⚔ Capítulo 8


*Notas: Ouça a trilha sonora para melhor experiência! Alerta de gatilho: abuso e violência.




        Nikosoli era um péssimo professor, como já havia comentado.

Provavelmente porque nunca precisou ensinar ninguém a fazer qualquer coisa e, vivendo como um Assassino de Bear, sabe-se-lá há quantos anos ele viveu sem interagir com pessoas comuns. Ele não conhecia e tão pouco se preocupava com as regras da didática básica, então precisei me esforçar para compensar suas falhas com minha perseverança. Além disso, Nikosoli estava me fazendo um favor, e eu não estava em condições de exigir muito dele.

Ele me via como a sombra de sua irmã, mas eu ainda era eu, Celine, a filha de um covarde, alguém por quem Nikosoli apenas sentia pena. E Nikosoli ainda era ele, um assassino. Eu não podia ser ingênua a ponto de continuar contando que aquela linha tênue de fantasmas do passado me garantiria qualquer vantagem ao longo dos próximos dias que eu ainda precisaria enfrentar. Contudo, fiquei satisfeita e aliviada. Era muito mais simples ser a lembrança viva de um ente familiar do que qualquer outro possível — e terrível — laço romântico.

Mesmo com a cicatriz em seu rosto, Nikosoli era um homem atraente, o que impossibilitava negar sua beleza sombria. Mas, definitivamente, não estava nenhum pouco interessada em me envolver com um criminoso. Não que eu fosse muito melhor, tentando roubar crianças ou homens bêbados demais para sequer se lembrarem do meu rosto. Suspirei, pesarosa.

Quem era eu para julgar alguém?

— Conhece a história do Pato Larápio? — ele indagou depois que a atendente número dois trouxe à mesa uma porção de bacon frito. Neguei com a cabeça.

— Não — respondi —, só conheço a música.

Corra, corra, Seu ladrão,
se te acharem, não terás perdão!
Fuja, fuja, Sua Ladra!
Vá e esconda-se na tua saia!

E o que fazem se te acharem?
Dê chibatadas em todo ladrão!
E as ladras, ora, que virem escravas!

SE COMPORTEM, CRIANÇAS!
NÃO FAÇAM O MAL.
Lembrem-se dessa canção.

Ele cantou a letra exatamente do mesmo jeito que eu me lembrara. Nikosoli mexia os braços e batia os pés, dando ritmo à cantiga infantil. Senti vontade de rir. Ele gargalhou ao final da música, quando alguns beberrões à esquerda e direita desataram a cantar o último verso com ele. Até mesmo entrei no compasso, batendo palmas. A noite, inesperadamente, agradável. Quando chegou ao fim, os últimos versos continuaram ecoando em minha mente.

— Por que está fazendo tudo isso? — indaguei, deixando de lado minhas preocupações. Ergui os braços e olhei em volta, o clima da taberna estava mais alegre, o falatório aumentou e os sorrisos também. Em algum canto, outros grupos de cantoria se formavam e homens puxavam uma ou outra atendente para dançar e rodopiar entre as mesas. Nikosoli exibiu uma careta confusa.

— Não sei sobre oque está falando — ele não conseguia olhar na minha direção.

— Por que está sendo legal?

Ele suspirou.

— Só quero que confie em mim.

Nikosoli me lançou um sorriso aberto e ergueu a caneca, convidando-me para um brinde. Transbordando incertezas, fiz o mesmo. Brindamos. E quando já estava me esquecendo do motivo de estarmos ali, Nikosoli prolongou-se em um monólogo sobre como tomar cuidado, como se esconder, como se tornar invisível à vista de todos e várias outras instruções menos interessantes que ele mencionara cinco vezes nos últimos dias. Quase desejei desistir.

Não pensei que ter um Assassino como tutor seria tão chato.

— Está prestando atenção? — ele perguntou, subitamente. Acenei que sim com a cabeça, embora não fosse totalmente verdade e bufei, exasperada. — Lembre-se do porquê está aqui, Celine. O olhar dele era severo, como se eu fosse uma criancinha. Detestei aquilo com todas as minhas forças, mas foi útil.

Minha irmã. Magdalena era o motivo. Não podia deixar que ela corresse perigo outra vez, ou que a ferissem. Eu deveria estar preparada para sempre defendê-la, a todo e qualquer custo. Midas me dera uma oportunidade e eu não jogaria fora. Consegui livrar Eugênio de nossas vidas, mas por quanto tempo? Midas fora misericordioso, não posso me dar o luxo de acreditar que o próximo homem a bater em nossa porta cobrando dívidas de meu pai também o seja. Eu simplesmente não poderia permitir que arruinassem a sua vida. Aquela foi a primeira vez que fiquei satisfeita por Nikosoli estar ali, por ser ele, dentre todas as outras pessoas. Se seus motivos eram verdadeiros, se ele me ajudava devido a seu laço com a própria irmã, então ele entendia.

— Está repassando informações há quase quarenta minutos — observei, precisava me mostrar mais interessada. Não queria que ele se arrependesse de ter escolhido me ajudar. — E não me trouxe aqui apenas para uma aula teórica, não é?

Ele tamborilou os dedos na mesa, pensativo.

— Está bem. — concordou por fim, e não pude esconder meu espanto. Não esperava que ele fosse concordar. Nikosoli definitivamente estava quebrando todas as paredes de preconceito que ergui sobre ele. — Apenas tente se concentrar nos pontos principais. Haja com naturalidade, vestida desse jeito não vão associá-la com uma assassina. Você já tem essa vantagem. Evite fazer contato visual se não cogita investir numa conversa de distração, e deslize entre as mesas como se fosse uma cortesã experiente.

Arqueei a sobrancelha e cruzei os braços, muito ciente de que aquele movimento faria meu pequeno par de cerejas ficarem amassados e bem marcados pelo decote do corpete.

— Você fala como se eu soubesse agir como uma — apontei e ele engoliu em seco. Receoso, talvez? Não saberia dizer ao certo. Era um pouco difícil lê-lo totalmente, mas gostei da expressão que se formou em seu rosto. — Por acaso tenho cara de prostituta?

— Não tive a intenção de ofendê-la. — Nikosoli coçou a testa, ganhando tempo para procurar as palavras adequadas. — Apenas tente. — declarou por fim e apontou discretamente para algumas mesas ao redor do salão. — Observe algumas daquelas mulheres ali, como se comportam. Grande parte do trabalho de um assassino se resume a observar e planejar, calcular os passos e também todos os outros movimentos. É claro que depende da experiência e do quão bem treinado é o oponente. Mas aqui não terá grandes problemas. Os homens já estão caindo de tanto álcool no sangue.

— E como sabe que o álcool vai para o sangue?

Ele balançou a cabeça e lançou-me um olhar estreitado, como se eu acabara de lhe dizer para contar uma história a crianças surdas. Depois, assumiu a postura fechada e familiar de sempre, exibindo um olhar pensativo. Achei que adicionaria algum outro comentário, e era a primeira vez que estava genuinamente interessada em ouvir, mas Nikosoli fechou a boca e sorriu.

Tomei aquele sinal como um incentivo para que eu deixasse os pensamentos de lado e me concentrasse em minha tarefa principal: encontrar uma vítima vulnerável. Alguém que estivesse tão inapto e inebriado que até mesmo eu pudesse ter uma vantagem. Olhei em volta, caçando minha presa como um lobo faminto. Era preciso ter minúcia ao escolher, porque depois que eu me movesse até a vítima, não haveria como voltar. Afastei-me da mesa e avancei até o balcão. Não caminhei como de costume, olhando para baixo ou para os lados, ansiosa. Tentei botar em prática os conselhos de Nikosoli. Praticamente dancei até a fileira de bancos, remexendo os quadris sinuosamente, como uma cobra rastejando até sua presa.

E me senti ridícula.

Nikosoli disse que seus métodos de distração não funcionariam para mim, que eu precisaria criar os meus próprios meios. Optei por criar um personagem diferente, então. Nem mesmo em um milhão de anos eu conseguiria fingir ser uma prostituta mesmo dentro daquele vestido, minhas experiências inexistentes com a arte da sedução colocariam o plano todo a baixo.

Eu me aproximei de um grupo de homens que conversavam alegremente, fingindo não notar a presença deles ali a princípio. Debrucei-me sobre o balcão e, cabisbaixa, choraminguei baixinho. Apoiei os dois cotovelos na superfície lisa de madeira e afundei o rosto nas mãos abertas.

O homem à minha esquerda se virou quase instantaneamente, pousando o copo na bancada. Uma mulher delicada, indefesa e machucada era o que realmente chamava atenção dos homens. No fim das contas, eram predadores preguiçosos que ainda gostavam de sentir a adrenalina da caça; preferiam as presas fáceis, mas não tão fáceis.

— Por que está tão triste, docinho? — ele perguntou. Balancei a cabeça, hesitando, e aproveitei para conferir se possuía algo de valor.

Muitos homens daquela região usavam joias ou relógios de ouro com correias de couro no pulso. Aquele usava um relógio e dois anéis. No anelar direito e o outro no dedão. Voltei a choramingar, dessa vez mais alto. Precisava realizar uma boa atuação, afinal.

— Um cavalheiro acabou de me ofender pelo meu vestido — menti, e levantei a cabeça lentamente, inclinando o corpo na direção do homem. — Tudo o que eu queria era me divertir um pouco, é minha última noite na cidade, e depois serei obrigada a voltar para Sisabel.

Foi necessário um terrível esforço para eu não revirar os olhos quando ele concentrou sua atenção totalmente nos meus seios. O olhar vidrado fez uma onda de nojo se espalhar pelo meu corpo, que o homem entendeu completamente errado, pois sorriu feito um leão satisfeito.

— Oh, não diga isso, meu docinho. Está tão esplêndida quanto as deusas da lua! — ele fez um sinal para o homem careca trazer duas doses de licor. Imundo. — Vamos, beba um pouco e divirta-se conosco. — incentivou, cutucando o amigo ao lado, e os outros também se viraram na minha direção, prestando atenção na conversa e erguendo as canecas de cerveja.

Eu sorri, cordial, e agradeci. Eles já estavam tão embriagados que nenhum deles percebeu que meu copo continuava cheio, intacto. Eu ria junto deles, adicionava comentários que não faziam nenhum sentido, fazia elogios exagerados e mentirosos enquanto lhes tocava o braço e até deixei que o homem à esquerda apertasse minha bunda. Tudo estava indo bem até que Nikosoli decidiu atrapalhar meu plano.

Ele surgiu das sombras, não, ele praticamente era a sombra. O olhar severo, tão negro quanto carvão, estava ainda mais sombrio que o habitual. Um arrepio percorreu meu corpo, e identifiquei imediatamente o porquê. Era medo. Nikosoli fitou o homem que tentava se esfregar em mim como se ele já fosse um fantasma, um homem morto. O pânico me invadiu. Ele definitivamente não podia ferir aquele homem ou fazer qualquer coisa que nos causasse problemas. Seria aquilo parte da encenação? Ou Nikosoli estava louco?

Criei espaço entre mim e o homem, subitamente, empurrando-o para longe como se tivesse encostado em brasa quente, o que, de fato, parecia muito com o que eu senti. Os outros que o acompanhavam seguiram meu olhar assustado. Bêbados demais para se darem conta do perigo que se materializou diante deles, tudo o que pude fazer foi continuar parada, imóvel como uma estátua.

Talvez Nikosoli fosse como um felino selvagem. Se ninguém se movesse bruscamente, nenhum estrago de proporções incalculáveis aconteceria.

— Vamos embora agora — vociferou ele, e eu congelei.

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