e segurei o punhal da adaga, havia uma curva na viela que me daria a vantagem sobre quem quer que fosse que estava me seguindo. Assim que dei o passo me escondendo, preparei o ataque.
Um grito agudo soou, e preso entre meus braços havia uma das garotas risonhas da mesa.
Afastei a lâmina e a guardei, afrouxei o aperto sentindo a jovem tremer embaixo de mim. Não devia ser muito mais nova do que eu, se tivesse que chutar, talvez a mesma idade.
— Não é sábio se esgueirar atrás de alguém — me afastei.
— Me desculpe — disse. A garota tinha cabelos num tom escuro, refletidos pela lua, tinham até um brilho azul. Grandes olhos violetas e uma figura elegante, suas vestes não eram ricas, porém também não era de uma baixa qualidade. Seu rosto estava corado e as mãos juntas em seu colo.
Na distância escurei barulhos de luta acontecendo, balbúrdias como aquelas não são comuns na cidade dos estudiosos.
— Uma dama não devia estar por aqui.
— Eu queria agradecer pelos doces — comentou sem me olhar nos olhos — e também... Perguntar qual o nome do cavalheiro!
Certo... É sobre isso. Será que Cyrus também sofre desse tipo de coisa?
— Me desculpe senhorita, isso é algo que eu não posso responder. Como desculpas me permita a acompanhar até a avenida — estendi o braço.
O desapontamento era claro em seu rosto, mas aceitou minha escolta. A cada segundo a noite se tornava mais escura e as pessoas começavam a se retirar. Acabei voltando para o mesmo lugar onde entrei, a garota se desculpou dizendo ser uma tola e estar envergonhada.
— Não se preocupe — respondi —, mas se tivesse que dar um conselho senhorita. Um cavalheiro descente não estaria se escondendo nas sombras.
A deixei para trás novamente, seguindo para onde escutei o barulho de brigas. Quando me aproximei reconheci cabelos claros de um certo príncipe tagarela. Haviam três aparentes guardas trocando golpes com ele. Eles estavam num pequeno córrego que passava pela parte menos iluminada da cidade.
Haviam duas opções, esperar para ver como a situação iria de desenvolver, ou fingir que nunca estive ali. Porém, se viesse a acontecer uma fatalidade... Mesmo nas sombras suspirei. Ultimamente tudo roda envolta de manter o príncipe aruano vivo, mas ele mesmo parece não se preocupar em continuar respirando nesse plano.
Por segurança, escolhi observar, também não ia me colocar no meio dos seus problemas.
Em poucos minutos ele colocou os guardas para dormir, e em seguida ele virou na minha direção.
— Para quem me salvou da outra vez, parece um tanto quando indiferente, Lipe.
— Disse que o encontraria de novo, não que iria o salvar uma segunda vez — apontei —, talvez devesse se preocupar em não precisar de ajuda em primeiro lugar.
Charon limpou as vestes dando risada — E qual é a diversão nisto? Estou surpreso em te ver, achei ser um cidadão de Solaris.
— Não sou de nenhum lugar, tenho negócios em todo continente. O que é impressionante é o príncipe de aruna estar se aventurando no ducado Veroni, ainda com Barlor o caçando.
Ele se aproximou ajeitando a própria capa e cobrindo os cabelos prateados novamente.
— Você parece meu guarda reclamando — resmungou —, é só uma volta.
— Aposto que os guardas desmaiados pensam diferente — disse e me virei para anda em direção a outro lugar. Havia uma ponte sobre o rio que passava nas mediações da cidade.
— Não era para ter chego a tanto — respondeu com um tom envergonhado — mas suponho que minhas indagações não ajudaram muito.
— E quais foram?
Momentaneamente um silêncio se instalou, seus passos também se cessaram e nas sombras feita pelo capuz seus olhos brilharam de uma forma quase doentia. Como se tivessem chamas presas atrás de suas iris congelantes.
— O que você sabe sobre gárgulas Lipe?
— Provavelmente o mesmo que todo o resto do continente sabe.
— Então acredita que também não aparecem a mais de 50 anos? — questionou.
Ali como um cidadão de Solaris, e não a princesa Eclypse, não precisava ter medo de visitar os meus pesadelos. Ou dos delírios que disseram que um dia tive.
— Não — respondi —, apesar de ser dizerem ser uma alucinação. Tenho certeza que vi um há menos tempo que isso. Como nas histórias, tem garras que rasgam pedra como papel e força o suficiente para levantar um humano para os céus e sumir.
O príncipe aruano pareceu ficar sério — Viu acontecer com alguém?
— Minha mãe — andei até a lateral da ponta apoiando os braços —, claro que ninguém acreditou.
— Temos mais alguma coisa em comum então — Charon se colocou do meu lado levantando a cabeça —, sei que gárgulas estão aqui a todo instante. Apenas estão mais cautelosos, e aprenderam se esconder melhor. O que perguntei para os guardas era se viram alguma sombra suspeita no céu.
Foi então que ele abaixou a cabeça rindo — Devem ter pensado que eu era apenas mais algum bêbado.
— Não é para menos, faria o mesmo.
— Você é um cara estranho — ponderou —, ao mesmo tempo que me lembra alguém, também é completamente diferente.
— E quem seria? — peguei uma pedra e joguei no rio vendo as pequenas ondas de formarem. Repetindo o gesto.
— A princesa de Solaris.
Segurei a pedra na palma da mão — É melhor mudar minhas atitudes a partir de agora.
— Eh, isso é uma surpresa — Charon se apoiou com os dois braços na lateral da ponte —, não gosta de vossa alteza, a princesa?
E pensar que o pequeno passeio iria se tornar uma conversa tão profunda. A imagem que é refletida nos espelhos me incomoda. Ninguém espera nada de mim, ao menos nada além da morte, até quando a maldição de Solaris deve respirar? A força é realmente a única opção para ser minimamente digna de viver? É só isso que sou, não tem mais nada que dê para se aproveitar nesses meus ossos que cresceram demais?
— O que há de bom para se gostar? — com força joguei a pedra o mais longe que consegui. — Dizem que Solaris estaria num lugar melhor se ela não existisse.
— Se a morte de alguém fosse o suficiente para reinar uma nação próspera, teríamos muito mais casos de morte entre nobres, não acha? — questionou me forçando a virar a cabeça para o encarar — Eu a acho interessante, geralmente se tem a sensação de que damas nobres podem se quebrar facilmente. Ely é forte, é mais fácil ela quebrar qualquer outra coisa.
Fiz uma careta — Está apenas a chamando de bruta.
Charon jogou a cabeça para trás rindo — Um pouco, mas é inteligente, tem um bom senso de justiça. E quando está com vontade de conversar, é uma boa companhia, por isso tenho a sensação que iriam se dar bem.
O que eu diria para mim mesma? Se isso fosse uma oportunidade real. O Lipe, vive um dia de cada vez sem se preocupar com as regras com ou reino. Livre para fazer o que quiser sem ser julgado pelo rei ou toda a corte. Eclypse é a sombra do tão iluminado palácio do sol.
— Ali está ele! Alteza!
— Parece que é minha hora de voltar para a mansão — respondeu —, espero te ver mais uma vez Lipe. E mais uma coisa... Cuidado com os céus.
Dito isso, Charon correu sem esperar uma resposta.
Talvez o motivo do rapaz não ser a minha pessoa favorita, é por ser exatamente aquilo que eu queria ser.
A lua, não o sol.
Minha menina precisa ser cuidada dentro de um potinho.
E o Charon tem um espírito TÃO livre que eu duvido que ele talvez nem siga o que eu planejei pra ele na história hahhahaha.
Próxima atualização: 19 de Abril
Obrigada por ler até aqui!
Até mais, Xx!
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