CAPÍTULO 4

Penitenciária da Toca do lobo, julho de 2018

          Lili sentiu o cheiro fétido do colchão da Toca do lobo. Geralmente, isso a despertava antes do barulho do metal contra metal ou de quando ela tinha pesadelos. Um dia à menos, pensou. Já havia completado três meses. A data de sua injeção química ainda não foi marcada. Certamente, sua mãe estava tentando apelar do outro lado, mas não havia o que fazer. Logo, logo ela morreria e tudo aquilo ia acabar.

          A jovem coçou os olhos e ouviu aquela risadinha maléfica que aprendeu a identificar. Aquela não era uma carcereira comum, pois as outras temiam Lili. Aquela era a cadela de guarda da penitenciária – ou ao menos era assim que as outras detentas a chamavam. Claro que Lili não chamava a carcereira de cachorra, não na frente dela.

          Zulmira Urbano aprendeu a ser o mais asquerosa possível para colocar ordem naquele ambiente hostil. Aos 49 anos, era a mais velha do grupo, logo, escolhida para ser a carcereira chefe – apesar de desconfiar que seus olhos castanhos e fuzilantes a ajudaram nisso. Sua pele morena era um tanto incomum em Faraó, onde predominavam pessoas brancas – na cadeia era diferente, claro. O cabelo curto e cacheado nas pontas estava sempre amarrado num coque sem volume e sem graça. Todos diziam que ela era masculinizada e ela sempre mandou a opinião alheia para a puta que pariu, pois pagava as próprias contas com sacrifício e não permitia intervenções.

          Porém, confessava estar cansada. Seu emprego lhe submetia a grande estresse, apesar de ser realizador colocar todas aquelas vadias no seu devido lugar. Aquilo estava cobrando o seu preço: envelheceu rápido demais. Ela aparentava ter bem mais de 60, com aquelas linhas de expressão fundas. Zuza era rechonchuda e tinha pernas muito grossas como consequência de sua compulsão alimentar. Ela comia por ansiedade há muitos anos, mas nunca procurou ajuda para lidar com aquilo, pois acreditava que psicólogo fosse coisa de maconheiro.

          Havia também aquele uniforme que ela só tirava para dormir, com as chaves sempre na cintura lhe dando um ar de imponência. Ela era temida e poderosa, contrariando todo o futuro de merda que lhe era reservado, igual aos fracassados de sua família. Ela era uma mulher forte física e mentalmente, apesar de só ter 1,50 metros de altura. Apelidaram-na de Zuza ainda na adolescência, quando ela era a valentona da escola. Diziam que era nome de bruxa. Ela não se importou e adotou esse apelido para a vida profissional. Quanto mais impessoal fosse com aquelas porcas, melhor seria.

          Zuza ficou encarando Lili, que olhou-a sem expressão, como geralmente fazia. Ela devia ser psicopata mesmo, como todo mundo falava. Zuza tinha ódio por não conseguir decifrar o que ela estava pensando. Durante aqueles anos, já encontrou presas de todo tipo: raivosas, rebeldes, assustadas, choronas, viciadas, sangue frio, manipuladoras e manipuláveis. Mas Elis Margô era diferente. Era difícil compreender como uma menina tão nova foi se meter numa situação daquelas, ainda mas por ela ter tanto peito para confessar o crime e encarar a Toca do lobo.

          É verdade que não era todo dia que surgia uma menina de 18 anos que matou a melhor amiga a pauladas e, pelo que observava, Lili não se orgulhava disso. Comentavam, informalmente, que foi por causa do garoto, o estuprador, comparsa dela. Mas Zuza conhecia o comportamento de mulheres que matavam por causa de homens. A verdade é que não se sabia o que passou na cabeça de Elis Margô naquele momento. Talvez ela só fosse louca. Zuza mesma notou que ela tinha TOC, especialmente por limpeza.

          E Elis Margô era linda... Como se todo o resto já não fosse suficientemente irritante.

          – Bela adormecida já despertou? – Ironizou Zuza.

          A mais nova arqueou uma sobrancelha. Essa mania que ela tinha de não responder tirava Zuza do sério. Geralmente, era a carcereira quem fazia os outros se descontrolarem.

          Zuza brincou com o seu cassetete de forma ameaçadora. – Você não vai conseguir me ignorar para sempre, seu saco de bosta! Ponha os pulsos na grade!

          Lili obedeceu sem pestanejar. Ela pôs os pulsos na grade no que Zuza algemou-os, separadamente, na altura da cintura dela, virados para trás. Pelo procedimento padrão, Lili ficaria presa à grade pelos próximos 20 minutos enquanto toda a ala era revirada em busca de drogas, objetos cortantes, túneis de fuga, bebida, dinheiro etc.

          – Pronto, Senhora, pode vir. – Zuza gritou para o lado de fora.

          A carcereira até modificava o tom de voz para recepcionar a delegada, a única pessoa no mundo que ela temia. Lili não tirava a razão dela, ainda que achasse que Zuza era apaixonada pela delegada. Aquela era a melhor fofoca da Toca do lobo, pena que ela mal conseguia ver as outras detentas para saber mais. Era difícil imaginar como aquilo era possível. Se Zuza causava nojo, a delegada causava medo, o que era muito pior. A carcereira limpava as mãos na roupa e ajeitava a postura, preparada para bajular a sua superior. Lili sentia seu coração acelerar, intensificado pela sua posição vulnerável. A sensação era parecida com os momentos sombrios que vinha tendo em sua adolescência.

          A delegada Bárbara Velasques adentrou o subterrâneo da Toca do lobo com seu andar imponente. Com aqueles lábios finos formando uma linha dura, poderia muito bem ser uma ditadora sanguinária. A estatura muito alta, o corpo torneado de musa fitness e o nariz empinado ajudavam a reforçar sua rigidez e dureza interior. Só as orelhas de abano que pareciam deslocadas em seu corpo e personalidade, mas que poderiam ser facilmente disfarçadas pelo seu cabelo longo e castanho. Quem não soubesse quem ela era, poderia até convidá-la para uma propaganda causal de xampu.

          Bárbara era o tipo de pessoa que era chamada para aquelas sessões de tortura que ninguém quer fazer. Poderia até ser voluntária, por quê não? Mas não se podia negar que sua beleza também era mortal, com sua pele morena e seus olhos castanho-amendoados. A delegada era exótica, poderosa e conseguia ser mais sádica do que certas detentas que estavam na perpétua.

          A mulher deu um leve aceno de cabeça para Zuza, porque Zuza se contentava com as suas migalhas, como faziam as escudeiras fieis. Ambas eram adeptas da boa e velha impessoalidade e gostavam de andar armadas até os dentes. Aquilo facilitava bastante as relações. Bárbara já estava com 45 anos e, desde que entrou ali, com apenas 28, já sabia de fama de Zuza, o terror da Toca do lobo. Claro, na época a carcereira estava com uma aparência bem melhor.

          – Faz o baculejo. – A delegada exigiu.

          – Sim, Senhora.

          Se não estivesse desesperada, Lili até reviraria os olhos por causa daquela puxa-saco.

          Zuza começou a revistar Elis, apalpando-a por todos os lugares sem a menor cerimônia, mas não sem antes colocar a tornozeleira de choque. Não se podia vacilar com psicopatas, ainda mais quando eram bonitas.

          – Ela está limpa. – Disse, por fim.

          – Muito bem, - Respondeu a outra, encarando Lili. – Vamos à revista!

          Lili piscou lentamente, com deboche. Achava que Bárbara deveria saber que era odiada. A pior parte da revista não era o ato em si, mas o fato de que Lili ficava perturbada em ter as coisas bagunçadas.

          A delegada negou, devolvendo o deboche. Ela fez uma pergunta em seguida, mas não ia gostar quando soubesse da resposta. – Elis Margô, o que foi que você fez? 







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Eu quero teorias!

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