⚔ Capítulo 18
O cocheiro parou a carruagem e eu não conseguia reunir palavras para conseguir expressar o que eu estava sentindo. Não tinham se passado nem dez minutos desde que Nikosoli me entregara a adaga de prata e desaparecera entre as sombras outra vez. Eu ainda não havia me recuperado de suas palavras, ainda não estava pronta para entrar no castelo. Ainda podia sentir o toque gelado do punhal de metal em meus dedos.
Mas fiz o que precisava fazer, enterrei minhas preocupações, apanhei a cesta com minhas roupas e demais pertences e saltei para fora da carruagem. Era minha primeira vez ali e não contive as exclamações eufóricas. O cocheiro riu de minhas reações enquanto eu admirava os detalhes da construção. O castelo de ReinLynch não era o mais famoso dentre todos os outros do Reino das Estrelas, no entanto, diante daquela maravilha, não conseguia imaginar o quão espetacular deveriam ser os outros.
Aquele castelo havia sido construído com pedra-cristal, mármore e ouro. As imensas pilastras brancas erguiam-se do chão formando arcos de variados tamanhos e ângulos; janelas e varandas cobriam o segundo andar em diante. Atrás das colunas, longas passarelas conectavam as diferentes alas do castelo. Algumas eram cobertas, outras lembravam as pontes de gelo do Palácio de Vidro, ao norte de Prysen, que só consegui reconhecer graças às imagens nos livros de história. O palácio não era inteiramente de vidro como o nome sugeria, é claro, mas ainda assim era bem exótico em comparação com os outros dos Quatro Reinos.
A pedra-cristal estava presente em quase todas as construções reais porque era muito abundante no Reino das Estrelas e estranhamente peculiar. O rei a adorava, e não podia julgá-lo, era minha favorita também. A parede e as colunas brancas brilhavam como diamantes quando a luz do sol atingia a superfície lisa. Os pináculos e as torres eram tão altos que conseguiam cortar as nuvens mais longínquas.
O exterior do castelo não era nada como eu esperava, enquanto eu não fazia a menor ideia do que, exatamente, estava esperando. Mas era melhor. Era muito melhor.
O terreno se estendia para além do que meus olhos conseguiam ver, mas eu sabia que atrás dos bosques, muros altos separavam o pátio e o jardim do resto de ReinLynch. Os canteiros de flores e os arbustos cumpridos cercavam a fonte, também feita de pedra-cristal. Uma trilha de cascalhos cercava toda a área externa do castelo, passando pelos jardins, conectando o estábulo e os fundos do castelo com as rotas que levavam ao bosque e os demais portões de entrada e saída.
Magnífico. Era uma boa palavra para definir. Tudo ali era magnífico. Era como ter entrado num sonho ainda que acordada.
O cocheiro me guiou até a fachada principal. Cruzamos o caminho de pedras que dividia os dois jardins da frente. Sobre os degraus de mármore laminados, um homem de calça azul e blusa cinza com mangas bufantes aguardava por nós. Ele sorriu quando me aproximei. Precisei me controlar para que o meu queixo não caísse. O cabelo estava num tom escuro dessa vez, com mechas azuladas nas pontas; preso em um rabo de cavalo com uma fita também azul.
— Oh, como está belíssima, querida — Midas realizou uma curta reverência. Retribuí, segurando a barra do vestido. — Espero que não esteja muito nervosa, seremos recebidos de uma maneira menos calorosa do que gostaria.
— Não pensei que teríamos que atuar do lado de fora do castelo também — comentei, num tom que apenas ele escutasse. Ao girar o pescoço, conferi se o cocheiro já estava longe o suficiente. — Por que eu estaria nervosa? O que quer dizer?
Midas engoliu em seco, levantando os olhos sem mover a cabeça. Era um jeito mais sutil de intimidação, ao qual já estava me habituando.
— O rei não está no castelo — ele disse, como se revelar aquela informação fosse o mesmo que descobrir sobre nuvens nubladas trazerem chuva. — Ao que parece, houve um imprevisto em sua viagem à Prysen. Ele chegará pela manhã.
Midas esticou o braço, de forma que andássemos entrelaçados. A porta do castelo foi aberta e nossa entrada anunciada. Havia uma senhora com um uniforme simples, o emblema do reino estampado no tecido na altura do peito. Quando cruzei o arco de pedras brancas da fachada principal e o portão se fechou atrás de mim, meu coração despencou.
Não consegui controlar o choque que se espalhava por minha face.
As cortinas estavam fechadas, o cômodo inteiro entregue à escuridão. Uma rápida conferência pelo lugar me fez entender que eu estava no salão de recepção. Por muito pouco não confundi o lugar com um mausoléu amaldiçoado ou sepulcro há séculos sem visitantes. O castelo estava vazio, empoeirado, sujo e mal iluminado.
Obriguei-me a dar um passo à frente. Fitei Midas, numa postura ereta e perfeita ao meu lado. Ele não piscava, e não parecia estranhar a decoração — ou falta dela. Estávamos no lugar certo? Estávamos mesmo no castelo do Reino das Estrelas? Porque mais parecia que eu tinha acabado de ser largada no Reino da Poeira.
Dei mais um passo e comecei a tossir.
— O que aconteceu aqui? — indaguei. Midas olhou em volta, os olhos coloridos brilhando.
— É o que viemos descobrir.
— Ah, vocês chegaram! — ouvi uma voz feminina dizer. Levantei a cabeça e encontrei uma senhora de meia-idade, corpo redondo e bochechas grandes. Ela segurava uma pilha de roupas e o rosto estava franzido de um jeito engraçado. — Que bom, que bom! Senhor Midas, certo? — ela encarou a cesta de roupas em minha mão e depois mirou meus olhos. — E a senhorita? Como se chama?
— Celine — sorri.
— São os convidados do rei — ela declarou, sorridente. Não era uma pergunta, mas assenti com a cabeça mesmo assim. — Sigam-me.
A mulher se virou em direção a passagem do outro lado da parede, que levava a um largo corredor. Ao final dele, uma segunda escada ligava as duas alas do segundo andar do castelo. A mulher parou em frente à segunda porta, do lado direito. Indicou com a cabeça e girei a maçaneta prateada, cintilante tal qual o brilho das estrelas, assim como o resto do castelo deveria ser também.
Ao adentrar o cômodo, fiquei genuinamente surpresa. Não tinha poeira ali. A luz entrava pela janela aberta junto a brisa fina, as cortinas estavam puxadas para os lados — eram de um tom lavanda, quase azul. Uma cama enorme forrada com lençóis cinzas e uma coberta azul-ultramarino em cima dos travesseiros. Uma alcova na lateral com um parapeito e uma pequena janela. Havia uma área ampla na varanda e uma passagem estreita até o quarto de banho. Midas pigarreou atrás de mim, e só então lembrei-me de sua presença.
— Sou a Sra. Dorthie. Preparei este quarto para a chegada dos senhores — ela disse, empurrando ainda mais a porta, criando espaço para passar ao meu lado sem esbarrar em mim. Ela avançou até o meio do cômodo e colocou a pilha de roupas limpas em cima da cama. — É um presente para a senhorita. Um vestido de tecido importado de Prysen, com renda e pérolas bordados a mão.
A mulher mostrou um sorriso simpático, linhas se formaram em seu rosto. Eu gaguejei, sem a habilidade de conseguir agradecer propriamente. Midas conduziu uma curta reverência, gracioso. Por que parecia que ele tinha a facilidade de conquistar todos a sua volta?
— Podemos dar um passeio pelo jardim? — Midas perguntou. A senhorinha assentiu.
— Podem explorar a propriedade, sim — ela uniu as mãos à frente do corpo. — Mas tenham cuidado, por favor, voltem antes do anoitecer. Sou a responsável pela administração das funções e dos serviçais do castelo, mas estamos com um número reduzido devido às viagens dos príncipes e das cores. Vou designar uma dama de companhia à senhora assim que possível — ela se voltou para mim quando disse, como se aquilo fosse um pedido de desculpas. — Enquanto isso, podem aproveitar o resto do dia para se familiarizar com o castelo.
Arregalei os olhos, chocada. Midas acompanhou a senhora até a porta, que se fechou num baque surdo. Tive dificuldade de respirar, não porque ali dentro era abafado, muito pelo contrário, mas porque eu estava sozinha com Midas.
— O que faremos agora? — perguntei, nervosa. Ele levantou o olhar, sutilmente. Por um instante, achei que o cabelo dele tinha mudado de cor outra vez. Cada dia assumia uma cor diferente, parecia refletir seu humor.
— Vou bisbilhotar o castelo — Midas cruzou os braços. — Você pode dar um passeio no jardim.
O quê?
— Como assim? — fiquei satisfeita por não ter gaguejado. — Estou aqui para te auxiliar no que for necessário — apressei-me em dizer. Não podia simplesmente concordar com aquilo. Precisava me mostrar útil, prestativa. — Não precisa de ajuda? E se alguma coisa te atacar?
— Não ouviu o que ela disse? — Fiz que não com a cabeça, Midas bufou. — Volte antes do anoitecer. Talvez o perigo esteja do lado de fora — Ele sorriu. E achei-o a pessoa mais horrível que já existiu, então me lembrei que Midas não era uma pessoa. Era um elfo narcisista e maldoso. — Estarei em segurança aqui dentro.
— Você é um idiota.
— Você é espirituosa, gosto disso. Mas não abuse. — ele estreitou os olhos, a mudança súbita de expressão me fez tremer. — É importante que conheça bem as arestas e entremeios desse lugar para não se atrasar ou errar o caminho quando for importante. Estaremos sempre correndo contra o tempo por aqui. — ele sorriu, mas os olhos continuavam os mesmos: sem emoção. — Desde que o Rei e a Rainha viajaram para o Reino de Gelo, os demais ajudantes foram despachados. A Sra. Dorthie não encontrará uma ama para te seguir até amanhã de manhã, aproveite isto e recolha todas as informações que puder.
— Está certo.
Ele ainda parecia um pouco aborrecido.
— Não terei tempo para pegar na sua mão e ensiná-la como andar por aí. Não sou seu tutor. Espero que esteja pronta. — ele apoiou as mãos no meu ombro, como se realmente lamentasse. — Ao que Nikosoli averiguou, os príncipes ainda não retornaram, então pode circular livremente.
Assenti com a cabeça.
— Mas e se eu encontrar alguém? — perguntei quando ele já estava prestes a ir embora.
— Basta dizer que é minha consorte — ele sorriu, o cabelo pareceu mudar de cor. Um subtom alaranjado despontava entre as mechas azuis.
Antes de ir embora, Midas parou, silencioso, e postou-se entre a fresta da porta, encarando-me profundamente. Pensei que ele estivesse tentando — ou até mesmo pensei ter conseguido — ler minha alma. Por um segundo apenas, fiquei com medo.
— Seus olhos são iguais aos dele — disse ele, por fim, sorrindo com um olhar dócil que jamais vira naquele rosto frígido. Sobressaltada, quase caí para trás.
— Ele quem? — indaguei, arregalando os olhos.
— Você sabe quem — foi tudo o que ele respondeu antes de bater a porta.
Eu não quis pensar em suas charadas sem sentido ou mesmo tentar encontrar uma resposta àquelas perguntas. Não esperei por nossa bagagem. Não esperei por um chamado especial ou um sinal divino. Antes de sair, dei uma última conferida no quarto que seria obrigada a dividir com ele. Havia um dossel dourado, ornamentado com linhas e espirais, forrado com tecido vermelho. Uma cortina de veludo pendia para baixo, arrastando no chão com uma calda de pelo menos vinte centímetros. Era um emaranhado de exageros em forma de tecido.
Um tapete cor de creme no chão. Um lustre de pedrinhas amarelas no topo. Era um quarto tão lindo, com detalhes que nem mesmo meus olhos conseguiam captar. Senti meu peito se encher de emoção, uma lágrima gotejou de meus olhos. Nunca pensei que poderia presenciar algo tão belo, ou mesmo conseguir pôr os pés num lugar como aquele.
O castelo de Reinlynch, uma fortaleza de luxo e beleza. E eu era uma convidada do rei. Dedilhei o tecido branco do vestido que descansava sobre a cama e sorri. Porque me senti num daqueles dias onde o pesadelo se transforma em sonho por alguns instantes, quando estamos prestes a acordar.
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