CAPÍTULO 13
Penitenciária da Toca do Lobo, maio de 2019
Lili marcou mais uma linha na parede. Agora, a contagem dela se dava de maneira diferente: já não era mais quanto tempo passou, e sim quanto tempo faltava. Só restavam sete meses contando daquele iluminado 16 de maio. Já Tuana, não podia contar com a mesma "sorte". Seu processo nem ao menos foi marcado, e feliz dela se isso ainda ocorresse naquele ano.
- Ei! Lili! Lili! Está sentindo esse cheiro?
- Estou sentindo o cheiro da sua batata assando! É o que vai acontecer se continuar gritando desse jeito!
Tuana se encostou na grade. – Não, sua besta! É cheiro de homem! E homem com dinheiro! Sabe quanto custa um perfume desses?
- Felizmente, não! Nunca gastei meu dinheirinho comprando perfume para homem!
- Seu eu fosse você, lavava minha boca com sabão!
- Parem com a gritaria vocês duas! – Gritou Zuza, lá de fora.
No começo, Lili estava rindo, já que pensou ser só mais um blefe de Tuana. Imagine! Abraão devia estar vivo na última vez em que um homem entrou na Toca do Lobo. Ela nunca viu um em mais de um ano, tirando os que trabalhavam lá. Ocorre que o cheiro que Tuana estava sentindo era real, porque Lili já começava a sentir também. E, para a sua surpresa, sabia que era um Paco Rabanne. Tuana tinha um faro bem apurado em se tratando de homens.
- O Senhor não repara não, é que a gente está com uma presa provisória... Sabe como é... Não é fácil organizar todas elas... – Zuza tentou contornar.
- Entendo perfeitamente. – O homem disse, mexendo nos botões de sua camisa de forma nervosa.
Primeiro, ele passou pela cela de Tuana, já que não podia chegar até o fim do corredor sem isso. Ele ficou surpreso, pois não esperava a existência de outra pessoa ali na "Toca", como era conhecido o subterrâneo da penitenciária. Não era a primeira vez que vinha ali. Mas o rosto da mulher negra que estava na cela não lhe era familiar e, se ela era uma presa de alta periculosidade, todo mundo deveria saber quem era. A mulher, que devia ter 20 e poucos anos, olhou para ele de forma intensa, boquiaberta e, em seguida, lambeu os próprios lábios numa expressão assediadora.
Ela encostou-se na grade. – Está perdido, neném?!
A carcereira deu uma cacetada violenta na cela que quase pegou nos dedos da detenta. – Ora, se controle!
- Perguntar arranca pedaço?! Não arranca!
- Está tudo bem! – Ele estava acostumado a ser assediado nas prisões, por homens, mulheres e até mesmo pelos agentes da lei. Seu um repórter criminalista o ensinou a lidar com isso.
- A cadeira está ali, encostada. – Zuza apontou para a cadeira de madeira em sua frente. – Lembre-se: fique a um metro e meio de distância dela. Nunca se pode ficar a uma distância suficiente para que ela enfie os braços pela grade e acabe te agarrando. Não encoste na grade, porque se ela entender que as suas mãos estão sujas, ela vai entrar em crise. Nós deixamos você trazer uma caneta porque é o seu trabalho, mas em hipótese alguma isso pode chegar nas mãos dela. Entendeu?
Ele fez que sim. Aquela mulher era bem intimidadora para ele ousar não obedecê-la.
- E, por fim, cuidado com o assunto que vai tratar. Se ela se agitar demais e não conseguir conversar enquanto estiver solta, vou ter que algemá-la e colocar a tornozeleira, o que é um trabalho difícil. – A carcereira olhou para o relógio em seu pulso. – Você tem 40 minutos contando de agora.
Os dois acenaram com a cabeça um para o outro. O homem agradeceu e Zuza foi vigiar na frente do subterrâneo.
O homem respirou fundo. Ele estava nervoso, é verdade, mas também muito satisfeito: aquele era, provavelmente, o trabalho mais importante e grandioso que teria em sua carreira. Depois de meses tentando e entrando com pedidos à Juíza Ana Graça Vidal, finalmente, conseguiu autorização para entrevistar Elis Margô de Valente.
Elis ouviu tudo o que Zuza falou. Então, quer dizer que alguém, um estranho, veio visitá-la? Será que era um assistente social? Ou um novo psiquiatra? Seria bom, pois o dela era um corrupto incompetente. Se bem que ele poderia ser da televisão. Lili lembra de ter dado uma entrevista antes de entrar ali. Na época, diferentemente de agora, ela ainda não era uma culpada.
Os passos masculinos foram se aproximando até que ele, finalmente, chegou na frente de sua cela. Ele era um homem de estatura e musculatura média. Nada que chamasse muita atenção, apesar de que não podia negar que ele tinha lá a sua própria beleza. A pele dele não era simplesmente branca, era rosa, daquele tipo que fica muito vermelha com uma simples mudança de humor. O que ela tinha que admitir é que os cabelos eram um charme: cacheados e cor-de-mel. Ela tinha quase certeza que aquilo era natural. Ele parecia um daqueles vocalistas das bandas que ela curtia na sua pré-adolescência, só que mais velho.
O homem sorriu de leve para ela, segurando sua pasta de couro com força. Ele também tinha medo dela: ela podia ver isso só pelo movimento daqueles olhos castanhos. Talvez a repudiasse também, mas precisava conversar com ela, porque aquele era o seu trabalho.
- Como vai Elis? Eu sou o Rodrigo Macena, jornalista investigativo. Eu queria muito conversar com você, pode ser?
Lili fez questão de escaneá-lo de cima a baixo, de forma que ele soubesse que ela estava de olho. Então, ela enfiou as mãos nos bolsos e deu um leve aceno de cabeça. Tinha que ser cautelosa, pois não sabia o que aquele homem queria e muito menos como essa conversa ia sair nos jornais.
Ele virou um pouco para pegar a cadeira velha logo atrás e a puxou para ficar próximo de Lili. Foi a pouco mais de um metro, como Zuza mandou. Ele sentou-se e cruzou as pernas, como só os cavalheiros de Bibiana faziam, ajustou as mangas da camisa social e colocou a pasta no colo. Enquanto abria, ele disse que ela poderia se sentar, se assim quisesse, pois eles ainda tinham quase 40 minutos.
- Estou bem assim. – Ela disse, e aproximou-se o máximo possível da grade para visualizar aquele estranho.
O homem estremeceu um pouco diante daquela desobediência, mas tentou não demonstrar.
- Bom...
- Há quantos meses está divorciado? – Lili disparou.
Rodrigo não pôde esconder o seu susto. – Como...?!
Ela olhou bem para a mão dele. – Tinha uma aliança aí, nessa marca de bronze. Não faz muito tempo que você a tirou, faz?
Rodrigo olhou para a sua mão onde, de fato, a aliança estivera um dia. Como pode ela ter reparado nesse detalhe? E pior: ter feito tal analogia?
- Sim, faz alguns meses. Você é bem perspicaz, Elis.
- E essas queimaduras aí? O que você estava fritando?
Mais uma vez ele foi tomado por um susto que beirava o terror. Haviam, de fato, alguns respingos em seus braços e pescoço de uma linguiça que tinha inventado de assar.
- Era o meu almoço. Mas nós não estamos aqui para falar de mim, não é!? – Ele tentou demonstrar o mínimo de autoridade diante dela. Não podia deixar que ela o manipulasse.
Ela coçou de leve o nariz. – É que nada acontece por aqui. – Justificou-se. Era impressionante a linguagem corporal que ela passava de "não estou nem aí". Rodrigo ficou curioso para saber se ela sempre foi assim ou se aprendeu aquilo lá.
-Eu queria dizer, primeiro, que estou trabalhando de forma independente, e não para um jornal específico. Só publicarei o que você permitir, ok?
- Uhum.
Ele deixou o papel apoiado na pasta, a caneta numa mão e um pequeno gravador na outra. Depois, o homem se ajeitou na cadeira. – Então... Você está completando um ano e um mês de prisão agora. Com que idade está agora?
- 19. – Ela continuava agarrada à grade.
Ele fez uma breve anotação. – Você nasceu em Bibiana mesmo?
- Não. – Ela balançou a cabeça. – Fui para lá aos cinco anos.
- Sempre morou só com sua mãe? Você nunca mencionou a existência de um pai...
- Não existe pai. – Dessa vez, ela desencostou da grade e pôs as mãos para trás. Estava ficando na defensiva.
Rodrigo decidiu mudar de assunto. - Os psiquiatras te diagnosticaram com um transtorno comportamental grave. Você tem recordações de comportamentos anormais na sua infância e adolescência? Ataques de fúria, incapacidade de interagir com o outro, falta de empatia?
Lili não respondeu. Ao invés disso, ela retrucou. – Você parece já ter trazido todas as respostas na sua maleta. Então, por que me pergunta?
- Pergunto porque quero saber como você sente, especialmente, sendo um caso que tem chamado tanta atenção da mídia.
- Como eu me sinto? – Dessa vez, ela sentou na cama, com a coluna encurvada. – Isso é pergunta que se faça?
Naquele momento, uma carcereira veio buscar Tuana para o banho de sol. Enquanto era algemada e conduzida pelo corredor, ela olhou para trás e deu um grito: - Lili, pergunta quantos anos ele tem e se ele gosta de afrodescendentes!
Lili teve vontade de rir, mas não queria perder a postura na frente daquele estranho.
- O que ela fez para estar aqui no subterrâneo? Não sabia da existência de mais presas de alta periculosidade...
Ela não ia morder a isca dele. Não mesmo. Se ele descobrisse que Tuana estava ali ilegalmente, poderia dar um jeito de mandar a justiça tirá-la. E Lili não queria passar seus últimos dias sozinha, conversando com as paredes de pedra.
- Ela matou o marido e o filho. – Respondeu, fazendo uma expressão de pesar. – Com facadas.
Rodrigo pareceu ignorar a veracidade daquelas palavras. – Sabe, Elis, não estou aqui para condenar você, ok?! Não sou jurista, essa não é a minha função.
O homem olhou para um lado e para o outro e, depois de ver que realmente não tinha mais ninguém no corredor, fez o ousado movimento de aproximar um pouco mais a sua cadeira. Desde que sua mãe morreu, ninguém chegava tão perto dela, a não ser para algemá-la ou surrá-la. De repente, Lili ficou comovida com aquilo.
- Sabe, estive com Christopher também, ainda nessa semana...
Pela primeira vez, a psicopata demonstrou interesse genuíno no que aquele homem estava dizendo. Sem acusações e sem sarcasmos. Rodrigo só não soube, a princípio, identificar qual o verdadeiro sentimento dela pelo garoto.
Mas, ele saberia em breve, logo depois das catástrofes que iriam ocorrer antes daquele 16 de dezembro.
Ele suavizou a expressão corporal. – Quero saber, Elis Margô, o que foi que você fez?
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