⚔ Capítulo 2
— Acorde. — ouvi e, em seguida, como se já não houvesse sofrido o bastante nas últimas horas, recebi um chute no estômago.
Pude sentir a claridade queimar contra as minhas pálpebras antes mesmo de abrir os olhos, e eu lutei muito contra a curiosidade, contra todos os instintos de fazê-lo. Porque, simplesmente, eu não queria encarar o que estava por vir. Talvez, se eu me recusasse a levantar, se me recusasse a obedecê-los, poderiam me descartar mais rápido e tudo estaria acabado num segundo.
A ideia me parecia bem mais atraente do que ser torturada para então, depois de muitos minutos ou hora, acabar encontrando o mesmo fim trágico. Mas meu corpo me traiu e me remexi, bloqueando o ponto atingido com as mãos instintivamente. Desejei morrer mais uma vez por isso. Mas a Deusa estava me desafiando naquele momento e continuei viva.
Abri os olhos.
— Ótimo. Essa daqui já está acordada. — disse a mesma voz rouca, afiada e desconhecida. Eu o odiei, porque era como ouvir um urso sangrando e morrendo, urrando no seu último sopro de vida. Triste e assustador. — Tragam a outra — emendou ele, utilizando agora um tom menos divertido e mais autoritário. Fiquei feliz de não ter dado ordens a mim.
— Ele não precisa da outra — outro homem disse. Era Magdalena, estavam falando de minha irmã.
— O Anfitrião deseja ver as duas — respondeu o primeiro, o mesmo que me acordou com um chute no estômago. Talvez um dia eu pudesse lhe retribuir o favor. Quando o homem caminhou para o meio da sala, pude ver seu rosto. Era o homem de cabelo vermelho e cachos penteados para trás. Não me surpreendi. Por algum motivo, aquela voz de animal selvagem à beira da morte combinava com ele.
Tentei me levantar, mas fracassei. Sentia os músculos latejando, os ossos doloridos, a carne queimando. Estava prestes a quebrar ao meio ali mesmo, na frente deles, mas consegui reunir força o suficiente para me manter ajoelhada. Quando trouxeram minha irmã, quis matá-los.
Um homem de bandana vermelha amarrada na testa puxava-a pelo braço enquanto ela se debatia. Virei o rosto, fechando os olhos como se pudesse bloquear a visão. Mas não podia fazer nada quanto aos gritos.
Ouvi mais passos se aproximando, dois ritmos diferentes. Tap. Tap. Tap. De repente, a sala ficou mais silenciosa do que um sepulcro vazio. Levantei a cabeça, um pouco mais corajosa. Se ainda estávamos ali, vivas, pudesse haver esperança... talvez não planejassem nos matar.
Uma corrente gelada subiu pela minha espinha. Por algum motivo, aquela ideia me agradava menos ainda do que a morte. E a surpresa deve ter ficado nítida em meu rosto, porque o homem de cabelo vermelho deu um meio sorriso selvagem.
A sala era ampla e bem iluminada, quase parecendo um salão de festas — apenas alguns metros menor. Havia candelabros de ouro, de espessuras e tamanhos variados, espalhados por todo o recinto, pendurados nas paredes e sobre os mezaninos de canto. Também tinham muitos quadros, todos com pinturas exuberantes, muitos eram retratos ou paisagens bucólicas. Espirais dourados e arabescos enfeitavam as molduras de madeira, deixando as pinturas com um aspecto bem mais dramático e teatral do que eram de fato.
Havia janelas cumpridas do lado direito, que iam do teto ao chão, iluminando o ambiente com luz natural durante o dia. Cada janela comportava varandas na área externa, onde podia-se pendurar no parapeito de mármore para admirar as montanhas ao longe e as florestas abaixo. Vasos de vidro com flores vermelhas dispostas harmoniosamente entre os espaços que separavam cada janela. No teto ovalado, um lustre dourado com cristais refinados brilhava como o sol.
Era um salão exuberante, com uma miríade de detalhes e pequenos objetos luxuosos que nunca pusera os olhos antes. Descobri mais variações de dourado naquela sala do que algum dia achava ser possível existir, cada vez que piscava os olhos, não importava onde, as nuances saltavam, brilhavam e chamavam aqui e ali.
No chão, um tapete felpudo vermelho-carmim sobre o azulejo amarelo-ouro marcava uma linha no centro. A tapeçaria era de veludo, fina e longa o bastante para cobrir quase todo o piso do salão — provavelmente muito mais cara do que o chalé onde eu vivia. O tapete se estendia até um pequeno tablado ao final da sala. Acima dele, havia uma mesa de jacarandá envernizada. O tampo da mesa era tão comprido que as extremidades quase tocavam as paredes, seria impossível pôr cadeiras para alguém se sentar ali.
Desviei o olhar da decoração por alguns instantes. Magdalena estava ao meu lado, também ajoelhada. Atrás de nós, os Assassinos de Bear aguardavam silenciosamente. À nossa frente, dois homens permaneciam imóveis, sentados à mesa. Estavam tão harmonizados com a decoração exagerada e, simultaneamente, silenciosos, que quase os confundi com estátuas. Provavelmente, se um deles não tivesse se pronunciado, eu não os teria notado ali.
Não precisei olhar muito para o primeiro, era com certeza um Nobre, o tal anfitrião ao qual o homem ruivo referiu-se anteriormente. O rosto era anguloso, as sobrancelhas espessas e o olhar escurecido me intimidou um pouco, então desviei. A pele dele era morena, como a areia do deserto queimada pelo sol de verão, mas as bochechas estavam rosadas por causa do vinho. Ele vestia túnicas douradas, de um tecido fino que parecia flutuar ao redor do seu corpo afeminado, enquanto o cabelo branco descia liso até o meio das costas.
Ao lado dele, um homem de meia-idade se agitou. O segundo usava vestes azuis que se assemelhavam ao do seu companheiro, mas pareciam mais surradas e amassadas em algumas partes. Não havia adereços pomposos no seu pescoço e pulsos, era simples. O único que não parecia pertencer àquele ambiente. O segundo homem era bem mais baixo, coluna curvada e ombros caídos. O rosto era redondo e o olhar dócil me fez afundar no desespero.
Aquele não era um estranho, era meu pai.
— Aí estão elas, Eugênio — disse o homem de vestes douradas, erguendo a taça de vinho na altura da cabeça. Eugênio, meu pai, levantou com dificuldade assim que nos reconheceu. — Bom, agora que nossas companhias de ouro chegaram, podemos dar continuidade a essa reunião.
Havia uma marca roxa no olho esquerdo, um corte no supercílio e o ombro parecia deslocado. Com os anos, chamá-lo de pai tornou-se uma tarefa difícil. Naquele instante, ultrapassou as barreiras do impossível. Eugênio aparentava estar cansado, com hematomas no rosto e no corpo, em síntese, destruído. E, ainda assim, conseguiu exibir um sorriso amarelo no rosto. Meu ódio aumentou. Ódio de todos ali naquela sala, principalmente de mim, por ficar feliz de encontrá-lo machucado também.
Era culpa dele, então, por causa dele estávamos ali. Reprimi a vontade de atravessar a sala e cuspir na sua cara. A raiva me fez tremer.Meu pai estava ali, parado, sem reagir, observando enquanto nos tratavam feito animais. Com a merda de um sorriso no rosto.
Reprimi a lágrima. Não choraria ali.
— Celine... — ele disse meu nome e pareceu estranho ouvi-lo, tanto que meu estômago se contorceu. Era a raiva. Os olhos de Eugênio alternavam entre mim e minha irmã. — Magdalena. — ele chamou por ela, ameaçando se afastar da mesa. Observei o medo e a dúvida pairarem nos seus olhos. Ele queria correr até ela, até a filha mais nova, a que realmente precisava de um pai, o pai que ele jamais conseguiria ser. Mas bastou um estalo de dedos do anfitrião para que Eugênio congelasse.
Covarde.
— Quanto vai querer pela mais nova? — o anfitrião balançava a taça de vidro, o líquido girando em sentido horário. Fechou os olhos e inspirou o aroma, contemplando a bebida. Eugênio arregalou os olhos e uniu os dedos das mãos na frente da barriga sobressalente, puxando-os incansavelmente. — Ande logo, diga um preço. Não tenho o dia todo.
— Eu não pensei que... — Eugênio engasgou com a própria saliva, e desejei que ele morresse.
— Você não pensou o quê? Que seria tão baixo a ponto de pagar a dívida com o sangue de suas filhas? — o anfitrião abriu os olhos, tomou o vinho e riu. — Eu também não esperava que precisasse chegar a tanto, mas avisei que haveria consequências para o seu atraso. Não gosto da estupidez humana, menos ainda quando acreditam ser mais do que realmente são. E minha paciência com você acabou.
O anfitrião apanhou uma faca de cabo dourado que estava disposta entre os talheres da mesa e afundou na carne assada. O sangue e a gordura escorriam conforme o homem movia a faca. Eugênio saltou e, satisfeito, o anfitrião entediou-se de brincar com a comida, largando o utensílio sobre a mesa. O tinir do metal contra a madeira ecoou por mais tempo do que deveria.
— O que achou que fosse acontecer, Eugênio? — o anfitrião suspirou, como se fosse o protagonista de sua própria peça de teatro e já estivesse exausto do ensaio. — Vamos, não sou Deus. Não espere misericórdia ou milagres aqui.
— Mas eu pedi que esperasse mais um pouco — as mãos de Eugênio tremiam, a voz falhava. Eu não senti pena alguma. Depois de tudo o que nos fez passar nos últimos anos, encontrando-o tão bêbado que mal conseguia dar dois passos para fora das casas de aposta sem cair ou gastar todo o nosso dinheiro em putas e ópio, ele merecia sentir aquela angústia, aquele pânico.
Mas nem eu ou minha irmã merecíamos pagar por seus pecados. Aquele não era nosso fardo para carregar. Ainda assim, lá estávamos. Presas e expostas como animais, sendo negociadas como moeda de troca por homens sujos em uma dívida, dentre outras coisas, nojenta.
— Sei que perdi muitas moedas e a dívida está bastante alta, mas estava quase conseguindo, estava quase...
— Basta. — pediu o anfitrião. — Eugênio, você sempre foi um apostador talentoso — meu pai balançava a cabeça assiduamente —, mas não faço negócios com mentirosos. Suas chances se esgotaram no minuto em que o peguei tentando fugir. — Fugir? Atrás de mim, o choro de Magdalena se intensificou. — Shhh... Acalme-se, criança.
O anfitrião sorriu na direção da minha irmã.
Eugênio se encolheu e engoliu em seco, calado. Magdalena não emitia mais nenhum som.
— Não vai acontecer outra vez, eu prometo. — murmurou Eugênio. Uma risada baixa de escárnio escapou de minha boca e, por um breve segundo, percebi o anfitrião olhar-me com interesse repentino.
Vi quando os seus olhos brilharam, subitamente, e me encolhi. Voltei a minha atenção ao homem que condenara a todas nós. Meu pai. A palavra já começava a soar estranha, pesada, como uma âncora. Eugênio não negou a acusação, e entendi porque o anfitrião se divertia com minha reação. Ele ia fugir, e nos deixaria afundar. Nos deixaria para limpar seus rastros sujos e pagar sua dívida.
Covarde. Covarde. Covarde.
Os meus pés se moveram para frente, o punho cerrado ao lado do corpo. O anfitrião se remexeu, saltando para fora do assento acolchoado, o que me fez olhar em sua direção. A túnica angelical balançava atrás dele como se tivesse vida própria. Os olhos brilhavam ansiosos e vibrantes. O meu ódio triplicou quando vi refletido no seu rosto o que nos levara até ali. O anfitrião estava se divertindo. E nós éramos seus brinquedos..
— Bom, vejo que não contou às suas filhas sobre os seus segredos... Ah, eu andei refletindo, sabe? Não quero ser muito cruel. — o anfitrião indicou a taça vazia, um pedido silencioso para que Eugênio lhe servisse um pouco mais de vinho. Imediatamente, Eugênio o atendeu. — Matá-lo não me trará lucros, entende? A sua morte não iria me trazer as moedas que perdi e ainda estaria com um apostador a menos. — explicava o anfitrião, passando os dedos no queixo como se aquele pensamento tivesse acabado de lhe ocorrer.
Ele fez uma pausa.
— Não me parece muito justo — ele contemplou, perdido nos seus pensamentos.
— Não. Não é, meu senhor. — concordou Eugênio
Senti vontade de vomitar. O anfitrião não tomou consciência da presença de meu pai, falava como se o homem não estivesse ali. Ele agia gesticulando dramaticamente. A sala de jantar se transformou num palco, e todos os outros eram meros espectadores do seu teatro de tortura.
— Então, como uma medida mais razoável de acertarmos as contas, pensei em vender suas filhas como escravas para as Sandilhas. Lá tem um comércio forte de humanos, muitas criaturas vulptoras gostam de adotar os filhotes de homens, especialmente se forem fêmeas. — ele se virou para Eugênio, que parecia ter visto uma cobra criar pernas. — Vulptores. — o anfitrião repetiu. — São como chamamos as criaturas mágicas sem traços humanos, são como animais. Um horror!
Magdalena voltou a chorar, dessa vez de um jeito mais tímido. Uma breve conferida me fez perceber que ela tentava prestar atenção na conversa. Aquilo fez meu coração se partir em um milhão de cacos. Eu não podia deixar que quebrassem minha irmã também.
— Não... Não pode fazer isso! — disparei, reunindo toda a força que ainda me restava para ficar de pé. Cada centímetro do meu corpo doía e reclamava. Me arrependi por ter me manifestado, mas já não havia tempo para voltar atrás. Respirar era como ser atingida no peito com ferro quente e não me surpreenderia se eu caísse morta no chão antes daquela reunião infernal acabar, mas eu precisava tentar.
— Ela é só uma criança! Não faça isso. Não pode fazer isso! — continuei gritando.
E não demorou até que eu sentisse mãos ao redor do meu braço, tentando conter a raiva que explodia de mim. Gastei quase toda a minha energia para empurrá-los, tentei mordê-los, fiz tudo o que podia. Chutei, gritei e me debati até que me soltaram e caí outra vez no chão.
— É claro que posso, querida. Eu posso fazer o que eu quiser. — o tom de voz alegre do anfitrião perante o pesadelo que aguardava por mim e a minha irmã me fez querer vomitar. Meu pai tentou argumentar, mas logo foi calado. — Não perca o seu tempo. As suas palavras não valem nada, Eugênio. Já tomei a minha decisão.
— É verdade. — suspirei, tentando elaborar um plano. Força bruta e palavras grosseiras não iriam nos levar a lugar nenhum. — Ele não é confiável, é apenas um covarde. — o meu pai se encolheu, mas o anfitrião sorriu, satisfeito. Aquilo fez acender uma pontada de esperança dentro de mim, talvez... talvez eu conseguisse salvar pelo menos uma de nós. — Mas pode confiar em mim — menti —, pode perguntar a qualquer um da cidade. Posso pagar o dobro da dívida, o dobro em um ano! Se prometer poupar minha irmã, farei isso. Farei tudo o que mandar, o que mais desejar, farei qualquer coisa.
Meu pai arregalou os olhos, desesperado. A cabeça se movia de um lado para o outro e ele tentou se meter, tentou protestar, mas hesitou. Era muito pouco. Com ele era sempre assim. Sempre menos do que o necessário, dedicava-se apenas quando o assunto era uma caneca de rum ou jogos de cartas.
O anfitrião fez um sinal para os Assassinos de Bear. O mais alto, de cabelos pretos e chapéu, parou na minha frente. Levei um susto com o movimento repentino, ele realmente pareceu ter se movido entre as sombras. Os seus olhos negros fitaram-me por alguns segundos antes dele se abaixar e soltar o nó da corda que prendia os meus pés.
Foi a primeira vez que senti o ar entrar nos meus pulmões com mais facilidade.
— O dobro? — a voz do anfitrião pairou na sala como um canto distante, ele parecia pensativo. De repente, fiquei nervosa. O que eu poderia dar de garantia? O que eu tinha de valor? — E como pretende conseguir tanto dinheiro?
— Tem muitas casas na cidade que precisam de moças mais bonitas... — disparei, e ele riu. Ele sabia muito bem do que eu falava. — Tenho os meus charmes e sei que não é difícil faturar uma boa quantia se escolher o homem certo — menti. — Mulheres conseguem o que os homens apenas sonham em possuir.
Um pouco atrás de mim, Magdalena confirmava assiduamente, dando-me força para continuar. Ela era esperta. Bastou um movimento rápido para eu ver o homem de bandana agachado ao lado dela, cortando o nó da amarra com a faca.
— E se não conseguir o que me promete? — o anfitrião se levantou, a túnica não se movia e ele parecia sóbrio. Pela primeira vez, senti medo. Ele não era humano. Os olhos, antes pretos como a noite, agora estavam brancos. Um elfo mágico.
— Quero não pensar nisso. Mas se eu conseguir, poderei continuar trabalhando para o senhor e lucraria muito mais do que se apenas nos vendesse. — continue, mas o anfitrião já não parecia mais tão impressionado. — Magdalena é deficiente — menti — e eu já tenho vinte e um anos, ficarei ainda mais velha em breve — acrescentei, fingindo uma confiança que eu não tinha. O importante, no entanto, não era eu acreditar, só precisava soar convincente o suficiente para ele que ele nos deixasse sair dali, e depois... e depois... — Nosso valor agora ou em um ano continuará o mesmo. Se esperar...
— E seu pai?
As minhas mãos se fecharam ao lado do corpo.
— Não preciso dele. — rosnei, o coração batendo mais rápido a cada palavra. — Não vou pedir para poupá-lo, cuide dele como o senhor desejar. — Eugênio abaixou a cabeça. Eu queria poder dizer que aquilo foi fingimento também, que fazia parte da atuação para conseguir a minha liberdade e a da minha irmã. No entanto, o ódio que me devorava também era direcionado ao meu pai. E eu realmente não me importava. Que queimasse no fogo do inferno.
O anfitrião não desviou os olhos de mim, pude sentir. Por fim, me rendi e mirei-o de volta. Os olhos estavam normais outra vez. Preto como carvão. A minha mudança de postura não passou despercebida.
— Você sabe o que eu sou. — disse ele, os olhos brilhando. Não foi uma pergunta, mas assenti. Não era difícil adivinhar. O ar teatral. A decoração exuberante. Os olhos mudando de cor.
— Midas, o elfo colecionador. — conclui, e ele sorriu satisfeito. O povo élfico era um dos mais antigos e, mesmo traiçoeiros, algumas regras de conduta tácitas permaneciam inalteradas. Eles não gostavam de mentiras, muito menos de serem traídos. — Não posso dizer que estou feliz devido às circunstâncias, mas é um prazer conhecê-lo, senhor. É muito famoso em nosso Reino.
Fiz uma breve reverência, sentindo meu corpo reclamar a cada mínimo movimento. Quando me levantei, pude ver a sombra de seu sorriso. Midas sorriu. Por algum motivo, aquilo não me deixou mais aliviada, A criatura não era conhecida por sua beleza ou charme exuberante, ele tinha a fama de ser cruel, tão cruel quanto qualquer demônio ou vulptores das terras mais inóspitas. E até aquele momento os boatos se provaram verdadeiros.
— Por que eu deveria confiar em você? — perguntou Midas.
Era um teste, eu sabia. Ele já tinha tomado a decisão dele àquela altura. Deixou que eu falasse livremente, ordenou que cortassem as amarras de minha irmã, exibia um sorriso largo de um canto ao outro da orelha e agora estava torturando meu pai por diversão. Eu precisava continuar atuando? Ou essa era a parte que eu precisava dizer a verdade?
— Você é filha de seu pai, afinal. — ele continuou. Enquanto me sondava, percebi que ele estava nos avaliando. O que ele tomará de mim quando eu falhar? —Será que você pode provar que é mesmo digna de minha confiança?
— Não. — atrás de mim, pude ouvir Magdalena voltar a chorar. Ignorei-a completamente, eu precisava soar convincente. — Não posso provar nada. -- levantei a cabeça para encará-lo, os olhos pretos brilhavam. — Confie ou não, eu não tenho mais nada a perder.
Era quase verdade, e torci para ser o suficiente.
Midas sorriu.
— Você tem seis meses. — o anfitrião ergueu a taça de vinho e começou a rir, como se os próximos dias fossem ser os mais divertidos da vida dele. Meu pai recostou na cadeira, derrotado e ofegante, como se tivesse acabado de voltar de uma corrida de dez quilômetros. Midas ordenou que nos retirassem do salão sem que eu percebesse. Mal pousei os olhos nele ou em Eugênio, tão pouco consegui decorar o padrão dos corredores por onde nos guiavam.
Quando me dei conta, eu e a minha irmã havíamos sido empurradas e trancafiadas num cômodo qualquer. Duas camas perfeitamente arrumadas em cada lado do quarto, uma janela com barras de ferro pelo lado de fora e um gaveteiro velho. Não era exatamente uma prisão e aquele lugar, definitivamente, não gritava comodidade, mas depois daquela noite dos horrores que tivemos, era reconfortante para mim saber que Magdalena ao menos teria um canto decente para descansar em paz.
Através da janela, vi a lua se pendurar entre as nuvens como se tentasse se equilibrar entre as arestas macias para não cair. A minha irmã deitou-se na cama, esticando os pés confortavelmente e deixando que o peso do dia se espatifasse contra o colchão macio. Eu, no entanto, não me movi. Mal conseguia respirar. A minha cabeça estava a girar, girar e girar...
Seis meses.
E mais uma vez, naquela mesma noite, a morte pareceu-me uma ideia bem mais agradável do que estar viva.
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