CAPÍTULO 11

Penitenciária da Toca do lobo, Janeiro de 2019



Ela fez mais um risco na parede. Nove meses. Agora entendia porque as grávidas ficavam tão ansiosas: aquele tempo era uma eternidade. Ela tinha acabado de fazer 19 anos. A data de sua execução ainda não tinha sido marcada, nem ela tinha notícias de Chris, nem recebeu nenhuma visita dos Avós, como previsto. Tudo o que ela tinha era Zuza, a carcereira, prometendo que, qualquer dia desses, ia enfiar o cassetete dentro dela.

Lili respirou fundo e foi tomar o seu banho. As câmeras ainda estavam lá, mas ela já não se importava mais. Enquanto lavava o cabelo, percebeu que ele estava maior que nunca. Ela queria cortar, mas a cabeleireira da prisão tinha medo dela, e não tinha coragem de deixar uma tesoura assim tão perto da psicopata. Que se dane! Ao menos ela tinha bastante Shampoo que o seu avó mandou entregar ano passado. Ela esperava que aquilo durasse tempo o suficiente e não acabasse antes dela morrer. Nunca pensou, em sua vida, que um dia ia ter que se preocupar se havia Shampoo ou não. Esse não é o tipo da coisa que se passa pela cabeça de uma pessoa que mora numa mansão e tem tudo.

Ela saiu do banheiro secando o cabelo e o corpo. Já não fazia mais diferença se alguma carcereira estava passando por ali. Lili vestiu sua roupa íntima que pinicava e depois colocou uma calça de flanela por cima, com a camisa do uniforme. Ela pegou a vassoura e saiu enxugando a água que sujava a cela, cautelosamente. Depois de verificar, mas uma vez, se tinha deixado todos os tubos fechados e longe da ponta da prateleira, ela sentou-se na cama e foi hidratar e pentear os seus cabelos. Para esquerda até onde alcançar, para a direita até onde alcançar. Ela lembrou-se da fala da mãe e engoliu em seco.

Então, Lili foi amarrar o cabelo, e acabou achando um laço de pano. Era de cetim, para ser mais específico, e vinha junto à maria-chiquinha de pôr no rabo de cavalo. Aquela foi uma das poucas coisas que Lili pôde levar para a cela, além de uma pulseira de pano e suas lentes de contato. Foi o homem misterioso quem deu aquilo para ela, junto a uma toalhinha de rosto. Ao menos ela acha que era um homem, porque ela viu uma figura estranha ao longe naquele dia.

Ele era caminhoneiro. Estava usando um boné vermelho e botas e cinto gastos. Lili só o viu de costas. A barriga era avantajada, como um pai que bebe bastante cerveja. Ele estava com pressa, queria sair sem ser visto. Se não fosse ele quem vinha entregando os presentes, só podia ser um enviado desse alguém. Ele virou de lado quando chegou perto de seu caminhão, mas Lili não pôde ver o rosto. Isso já fazia mais de um ano. Ela correu atrás, mas ele simplesmente entrou no caminhão e zarpou, com uma habilidade impressionante.

Não. Ele não podia estar ali a mando de alguém, já que, mais uma vez, não havia endereço no presente. Aquele homem sabia tão bem quem eram elas duas que até mandou umas flores para a casa de praia de Nice, quando elas estavam de férias no verão. Lili anotou a placa do caminhão bem rápido, e descobriu que ele pertencia a uma empresa que terceirizava os seus motoristas para fazer a entrega. Obviamente, ninguém disse a ela quem era o motorista que dirigia o caminhão que ela viu. Então, Lili esperou-o por dias, mas nunca mais conseguiu avistá-lo tão de perto. No aniversário dela, ele mandou um bolo de pote, no de Nice, uma cesta de pão. Depois, ela entrou na cadeia e nunca mais o viu. A última notícia que teve foi do objeto de porcelana que ele ia levar para Nice.

Aquele homem foi o último a ver sua mãe. Ele pode ter chegado depois que ela estava morta, como também pode der visto algum movimento estranho. Alguém pode ter entrado na casa, Nice pode ter recebido uma ligação suspeita, tomado alguma substância, ter tido um ataque... Qualquer coisa. Qualquer coisa que console Lili e deixe claro que sua mãe estaria consigo se pudesse!

ѽ ѽ ѽ ѽ ѽ

- Vamos, Lady Maguila! Aproveite o seu novo lar!

Lili acordou ao som da voz enjoada de Zuza, mas não era com ela que a carcereira estava falando. Uma grade de cela foi aberta, mas não era a de Lili. Ela era a única no subterrâneo, que era o lugar para onde iam as presas de alta periculosidade, como as psicopatas. Então, havia uma mulher muito perigosa chegando. Poderia ser uma grande traficante ou mesmo uma serial killer. Nesse momento, ela decidiu que, para sobreviver, precisava seguir as regras de hostilidade da cadeia. Todas tinham medo dela, e ela precisava usar isso ao seu favor. Chegou ao subterrâneo primeiro, então era ela quem mandava ali.

A cela foi fechada e Zuza foi embora balançando as suas chaves. Lili não podia ver a cara de sua "companheira", porque o subterrâneo tinha uma lógica arquitetônica única: as celas não ficavam de frente uma para a outra. Enquanto a novata estava no início do corredor, Lili estava ao final. Mesmo que se encostasse no canto do cômodo, bem perto da grade, não conseguiria ver o que estava do outro lado. Isso era para evitar brigas entre pessoas perigosas. Elas poderiam conversar uma com a outra, mas não podiam se encarar. A curvatura do corredor não permitia isso. O que restava a Lili era colocar a outra contra a parede à distância.

- Ei! Quem é você? O que foi que você fez?

Uma voz assustada surgiu. – Quem está falando?

- Sua mãe! Eu perguntei quem é você e o que foi que você fez.

Lili quase pôde sentir a mulher vibrar. Ela gaguejou um pouco. – Me chamo Tuana. Tuana Garcia. Eu era uma mula. – Ela falou a última parte bem baixo.

Lili agarrou-se à grade, mal podendo acreditar no que estava ouvindo. – Mas que porra você está fazendo aqui? Sabe que aqui é a sessão de segurança máxima? Como pode ter vindo parar nesse lugar por estar carregando drogas? – Ela estava blefando, só podia.

Tuana ficou chocada. – O que você quer dizer com segurança máxima? Eu ainda estou aguardando julgamento... Droga! Filhas da mãe!

- Se as filhas da mãe são a delegada e a carcereira, você está certa, mas não devia falar isso muito alto...

Tuana estava perdida. Era ré primária e foi parar no subterrâneo da cadeia. Não havia a superlotação que esperava, só aquela falta de luz e paredes muito grossas. A sessão de segurança máxima. Mas ela cometeu um crime de pequeno porte... Então, o que estava fazendo ali? Mas ela sabia da resposta: era preta demais. Agora, tudo o que tinha era aquela voz do além, que ela nem sabia quem era nem o que queria. A única coisa que sabia era que a mulher no fim do corredor já a odiava, não que ela estivesse esperando um tratamento VIP. E havia outro problema: se a voz fosse de uma presa, como indicava o desprezo pela segurança, quer dizer que ela era uma assassina perigosa. Aquilo era pior que a superlotação. Ela decidiu ser cautelosa.

- Eu posso te perguntar a quanto tempo está aqui?

- Você já está perguntando, não é? – Ironizou Lili. – Mas isso não importa. Não vou passar muito tempo mais. Peguei execução química. – Lili não se orgulhava disso, mas precisava transparecer que sim.

Tuana quase perdeu o ar. – Hum... – Foi tudo o que saiu de sua garganta.

- Elis Margô de Valente, a assassina de Bibiana.

Naquele momento, Tuana testou o limite do seu esfíncter anal. Aquela garota esteve no noticiário todos os dias por mais de dois meses. Ela havia matado a melhor amiga à pauladas dentro de uma choupana velha. Diziam que era louca e psicopata, irrecuperável. E o comparsa dela era um abusador que também estava aguardando pena. Tuana ficou sabendo que ela lutava Judô e era uma corredora quase profissional. Poderia fazer picadinho dela se quisesse. Logo ela, que estava acostumada a ser aviãozinho de uma boca de fumo e carregar pacotes de cocaína em seu estômago e órgãos genitais. Bem que disseram que, na Toca do lobo, ela ia conhecer os criminosos de verdade.

Mas, havia uma coisa que ela tinha em comum com aquela mulher, e fez a besteira de externalizar isso em voz alta em busca de um pouco de empatia.

- Eu sei o que é estar aqui por causa de um homem.

Lili, então, se enfureceu de verdade. Os boatos de que ela tinha um caso com Chris e que matou Mila por ciúmes tinham se espalhado. Aquilo era, de longe, a parte mais dolorosa da história. Ela não tinha nada com Chris: Mila é quem gostava dele, e aquilo sempre foi público e nunca foi problema. Achavam que a grande tragédia da sua vida ocorreu por causa de um homem. Achavam que ela havia matado sua melhor amiga por algo tão fútil. Achavam que Chris era um monstro.

- Lave a sua boca, sua vadia! – Ela esmurrou a grade. A outra ergueu as mãos para o alto, mas Lili não viu.

- Só queria dizer que eu não estaria aqui se não fosse por ele. – Tuana queria se defender, mas também precisava desabafar. – Eu percebi tarde demais que ele ia me levar para o inferno...

- Escute, garota... – Lili apontou o dedo para frente, mas a outra não viu. – Eu não sei quem é você, e você também não sabe nada de mim. Eu vi, a vida inteira, a minha mãe ter a vida dela transformada num inferno por causa de homens, e você não sabe do que está falando. – Por que decidiu falar aquilo para aquela estranha?

- Eu sei, acredite! Até os meus 20 anos, nunca tinha me envolvido com nada errado. Mas, então, comecei a namorar com ele. Ele era o dono da droga que eu carregava. No começo eu achava legal o dinheiro e o poder que isso me dava, sabe? Até que eu percebi que não poderia simplesmente sair da mesma forma que entrei: rápido e numa boa. Ele vai pagar um advogado caro e vai sair rapidinho, além de ter me traído um milhão de vezes. As amantes, a mãe, as irmãs... Estão todas sustentando ele na cadeia, enquanto eu fui largada aqui sozinha, e é sozinha que vou ficar para sempre. – A mulher estava prestes a chorar.

Lili suavizou o tom. – Me admira é que você tenha levado mais de 20 anos para perceber qual a principal utilidade de uma mulher na vida de um homem. – Aquela mulher tinha razão: ela entendia perfeitamente Nice, mas Lili não podia dizer a ela que ela estava certa. – Quanto à solidão... é melhor se acostumar. Não tenho muito contato com as outras, mas sei que quase nenhuma recebe visitas, muito menos de um homem. Até as policiais estão abandonadas à própria sorte.

Tuana teve que se calar porque não tinha resposta para aquilo. Ela só disse a outra que ia tentar deitar porque sua cabeça doía demais. Lili pareceu fazer o mesmo – foi o que indicaram os rangidos das molas. E, ao colocar a cabeça no travesseiro, um momento tão doloroso para quem estava com peso na consciência, Tuana chegou à conclusão de que aquela mulher estava escondendo muita coisa.

Elis Margô, o que foi que você fez? 

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top