CAPÍTULO - 26

*Este capítulo eu dedico a uma leitora especial que me acompanha desde que comecei a postar aqui no Wattpad, nos próximos capítulos mais dedicatórias! Beijos, seus lindos e obrigado por acompanhar a história! <3


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Cada dia que passava nós começávamos a reconstruir o grupo, juntos conseguimos comprar os materiais, alguns dos peões se prontificaram a nos ajudar na construção e por mais feliz que eu estivesse por ver a cooperativa ganhando força, sabia também que meu tempo ali já estava extrapolando o limite. Flávio estava a cada dia mais apático naquela fazenda, eu ao menos tinha o meu trabalho com as meninas, mas ele passava o dia de um lado para o outro e por último ficava até feliz quando eu lhe pedia para resolver algo na cidade.

- Amor, vamos para Fortaleza no fim de semana, ok? – Falei numa noite ao deitar ao seu lado.

- Sério? – Ele até se animou mais.

- Sim! – Sorri de ver o seu jeito – Está louco para ir não é? – Falei casualmente entrando debaixo da coberta, aquela noite estava um pouco fria.

- Sam não vou nem tentar disfarçar... – Ele me abraçou. – A gente pode vir sempre que você quiser, mas aqui não tem nada para eu me ocupar. Nesse tempo em que morei fora os meus dias eram tão ocupados e agora... Nada para fazer! – Ele beijou o meu pescoço numa conchinha perfeita.

- Eu te entendo amor, desculpa por isso! – Falei sem lhe olhar.

- Não precisa se desculpar Sam, eu sei que tiveram acontecimentos te prendendo aqui.

- É, mas felizmente está tudo caminhando. A Marlene vai ficar a frente de tudo por aqui! Ela é uma líder nata e fala bem a danada. – Falei lembrando da sua forma de agir, ela parecia ser uma mulher dura no trato, mas na verdade era super afetuosa e vínhamos amadurecendo a ideia de que ela se mantivesse na liderança resolvendo as coisas com fornecedores e compradores.

- A coitada sofreu muito antes, né?

- Sim, é verdade!

- Sabe Sam, quando eu voltei e a gente se acertou e você me falou da cooperativa eu fiquei pensando que isso tinha algo a ver com o que eu vivi... – Ele falou se afastando um pouco.

- Como assim amor? – Deitei em seu peito.

- Sabe, a minha situação com meu pai... É estranho falar isso, mas de certa forma eu era vítima de violência doméstica e foi você também que me salvou! – Nunca havia parado para pensar na situação de Flávio por este viés, afinal de contas estamos habituados a pensar nas mulheres em uma situação de vulnerabilidade frente a violência doméstica, mas até onde sei Genaro não costumava bater na mãe de Flávio ele passou a ser violento e se tornar aquela pessoa desprezível após a partida dela.

- Amor, por que seu pai era daquele jeito? – Aquele era um assunto delicado, Flávio não gostava de se referir ao pai, nem com boas lembranças e nem com más.

- Meu pai foi muito infeliz Sam, ele colocou a culpa de tudo o que aconteceu com ele na minha mãe. Acho que eu era um lembrete constante dela e da partida dela...

- Você não sente raiva dele? – Falei um pouco mais baixo e ele se mexeu um pouco, seu braço me envolveu.

- Senti... – Ele se calou, mas vi que sua cabeça funcionava, quase dava para ouvir as engrenagens rodando e trazendo a tona momentos que ele viveu.

- Não quero te chatear falando disso... – Beijei o seu peito.

- Não, não é isso... É que é estranho o que eu sinto por ele, não é que eu não queira falar...

- Então fala.

- Bom, eu sei que você só viu o lado ruim dele e foi o que eu mais vi também, mas nem sempre ele foi daquela forma. Ele era ótimo antes de tudo acontecer...

- Me conta amor!

- A gente parecia aqueles comerciais de margarina. – Ele riu – Tipo, ele ia me deixar e me buscar na escola sempre que dava. A gente ia cantando rock dentro do carro, ele me mimava mesmo. Meu pai era um cara legal, sabe Sam? Ele me amou muito, acho que me amou até o último dia, só que pra ele ficou impossível de demonstrar afeto de qualquer forma e a violência foi o que sobrou. Eu não digo que é certo aceitar e nem se calar, mas no meu caso eu vivia com a esperança de que ele voltasse a ser aquele meu pai que sempre cantava comigo. O Genaro tinha uma voz grossa, de trovão... – Ele estava sorrindo, mas vi o momento em que uma lágrima escapou pela lateral de seu olho e eu a enxuguei.

- Amor, não chora... – Fiz carinho na barba que começava a despontar em seu rosto.

- Não estou chorando por dor ou nada disso amor, foi só uma saudade que bateu agora... - Ele me olhou com um sorriso triste estampado no rosto.

- Se você quiser falar mais sobre ele comigo, você sabe que pode não é? – Falei lhe olhando.

- Eu sei meu bem – Ele beijou a minha testa.

- Flávio, você ainda o ama não é? – Perguntei sem lhe olhar.

- Eu vou amá-lo sempre, Sam! Apesar de saber que talvez a morte dele é que tenha possibilitado o meu crescimento, a minha melhora de vida... Eu nunca o odiei.

- Eu te admiro...

- Por quê?

- Por você conseguir perdoar o seu pai por quem ele foi, pela pessoa que ele se tornou com você e por tudo o que ele te fez passar.

- Amor eu sempre achei que quem comete a violência é a pessoa que precisa mais de compreensão – Aquela ideia ainda era difícil de aceitar – Claro que nós temos que cuidar das vítimas e é isso que você vem fazendo desde que me conheceu, mas se eu odiasse o meu pai e revidasse, talvez eu nem estivesse mais aqui. Talvez... – Ele parou por um momento como se tomasse coragem pelo que ia dizer – Nós nem tivéssemos nos conhecido. – Engoli em seco ao ouvir o que ele disse – Por exemplo, eu te agredi quando nós nos conhecemos...

- Flávio você nunca relou a mão em mim...

- Mas eu não te defendi também, e isso é algo que eu vou sempre lembrar. Eu não via a dor com os mesmos olhos que vejo hoje, eu não media as consequências por que mesmo sem odiar o meu pai eu tinha que extravasar aquilo em alguém e infelizmente o bode expiatório foi você, mas antes de te conhecer eu era um garoto sem noção de nada e houve outras pessoas a quem eu fiz mal. Não estudava, não trabalhava, não gostava da minha vida e então porque eu deveria ser bom?

- Você é bom Flávio, é por isso que você nunca se entregou a raiva.

- Não, eu posso até ser bom, mas por que eu mudei. Por que de alguma forma você me deu a oportunidade de mudar, de curar minhas feridas dentro de uma casa como a sua, por que depois disso minha mãe e o Armand me deram as condições para me reerguer. Mas tenta imaginar se eu ainda andasse com o Juninho e o Biel, se nós ainda gastássemos o nosso tempo livre pra lá e pra cá no skate, fumando e bebendo escondidos, assediando as menininhas, eu morrendo de vontade de ficar com garotos e sem conseguir assumir isso nem pra mim mesmo, imagina tudo isso preso dentro de uma cabeça como a que eu tinha na época...

- Receita para o desastre mesmo... – Falei sem lhe olhar.

- Pois é, por isso que eu digo que o meu Sam me salvou! – Ele sorriu me olhando.

- Para com isso Flávio... – Falei corando.

- Bom, se você não quer o título, ao menos aceite o prêmio por me salvar! – Falou se ajeitando em cima de mim.

- O prêmio é esse negócio duro que estou sentindo me cutucar? – Falei safado.

- Sim, mas vem com o resto do pacote! – Seus braços me envolveram e sua boca começou a me fustigar.

- Pois vem meu amor! O prêmio eu aceito. – Aquela noite foi memorável.

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Quando Samuel e Flávio começaram a conversar e evocaram o nome de Genaro mesmo sem saber eles o atraíram e o espectro apareceu ali no quarto, mas na presença de Maria ele parecia enfraquecer não só sua influência como suas convicções odiosas, durante todo o período da conversa entre eles eu e Maria permanecemos em guarda para o caso de ele querer atacar um de nossos protegidos. Ficamos de guarda, mas ao que parece o teor da conversa lhe colocou no lugar, de início ele olhava e escutava como se não compreendesse o que estava sendo dito por Flávio.

Cada palavra que seu filho falava parecia atingi-lo em cheio, cada vez mais ele parecia triste e aquela carranca raivosa que ele ostentava o tempo inteiro diminuía e perdia a força, Flávio começou a divagar sobre sua infância e eu consegui projetar os pensamentos de meu protegido para que ele visse, no primeiro momento ele se assustou, mas logo em seguida se rendeu e as lembranças tocaram em cheio o seu coração.

As vezes em que ele deixava o filho no colégio, as vezes em que ele ficava a noite preocupado quando ele caiu doente, quando teve suspeita de meningite ainda bebê e Genaro se prostrou ainda no consultório médico chorando de medo de que o filho tivesse aquela doença e o alívio quando viu que a criança conseguia encostar o queixo ao peito. Mais e mais lembranças começaram a aparecer, mais e mais nós nos aproximávamos da época crítica da vida dos dois e foi então que livre do véu da matéria Genaro conseguiu enxergar a primeira vez em que foi atacado por um parasita, entendeu as dores de cabeça, as tonturas e o sentimento de fraqueza que se colou ao seu corpo físico.

Como se o tempo tivesse parado naquele quarto ele via sua vida passar na frente de seus olhos e pela primeira vez o arrependimento lhe alcançou com força. Finalmente aquela cor escura e opressora que lhe envolvia, o vermelho brilhante em seus olhos, tudo isso começou a esmaecer e mais uma vez eu pude ver o poder do amor, o poder deste sentimento e tudo o que ele pode mudar e transformar.

- Ele me ama? – Genaro perguntou para si mesmo enquanto assistia atônito o quanto as suas ações foram influenciadas por outros parasitas e no que ele estava se transformando, mas também o quanto ele mesmo atraiu isso para si ao se entregar aos sentimentos como raiva, rancor, ódio e inveja. Tudo isso atraiu para si uma gama de parasitas que lhe deixava quase o tempo todo sob influência e por isso mesmo dificultava que os bons sentimentos brotassem ou que ele voltasse atrás.

– Eu fiz isso comigo. – Ele falou como se entendesse finalmente. Eu e Maria nos demos as mãos e começamos então a emanar aquela luz dourada, mas desta vez não queríamos assustá-lo ou afastá-lo e sim lhe influenciar ao bem, que ele conseguisse sentir novamente o gosto da paz, isso era algo que ele não experimentava há muitos anos.

Foi possível perceber que ele foi tocado por isso, mas infelizmente o ódio estava muito arraigado ainda nele ou o medo, agora não sei dizer. A única coisa que sei que ele vem mudando e que isso seria uma enorme vitória para todos nós.

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