CAPÍTULO - 06
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Naquela noite eu estava feliz, ainda não concordava totalmente com a situação de Flávio e Samuel, mas a forma como a alma dos dois conversava era realmente emocionante. Meu neto estava feliz, ainda inchado da queda provocada por aqueles dois imbecis, mas estava feliz de ter encontrado a sua alma gêmea. Eu só precisava me acostumar com a nova condição dos dois, algo me dizia que seria mais fácil uma vez que enxerguei a essência dos dois. Para minha surpresa descobri que Flávio era também uma alma antiga e que tinha sido escolha dele reencarnar naquele corpo sob o julgo da alma do pai, já que havia uma dívida cármica a ser paga.
Mas naquela noite ver os dois juntos foi um espetáculo a parte, meu neto mostrou que mesmo parecendo ser um rapaz frágil tinha fibra e era o tipo de pessoa que não teme se implicar em uma situação para ajudar a quem precisa. Flávio pela primeira vez teve apenas pensamentos de cuidado para com ele. Mais cedo ele havia apanhado por seguir o conselho de Samuel, tentar se defender. Começou assim.
- Flávio, venha aqui! - Genaro gritou da sala, assim que acordou sabendo que naquele horário o filho já teria chegado da faculdade.
- Oi pai - Disse desanimado já sabendo o que o pai queria.
- Vai comprar o meu almoço! - Disse aos gritos, deitado na cama de casal vestindo apenas uma cueca suja e fedendo a bebida. Aquele homem estava vivo graças às forças que o sugavam e o empurravam cada vez mais aos vícios.
- Onde tem dinheiro? - Flávio perguntou cansado demais para começar uma briga naquele momento.
- Eu te dei dinheiro no início da semana! Anda gastando com cigarros, né seu moleque imundo? - Disse se levantando.
- Na verdade eu gastei para almoçar na rua.
- E por que não trouxe o meu?
- O senhor não ia gostar do que eu comi. - Lembrou de seu almoço, apenas uma coxinha e um copo de um suco muito doce. Ele comia sempre numa carrocinha que ficava em frente a faculdade, pois sabia que o pai nunca pagava pelo seu almoço e se dependesse dele, o garoto ficaria o dia inteiro com fome.
- Como é que você sabe do que eu gosto? - O velho mexeu numa gaveta e tirou uma nota de vinte reais. - Vai, corre que eu não aguento ficar te olhando! - Jogou a nota no chão, quando Flávio se abaixou para apanhar o maldito puxou a alça da camisa que ele vestia fazendo com que o garoto se desequilibrasse e caísse no chão. Flávio bateu a cabeça e só ouviu a risada do velho. - Você não vai chorar por causa disso, vai? - Falou zombeteiro, naquele momento Flávio se deu conta de que fez essa mesma pergunta ao Samuel quando o insultou pela primeira vez e por isso a mudança aconteceu de maneira mais rápida. Ele viu que se não se cuidasse acabaria como o pai.
Eu tentei fazer uma prece por ele, mas a verdade é que o quarto do velho tinha parasitas por tantos lugares que eu me sentia enfraquecido, sentindo a humilhação Flávio levantou do chão e sem dizer nada saiu de casa, há muito tempo havia parado de chorar por conta daquelas provocações, por mais que se sentisse magoado e fraco frente a essa situação. Quando estava de saída do apartamento, deu de cara com a porta da escada de incêndio e sorriu por lembrar de suas noites ao lado de Samuel. Eu sentia ciúmes dos dois, sentia de verdade, mas estava começando a me conformar que o destino do meu neto era estar com aquele garoto magrelo, que cantava baixinho em seu quarto. O danado tinha uma voz linda e secretamente queria ser um cantor de sucesso. Desceu pelo elevador e se dirigiu até uma marmitaria ali próximo, onde sempre comprava o almoço do pai. Fez o pedido e ficou batucando na mesa enquanto o dono do local colocava o conteúdo na marmita.
Ele estava ansioso para ver o "Sam" a noite. Pesquei alguns pensamentos daquela vez, coisas como: "Um cara legal" "Bonito" "Bundinha linda"... Coisas que me deixaram muito desconcertado, que droga! Eu sou o avô do garoto por quem ele está se apaixonando e pelo jeito vou ter que ouvir muito disso ainda, ele sorria e por incrível que pareça foi só eu ver a felicidade dele que me acalmei. Será que eu estava começando a amar o meu protegido? Eu sentia pena dele, isso é indiscutível, mas amar? Bom, o fato é que a comida demorou um pouco, vi que ele ficou um tanto impaciente, mas foi educado com o atendente. Andou mais rápido e em sua cabeça ele já sabia que iria apanhar do pai. Chegou em casa e colocou um prato com os talheres, felizmente o velho havia dormido novamente.
Tomou um banho e mais calmo ele se permitiu pensar em Samuel, de repente aquele garoto com roupas que ele considerava esquisitas ou coloridas demais era a única coisa boa em sua vida. Sorriu e vi que ele se excitou, começou a se masturbar devagar e nessa parte eu saí de perto por que não aguentei ver as imagens mentais que se formavam. Isso também é demais. Fiquei a sua espera do lado de fora e mesmo assim algumas imagens ainda chegavam até mim, me afastei um pouco mais. Vi quando os parasitas começaram a importunar o Genaro e o mesmo acordou, foi até a sala e comeu tudo. Os cochichos que eu ouvia de vozes horrendas quando estava perto dele era algo enlouquecedor. "Quem disse que esse é moleque é seu filho? Aquela vagabunda já te traía há muito tempo! Se você o matar, seria até compreensível!". Pensei em Maria e ela logo apareceu, apontei para eles com a cabeça e minha filha fez novamente aquele "truque", uma luz dourada envolveu primeiro o Genaro e depois a mim e vi pela primeira vez os parasitas se afastarem.
Genaro estancou como se alguém tivesse apertado em seu botão de reset, trancou-se no quarto depois de lavar o prato sujo e chorou muito.
- Este pobre homem está consumido até a alma por coisas tão ruins papai... - Maria falou penalizada.
- Como assim? Ele é um monstro! - Disse sem me compadecer daquela atuação dele.
- Nem sempre ele foi... - Ela disse me olhando no fundo dos olhos. - Mas hoje em dia é tão perigoso para ele quanto é para as outras pessoas.
- O que você quer dizer? - Perguntei confuso.
- Faça um esforço para ouvir os pensamentos dele agora! - Ela disse e nós nos aproximamos do homem. A primeira coisa que ouvi foi: "Meu corpo ficaria totalmente desfigurado lá embaixo, nem o Flávio conseguiria me reconhecer!"
- Ele vai se matar? - Perguntei alarmado.
- Não sei, mas ele pensa muito nisso quando os parasitas se afastam! - Ela disse me olhando. - Tenho que voltar, hoje a noite o Samuel vai se encontrar com o Flávio e ele está uma pilha de nervos! - Falou empolgada, mas antes de desaparecer: - Ore por ele papai, afinal de contas um dia ele pode voltar a ser um espírito bom!
Ela sumiu e eu investiguei os meus sentimentos em busca de algo positivo para fazer por aquele homem, esse negócio de ser protetor desse menino é mais difícil do que imaginei! O garoto escapou durante a tarde, mas a noite foi surpreendido á na porta.
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Por mais magro que o Flávio fosse ele pesava um bocado, eu estava com medo de deixar que ele caísse e o machucasse ainda mais.
- Toca a campainha! - Pedi lhe segurando com as duas mãos o que dificultava tocá-la, ele esticou o dedo e tocou. Segundos depois minha mãe veio até a porta e a abriu. - Mãe, me ajuda aqui!
- Meu deus, o que houve? - Ela ficou parada.
- Mãe, me ajuda! - Ela segurou o Flávio, quis coloca-lo no sofá, mas eu disse que levaria para o meu quarto, notei que ela não gostou. Colocamos ele sentado na cama. - Flávio, você quer água? Tá com fome? Mãe, tem algum remédio pra dor?
- Samuel, deixe o seu amigo ai e me acompanhe até a cozinha nós traremos o que for necessário. - Disse séria e Flávio me olhou de uma maneira que dava pena.
- O que isso significa meu filho? - Disse minha mãe assim que chegamos na cozinha.
- Mãe, o pai dele fez aquilo. - Disse com os olhos marejados. - Eu preciso ajuda-lo. - Minha mãe me olhava descrente.
- O pai dele o deixou naquele estado? Meu deus! - Ela tapou a boca e ouvimos a porta se abrir, por um minuto pensei na possibilidade de ser o pai do Flávio, porém vi meu pai entrar e nos encontrar sozinhos na cozinha aos cochichos.
- Boa tarde família! Samuel, vai te aprontar pra o cursinho! - Disse depois de me dar um beijo na minha testa. Parou um pouco e nos olhou - O que houve?
- Papai, eu preciso pedir uma coisa a vocês dois! - Disse lhe olhando nos olhos.
- Fale meu filho! - Vi que ele ficou preocupado.
- Eu preciso que vocês me ajudem. Um amigo meu precisa de um lugar para ficar enquanto se recupera. - Ele me olhava de um jeito interrogativo.
- Quem é esse amigo Samuel? - Perguntou pousando as duas mãos na cintura.
- Sam... - Ouvi um sussurro e vi Flávio em pé na sala. Meus pais o olharam, meu pai se assustou.
- Flávio, volta para o quarto! - Corri até ele e o segurei. - Você não pode fazer esses esforços agora, ninguém sabe se você quebrou alguma coisa. - Meus olhos estavam marejados de pena dele.
- Que nada, eu não quero incomodar!
- Calma, rapaz - Disse o meu pai. - O que houve aqui?
- Papai, o pai dele fez isso! - Flávio murmurou algo que não compreendi, mas vi que ele ficou com vergonha - Deixa ele ficar aqui até se recuperar! - Falei em súplica.
- Mas meu filho... - Eu sei que estava colocando meus pais em uma situação difícil, afinal de contas eu queria dar guarita a um rapaz que eles nunca viram, que apareceu ali dentro com aquela aparência e era alguém de quem eu pouco havia falado, mas deixa-lo nas mãos do pai dele era ainda mais absurdo em minha cabeça.
- Por favor, papai! Ele fica no meu quarto e...
- No seu quarto não! - Minha mãe falou bem rápido - Vou ajeitar o quarto de hóspedes para ele, fique tranquilo. - Sorri de felicidade.
- Vamos descer! Esse garoto precisa ver um médico!
- Senhor, mas no hospital eles farão perguntas que não posso responder! - Flávio falou com vergonha.
- Vamos, chegando lá nós pensamos nisso! - Disse com um tom autoritário e nós nos calamos, descemos com Flávio apoiado em mim o tempo todo, eu estava muito feliz de tê-lo por perto, meu coração estava quente de vontade de abraça-lo e percebi que mesmo naquele estado ele me olhava com carinho. Fui no banco de trás com ele, fiquei lhe fazendo um cafuné e não parei mesmo depois que ele cochilou, nesse momento saí do transe que eu entrava sempre que ele estava em minha presença e olhei para o retrovisor do carro, vi que meu pai nos olhava sem nada dizer. Chegamos num hospital particular.
- Senhor, eu não tenho plano de saúde! Vamos num hospital público! - Ele suplicou.
- Não se preocupe rapaz, venha! - Ele me ajudou a apoiar o Flávio em uma viga da entrada da emergência, eu peguei uma cadeira de rodas que ficava por ali e ele sentou fui empurrando-o até chegar no local. Meu pai fez o cadastro e depois de um tempo tudo estava se resolvendo, eles fizeram vários exames e constataram que nada foi quebrado, só o braço de Flávio estava com uma luxação.
- Meu filho, me conte o que houve! - Meu pai falou enquanto esperávamos que ele saísse da sala de gesso. Papai já havia me perguntado enquanto ele recebia os pontos no supercílio, mas consegui me esquivar.
- Papai...
- Filhote, tu não precisa ter medo de mim! - Disse segurando em minha mão.
- Eu quero ajudá-lo, o pai dele o espanca. Por favor, papai. - A partir dali eu contei detalhadamente as coisas que haviam acontecido, óbvio que omiti que ele estava presente quando os meninos me fizeram cair. No fim de tudo meu pai parecia penalizado e disposto a ajudar.
- Nós vamos ajudá-lo, mas não escondê-lo! - Disse por fim.
- Mas papai se ele volta para casa e aquele homem o agredir de novo?
- Meu filho, ele pode ficar lá em casa, mas em algum momento ele terá que enfrentar essa situação. Nós podemos ajuda-lo, mas não resolver os problemas por ele! - Disse me olhando com atenção, baixei a minha cabeça e quis chorar.
- Tudo bem, mas não hoje. Deixa ele melhorar, tá bem?
- Claro! - Meu pai sorriu e me abraçou.
- Você gosta dele não é? - Disse cochichando, me assustei por causa da entonação usada na pergunta.
- Papai, eu...
- Quando você quiser eu e sua mãe estaremos prontos para lhe ouvir! - Ele segurava os meus ombros quando disse isso. - Fugi daquele olhar, por mais que eu estivesse entendendo o que ele queria dizer, um medo de que ele reagisse como o meu avô me tomou e me calei novamente. Os exames demoraram bastante, voltamos para casa quase às 22:00hs. Na garagem eu vi o pai de Flávio ali, como se estivesse desnorteado. Avisei ao meu pai e não acordei o Flávio que dormia no banco de trás do carro.
- Não vamos nos esconder, lembra? - Disse abrindo a porta do carro.
- Papai, esse homem é maluco! - Disse segurando em seu braço.
- Ele não fará nada comigo aqui, confie em mim! Acorde o rapaz! - Meu coração se comprimiu, mas confiei em meu pai. Foi só Flávio sair do carro que o velho veio em direção a ele como se tivesse sentido o seu cheiro.
- Seu merda! Onde você estava? - Fiquei na frente dele, impedindo que o velho que fedia a bebida se aproximasse. - Saia da frente seu moleque!
- O senhor não vai tocar nele - Disse antes que meu pai se metesse.
- Ele é meu filho! - Rugiu o bêbado.
- Isso mesmo, seu filho e não o seu saco de pancadas! Com licença senhor! - Meu pai falou firme. Ele amparou o Flávio e nós passamos pelo velho, meu amigo estava calado e notei que ele tinha medo. Segurei em sua mão assim que entramos no elevador, por azar o velho conseguiu nos acompanhar e foi bufando e resmungando até o seu andar.
- Você me paga seu energúmeno! - Disse em um momento. Olhei do meu pai para Flávio que começou a lacrimejar e meu desespero aumentou. Apertei a sua mão.
- Vou jogar fora todas as tuas roupas, vai ficar nu! - Disse colérico.
- O senhor faça o favor de colocar todas as roupas dele numa mala - Meu pai disse de forma calma e firme.
- Eu não vou fazer nada... - O velho gritou.
- Ah o senhor vai sim! - Meu pai gritou mais alto e eu me assustei com aquele embate - Se não fizer eu levo o seu filho numa delegacia para lhe denunciar pelo covarde que você é! - O velho tremeu - Um tipinho como você não duraria meia hora numa cela! - O velho engoliu a língua e ficou nos olhando assustado, meu pai virou-se para frente - Como eu ia dizendo, coloque as roupas do SEU FILHO - Ele gritou essa parte e o velho se assustou - Dentro de uma mala, daqui a uma hora eu vou buscar! Ele vai ficar em nossa casa enquanto se recupera e se quiser, pode ficar mais uns dias!
- O senhor não pode fazer isso, eu sou doente e não posso ficar só! - A porta do elevador abriu e se eu não conhecesse aquele velho, até sentiria pena dele.
- Fique sóbrio! Será de grande ajuda, aposto que sóbrio o senhor poderá se cuidar melhor! - Meu pai falou de forma firme. Nunca me senti tão orgulhoso dele como naquele dia, meu pai é o meu herói! O velho desceu do elevador não sem antes direcionar um olhar de raiva ao filho que estava todo remendado ao meu lado, antes que a porta se fechasse ele viu que segurávamos as mãos. Arregalou os olhos e murmurou algo. Quando a porta se fechou, meu pai soltou o ar e eu o beijei no rosto.
- Obrigado papai! - Disse baixinho e ele sorriu.
- Obrigado senhor! - O Flávio falou também. Nesse momento meu pai notou que segurávamos as mãos e senti meu rosto queimar, Flávio quis soltar, mas não permiti.
O resto da noite correu de forma normal, minha mãe fez um jantar leve e todos comemos juntos a mesa, ela sendo a mãezona que era, viu que Flávio estava com dificuldades de usar os talheres e cortou a carne para ele. Meu pai foi buscar as roupas e voltou pouco tempo depois com a mala e uma cara de poucos amigos. Entregou as roupas a mim, quando abri a bolsa senti cheiro de bebida e vi que elas estavam encharcadas de álcool. Minha mãe colocou-as na maquina e meu pai trouxe um de seus pijamas para o Flávio.
Na hora de deitar, esperei que todos dormissem e fui ao quarto de hóspedes e o surpreendi sentado na cama, o braço enfaixado e chorando.
- O que houve? - Falei sentando ao seu lado.
- Eu estou com vergonha pelo meu pai. - Disse e vi as lágrimas grossas e pesadas que desciam de seus olhos. - Eu tinha esquecido como é ter alguém que se importe comigo. - Falou me olhando e eu já chorava de pena dele.
- As coisas vão melhorar! Eu te prometo! - Segurei em sua mão e ele sorriu. Não aguentei e o beijei, ele correspondeu. - Se eu pudesse eu ficaria aqui contigo. - Disse maroto.
- Fica, eu te acordo antes das cinco da manhã! - Falou baixinho e me fez um carinho nos cabelos, cheirou o meu pescoço e cochichou - Muito cheiroso você! - Deitei ao lado dele e mesmo que eu sempre tenha dormido tranquilo sabendo que tenho uma boa família, boa condição financeira e um bom futuro pela frente, aquela foi a primeira noite que dormi em paz! Realmente em paz!
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