⚔ Capítulo 23




        Eu senti o ar faltar em meus pulmões. E não entendi porque as batidas de meu coração retumbavam tão alto em meu peito. Tum, tum, tum! Ele batia mais rápido a cada passo, como o som de uma percussão fora de ritmo, meu coração não se importava em seguir ao compasso do maestro. Não me sentia no controle de meu próprio corpo, apenas me deixei levar pela sensação abrasadora que tomava meu peito. Minhas bochechas estavam quentes e, enquanto me aproximava de Nikosoli, suspirei.

Vê-lo ali significava ter notícias de Magdalena, o que fazia uma pequena centelha de alegria se iluminar dentro de mim.

Ele estava sentado na beirada da cama. Os lençóis faziam curvas suaves ao seu redor, onde o corpo dele pesava. Nikosoli estava curvado, os cabelos recém cortados escondendo o seu rosto, caindo para a frente. As vestes eram um pouco diferentes do que eu já havia notado, ou talvez apenas estivesse nervosa demais daquela vez para sequer perceber a semelhança.

Ele usava uma camisa branca de mangas longas e bufantes, com uma calça marrom lisa, e botas nos pés. A blusa estava um pouco mais aberta do que era necessário, revelando sua pele dourada. Era o que chamávamos de pele beijada pelo sol. Soltei um grunhido ofegante ao notar a mancha vermelha estourando a camisa, como se uma explosão tivesse ocorrido sobre o tecido. Corri em sua direção, instintivamente.

— O que está fazendo? — Nikosoli perguntou, simplesmente, o olhar arregalado. Não parecia incomodado, mas sim surpreso. Ele não se afastou de meu toque, então tomei aquilo como um incentivo. Levei a mão até a mancha vermelha, nenhum pouco preocupada com o quão próximos nós estávamos.

Toquei o seu abdômen, estava rígido. Nikosoli segurou minha mão com força, mas não tão forte a ponto de machucar.

— Você está sangrando! — quase gritei, então me lembrei de onde estávamos. Respirei profundamente e tentei me recompor, afinal, não podia atrair atenção demais logo durante a minha primeira estadia no castelo de Reinlynch. Principalmente agora que eu sabia que um dos príncipes estava no castelo também. Midas, com toda a certeza, iria me decapitar se eu estragasse os planos dele.

Tentei me recompor, fui obrigada. Fechei os olhos e inspirei profundamente, afinal, eu não deveria me desesperar. Controlei a minha respiração. Não era eu quem estava ferida. Se Nikosoli conseguia manter a postura, eu também deveria me esforçar para conseguir. Empurrei a mão de dele e continuei com a minha tarefa de desabotoar a sua blusa. Pretendia limpar o sangue, a princípio, e improvisar uma atadura para que não ficasse ainda pior aquela ferida.

Ele ficou imóvel durante todo o processo. E por um segundo, eu também. Meus dedos ágeis seguiram até os botões da camisa. Haviam quatro ainda para desabotoar. Senti a tensão nos envolver a cada instante. As circunstâncias não eram ideais, mas entendi tardiamente o que eu estava fazendo. A realização de estar prestes a vê-lo praticamente despido me atingiu como se um balde de água gelada caísse sobre mim.

— Não precisa... — a voz dele falhou. A camisa estava aberta, e havia pouquíssimo espaço entre nós. — Não precisa fazer isso. Não nada com o qual eu já não esteja acostumado.

— Cale a boca.

Nikosoli engoliu em seco, mas um riso frouxo escapou de seus lábios ao mirar minha cara enrugada. Aquilo não me deixou mais feliz.

— O que pensa que está fazendo, Celine? — ele indagou, com um ar de sabe-tudo. Aquilo me irritou e, por um breve segundo, esqueci-me do quão rápido meu coração batia. Bem lá, no fundo, eu sabia. Sabia que não deveria ter me preocupado tanto.

Afinal, Nikosoli era um assassino poderoso, uma criatura com habilidades que eu desconhecia. Por que eu estivera tão incomodada com a ideia de vê-lo machucado? Eu quis me esconder. Naquele instante, ao menos, quis não existir, porque me senti como uma criança indefesa e tola. Respirei profundamente e tentei me afastar, mas Nikosoli não afrouxou o seu aperto ao redor do meu pulso. Senti uma onda elétrica percorrer todo o meu corpo.

O meu primeiro instinto me levou a querer empurrá-lo para longe, mas não o fiz. Por algum motivo que eu desconhecia, não encontrei forças para afastá-lo; pois seria rude e o olhar que Nikosoli sustentava em minha direção me fazia querer abraçá-lo. Não percebi o quão próximos estávamos, quase podia sentir o calor de sua pele. Ao fechar os olhos, conseguia facilmente ouvir nossos corações batendo, em um ritmo que se entrelaçava como nó.

Me inclinei, repousando a cabeça no peitoral exposto. Aquela era uma ideia absurda e estúpida, mas Nikosoli não recuou.

— Tive um longo dia —, suspirei. Foi tudo o que consegui dizer. Nikosoli abraçou o silêncio e me senti mais confortável, pois podia fingir que ele não estava realmente ali. No entanto, quando menos esperei, senti seus dedos quentes sobre minha pele. Seus braços me envolveram, ternos; era como se estivesse com medo de me tocar, com medo de que eu esfarelasse em seus braços.

— Está tudo bem — ele me assegurou. Respirei profundamente, mais porque eu queria que tais palavras fossem verdade. Queria que tudo estivesse realmente bem. Queria não estar neste castelo maldito. Queria não ter as mãos de Midas ao redor do meu pescoço, queria, acima de tudo, desesperadamente, que Nikosoli não fosse um monstro e, ainda mais, que eu não estivesse tão perto de me tornar um.

— Estou com saudade de Magdalena. — afastei-me de seu abraço apenas o bastante para que eu pudesse erguer a cabeça em sua direção. — Em sua próxima visita poderia trazê-la escondida em sua capa mágica... O que acha?

Nikosoli bufou, e soube que o momento agradável tinha se desvanecido. Ele endireitou a postura e fui obrigada a fazer o mesmo.

— Não sou o seu mordomo.

— Não foi o que eu disse.

— Não posso trazer a sua irmã até aqui, é muito perigoso.

— Eu sei... — suspirei. — Não sei onde estava com a cabeça.

— Está com saudades. — ele respirou profundamente, anui silenciosamente. — Trarei notícias sobre sua família em breve. — ele disse, as sobrancelhas torcidas. — Por que achou que eu viria vê-la outra vez?

— Você é um bom mordomo — não consegui conter a risada, e foi o suficiente para que Nikosoli rompesse as barreiras de sua careta mal-humorada. Ele esboçou um sorriso, um de verdade. Com dentes à mostra e olhar amigável. Ele estava sorrindo e estava feliz.

Subitamente, Nikosoli se levantou. A palma da mão estava estendida em minha direção, voltada para cima. Um convite silencioso.

— Venha comigo — ele pediu, e assim o fiz. Assim que apertei seus dedos, Nikosoli e suas sombras me envolveram num toque gélido. As sombras eram familiares, até mesmo o cheiro de umidade que as cercavam não me incomodavam mais. Poucos instantes depois, o firmamento tornou a surgir sob meus pés. A brisa tranquila da noite balançou os meus cabelos. Acima de nos, um manto estrelado em meio ao azul profundo. Milhares e milhares de pontos brilhantes. Respirei profundamente. As sombras haviam desaparecido.

Estávamos no que julguei ser a torre mais alta do castelo, acima de tudo e todos, empoleirados entre os telhados como vigas de ferro. Nikosoli me segurava com força.

— Uau — não conseguia desviar a atenção do céu. Estava incrivelmente lindo. — nunca o tinha visto de tão perto assim, é incrível!

— Sim, incrível...

Sua voz rouca chiou em meu ouvido, senti seus lábios rocando no lóbulo da minha orelha e uma corrente elétrica percorreu todo o meu corpo, exatamente como da primeira vez.

— Está com medo de cair? — perguntei.

— Estou com medo por você.

— Então por que me trouxe até aqui ? — nossos olhares se cruzaram, e vi nele um brilho que nunca vira antes. Vi nos seus olhos o meu próprio sorriso refletido.

— Pensei que, talvez, pudesse gostar da vista. — Nikosoli me guiou cuidadosamente pelo telhado superior até um pavimento reto que ligava as torres superiores. Nos sentamos lado a lado, ele não soltou minha mão nem por um segundo.

— Obrigada.

Ele torceu o cenho.

— Disponha.

— Não vai dizer o que veio fazer aqui? — indaguei e Nikosoli bufou. — Quer dizer, devo acreditar que veio me tirar de meu sofrimento e propor um entretenimento ao luar? Ou apenas veio checar se eu continuo...

Nikosoli voltou a sua atenção para o céu.

— Fiquei preocupado. Somos assassinos, mas eu não... nunca concordei com esse plano absurdo. Você é uma pessoa inocente, não vereia estar aqui. Passe todo esse tempo apenas torcendo para você conseguisse sair desse acordo ilesa, afinal, não foi sua culpa.

Nikosoli suspirou, os ombros pesados não se mexeram, ele carregava tanto sob aquele emaranhado de preto... tanto ódio, tanto pesar, tanta tristeza.

— Sabe, você também não é tão ruim.

— O que quer dizer?

Não fiz mais perguntas. Apoiei minha cabeça em seu ombro e contemplamos o silêncio da noite. Pássaros voavam ao leste, migrando, provavelmente. As nuvens não ousaram cobrir o brilho das estrelas. Ao erguer minha cabeça, Nikosoli se inclinou lentamente. Nossos lábios se tocaram brevemente antes que o assassino de bear se afastasse.

Aquilo foi aconchegante, como um beijo de boa noite, sem qualquer segunda intenção. O som tranquilo de nossas respirações se emaranhar num ritmo uniforme. Não percebi quando dormira, nem quando Nikosoli desaparecera outra vez.

Acordei no dia seguinte entre os lençóis caros da corte, numa cama macia e imensa; como o sopro de um conto de fadas num terrível pesadelo.


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