⚔ Capítulo 13
Enquanto corria, adentrando a escuridão da floresta, podia ouvir as batidas constantes e aceleradas de meu coração. Suor brotava em minha testa e o sangue quente em minhas veias aquecia todo o meu corpo. Meus pés doíam e eu sabia que não aguentaria manter aquele ritmo por muito mais tempo. Atrás de mim, o animal rosnava, sedento. Alcancei a clareira e amaldiçoei-me. Não deveria ter seguido aquela trilha, pois, diante de mim, havia uma vasta colina descampada, sem árvores ou sombras para servirem de esconderijo.
Suas garraras fincaram na saia do vestido e eu soltei um grito quando atingi o chão. Virada para baixo, meu rosto afundou no gramado, sujando minhas bochechas e testa de terra úmida. Quando me virei, a fera havia desaparecido, uma bruma leve de tom acinzentado pairava no ar. No centro da névoa, um homem de aparência jovial, traços delicados e olhar penetrante fitava-me com curiosidade. Seu cabelo curto, tão prateado quanto a lua, estava bagunçado.
Eu estava deitada, apoiado-me com a ajuda dos cotovelos, inclinei o tórax para frente. O homem se agachou, mantendo a cabeça na mesma altura. Seus olhos eram verde-esmeralda, brilhantes e perturbadores. Ele inspecionou o meu rosto, como quem tenta adivinhar se a fruta está podre.
— Se vai me matar, faça logo de uma vez — disparei, e ele sorriu. Aquilo me irritou e não contive a careta de nojo. Estava exausta de ter minha vida constantemente nas mãos de homens desprezíveis que se acham superiores.
— Não vou matá-la — ele disse. O sorriso não abandonou os seus lábios nem por um segundo. Por algum motivo, aquilo não me trazia conforto e eu sabia que não podia confiar em qualquer palavra que saísse de sua boca.
— Devo acreditar? — foi a minha vez de rir.
— Não posso decidir por você no que deseja acreditar ou não — ele contemplou, rondando-me como um cão. — Quem é você? — ele estreitou os olhos, as sobrancelhas espessas quase se tocando. — Ou melhor, o que é você?
Aquela pergunta me fez tremer. Não as palavras em si, mas o tom. Um misto de curiosidade e repugnância, simultaneamente. E me peguei tentando responder.
— Não sei o que quer dizer — disse, por fim, odiando o caminho daquele diálogo. Senti algo alfinetar meu peito, mas ignorei.
— Está escondendo algo — ele disse, apontando o indicador para mim. — Quem te deu esse colar? — minha mão foi imediatamente até o pingente circular, estava por dentro do vestido. Como ele sabia que eu usava algum acessório no pescoço? Fitei-o, desconfiada, mas em silêncio. — Quem te enviou ao cemitério? — ele deu um passo, eu recuei. Balançava a cabeça, pronta para me explicar. — Não, não. Isso não parece certo. É melhor vir comigo, se ele desconfiar...
Recuei ainda mais.
— Não vou a lugar algum.
— Já disse que não vou te matar.
Não contive a risada; ela impregnou o silêncio, amarga e vazia.
— Como se eu pudesse acreditar em alguém que se transforma numa fera terrível diante meus olhos e me persegue pela floresta! — disparei, furiosa. — É claro, tenho certeza que vai me deixar ir embora agora mesmo.
— Não posso fazer isso — ele foi mais rápido, impedindo meus movimentos. Nem mesmo ousei soltar meu braço de seu aperto. — Não posso deixá-la ir embora quando viu...
— Não vi nada! — disparei. — Estava escuro! E foi um acidente, nem mesmo...
— Um acidente a levou até o cemitério na noite mais movimentada do ano? — el arqueou a sobrancelha, desconfiado. — Por que estaria sozinha num lugar como aquele durante o Festival de Equinócio?
Aquela pergunta me irritou mais do que tudo. Esqueci-me de que, a poucos instantes, o homem em minha frente detinha o poder de acabar comigo em um só milésimo de segundo. Ainda que Nikosoli tenha me ensinado bastante, eu era inexperiente — sabia que não havia quaisquer condições de vencer um duelo com um oponente tão forte. Engoli em sego, fitando-o com desgosto, torcendo o cenho sem qualquer arrependimento.
— Por que diabos estou sofrendo este inquérito no meio do nada? Fui visitar um amigo. Por acaso sabe para que servem cemitérios? — continuamos na mesma dança, ele avançava e eu recuava, até que ele parou. — Se vai me punir por estar no lugar errado e na hora errada, faça de uma vez, mas não lhe devo qualquer satisfação!
Havia meio metro de distância entre nós. Ele fitou as próprias mãos, cabisbaixo, depois fitou-me com os olhos verdes, brilhantes. Sombras serpenteavam ao seu redor, crescendo do chão como raízes. Eu sabia o que ele faria a seguir.
— Desculpe, mas eu não acredito em você. — ele disparou e avançou, despreocupado, em minha direção. Quando estava perto o bastante, chutei o calcanhar com o pé direito antes que suas sombras pudessem me envolver. Ele agarrou-me pelo braço, o corpo curvado para frente. Com a mão livre, golpeei-o em cheio no estômago, crucificando-me por não ter nenhuma arma mais letal em minha posse. Só podia contar com minhas mãos e pernas.
— Não é problema meu! — gritei, correndo para longe. Ele levou uma das mãos até o meio da barriga, soltando xingamentos que eu não pude discernir. Senti algo me puxar, impedindo-me de me mover. As suas sombras tinham me alcançado, envolvendo meu pulso antes que eu pudesse desviar.
Gritei e, em uma fração mísera de segundo, quando me voltei em sua direção, nossos olhares se encontraram. O pânico me preencheu em uma onda cortante, avassaladora. Não. Não. Não. Algo cresceu dentro de mim, as batidas retumbantes aceleradas inebriar meus sentidos. Liberte-me. Ouvi um sussurro, e entendi de onde vinha. A voz sibilante e sombria ecoava como um cântico, e assustei-me ao entender, a voz vinha do colar. Eu gritei, o som estridente ainda mais alto que o anterior. Descrente, não consegui me mover quando as sombras se estilhaçaram feito vidro, os cacos caindo sobre o gramado num estrépito agudo.
Não pude crer no que vira. Imobilizada pela incredulidade, engoli em seco, mal percebendo que predera a respiração. O que eu havia feito? Em minha frente, embasbacado e boquiaberto, o homem não piscava. Sem qualquer força puxando-me em sua direção, vi-me livre das amarras que se formaram em meu pulso. Desequilibrei-me e, ainda atônita, nos encaramos em silêncio. Conseguia ver nitidamente aquelas palavras flutuando entre nós, chamuscando em seus olhos verdes. O que é você?
E soube naquele instante que aquela perseguição estava só começando. Ele investiu as sombras contra mim mais uma vez, mas consegui esquivar sem grande dificuldade. Não houve tempo para comemorações. Numa tentativa de esquivar pela segunda vez de seu ataque, tropecei e caí de quatro no chão. Olhando por cima do ombro, vi fumaça negra crescendo ao seu redor enquanto serpentes verdes sibilavam entre as sombras, arrastando-se no gramado em minha direção.
Tirando proveito do pequeno declive, rolei alguns metros colina abaixo até que conseguisse me erguer outra vez. Desatei-me a correr quando as árvores e as sombras da floresta das almas voltaram a me cercar. Tudo que eu ouvia era o uivar dos ventos, e o rosnado de uma besta e o sussurro de uma voz amarga.
O que é você?
Enquanto corria, minha cabeça girava. E tudo que parecia fazer sentido se quebrou diante de mim, literalmente, em uma miríade de cacos. Lembrei do que Nikosoli dissera, as palavras acertando-me como uma lança certeira. Era um conjunto de imagens embaçadas de uma noite que eu lembraria para o resto da vida. Midas tem um olho mágico, ele dissera. Ele consegue enxergar... coisas que olhos comuns não veem.
Ele vê algo em você.
Midas sabia o que eu era.
Sentia meu coração bater mais rápido e mais rápido, o peso de uma âncora puxando-me para baixo. Continuei correndo, não me importando com a dor em meu peito, precisava continuar em frente, precisava continuar fugindo. Não medi esforços para aumentar a distância entre eu e meu perseguidor. Não me virei. Não diminuí o passo. Não ousei ceder. Exausta e suando, com os músculos da perna queimando, continuei correndo.
Porque, refletido em seus olhos verdes, enxerguei a minha ruína. E não havia qualquer misericórdia reservada para mim.
🎀NOTAS: Olha quem chegou!!! Espero que estejam gostando da história e dos capítulos novos, aqui vamos ter uma versão do Talfryn que não vimos antes e também mais cenas com esse personagem! Quem já leu e sabe o que acontece, nada de spoilers nos comentários, hein 👀👀 Muito obrigada pelo feedback! Estou muito feliz que estão gostando da versão nova ♥ Beijos de luz !🎇🎇
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