CAPÍTULO - 04


xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

Eu levantei daquele banquinho que só agora eu vi que flutuava, já havia desistido de tentar compreender as coisas impossíveis que aconteciam naquele lugar, e agora o homem a minha frente dizia com todas as letras que eu teria uma missão, que indiretamente envolvia o meu neto Samuel, que era uma maneira de me desculpar pelo que lhe fiz passar. Mas era um absurdo dos maiores.

- Por que o senhor está assim tão desconfortável em desempenhar essa função? - Ele cruzou as mãos e parecia genuinamente impressionado de eu achar aquela missão uma completa loucura.

- Ora senhor, me desculpe, mas isso é um absurdo! - Disse indignado!

- Mas como absurdo?

- O senhor quer que eu proteja o... Sei lá como se fala isso... Namorado dele? - Disse confuso.

- O senhor seria sim um espírito protetor do rapaz ou anjo da guarda como alguns preferem chamar, afinal o que eu lhe disse foi bem claro. Esse rapaz corre perigo e ele é, bom não gosto muito desse termo, mas é a alma gêmea do seu neto! - Era absurdo por cima de absurdo! Como assim, então agora essas coisas existem? Existe uma predestinação, é isso? De repente como se eu ouvisse a voz de Sampaio em minha cabeça: "Bom se tudo o que você viu até agora não lhe deixa com a certeza de que isso existe, como posso provar... É, bom estou falando diretamente com você por meio de telepatia, isso te explica algo?", ele me olhava com um sorrisinho presunçoso nos lábios.

- Você...

- Agora se sente e me conte o porquê você está assim tão indignado de ter que proteger o rapaz? - Falou com paciência e soube que ele á havia entendido tudo, não era por que eu estava impressionado de haver vida após a morte, não era por eu ter descoberto sobre essa história de almas gêmeas e muito menos por estar ali flutuando com ele, é por que o destino do meu neto era ficar com outro homem, então tive muita vergonha de dizer em voz alta, já que com certeza ele não considerava isso um pecado...

- Diga-me, não é pecado dois homens juntos? - Perguntei mesmo assim!

- Aqui nós não vemos gênero ou sexo meu querido, aqui nós lidamos com almas, mas acho que isso o senhor já percebeu! - Tudo bem, pesquei a ironia. Fechei a cara, não mudei tanto assim; - Amor é amor e ele só vai ser feliz realmente com esse rapaz.

- Mas só existe uma pra todo mundo? Se esse garoto morre meu neto vai ser sempre infeliz?

- Não, ele pode encontrar outro rapaz que o ame e que ele aprenda a amar e respeitar, mas aquele amor que você sentiu e sente por Leninha e ela por você... Sabe como? Que você fica feliz só em falar na pessoa em questão, que você chora de dor por saber que o outro sofre, que você faria qualquer coisa por um sorriso da pessoa amada... Bom, esse tipo é só com ele! - Disse irredutível.

- Mas...

- Você quer a felicidade dele? - Segurou a minha mão e o toque dele era tão calmo que senti novamente aquele aperto e uma vontade de chorar. - Chore meu querido, aqui nós estamos buscando que você fique cada vez mais evoluído e esconder os sentimentos não é a forma de chegar lá. - Disse brando e eu realmente chorei, senti-me seguro.

- Eu quero que ele seja o mais feliz que puder nessa vida!

- Ele será, sem dúvidas, mas você precisa ajudar ao rapaz...

- E dele, quem cuida? - Quis saber.

- Você vai ver quem é, mas é um espírito bem experiente. Os dois cuidam um do outro por muitas encarnações, não se conheceram nessa, mas eles dois já estiveram juntos por muitas vezes. - Fiquei mais tranquilo, afinal havia alguém cuidando dele.

- Mas por que só agora? Digo, o rapaz já deve ter quase vinte anos ou não?

- Sim, é verdade... Mas não existe perfeição, esse rapaz estava sem ninguém desde o nascimento e por isso tem uma vida tão difícil. - Ele pareceu ficar triste - Ele ficou muito revoltado com as coisas que aconteceram com ele...

- Tudo bem, pelo meu neto eu aceito. - Disse vencido, mas que era uma maluquice aquilo tudo. Com certeza era.

Saí daquele lugar com dor de cabeça até, nem sabia que aquilo ainda podia acontecer. Andei e encontrei com minha filha.

- E então papai, vai cuidar dele? - Perguntou animada.

- Sim, irei. - Disse mais animado com a ideia.

- Bom, saiba que não vai ser fácil. O rapaz precisa de muita ajuda.

- Você o conhece Maria? - Perguntei interessado.

- Recentemente o conheci. Eu cuido de Samuel. - Disse sorrindo. De repente eu estava ao lado de um garoto que ria de Samuel numa lanchonete, havia mais três junto dele. Mas qual é o meu? Perguntei confuso.

_______________xx____________________________________xx_______________

Quando olhei para trás o Flávio segurava em meu braço, dei um jeito de me desvencilhar dele, afinal o que ele queria agora me jogar na frente de um carro?

-Ei cara espera! - De repente o som das rodas do skate estavam se aproximando cada vez mais rápido, por mais que eu acelerasse o passo, cheguei correndo ao prédio, entrei rapidamente e o vi atrás e não entendi o porque ele não alcançou, cheguei à garagem do prédio e vi o pai dele ali.

- Você viu o meu filho? - Ele parecia estar bêbado e um arrepio me percorreu imediatamente, se ele era capaz de bater nele estando sóbrio imagine naquele estado.

- Não, não vi! - Ele se aproximou de mim com a cara feia, senti certo medo, mas o nojo daquele homem me invadiu de tal forma que me afastei um pouco. Ele deu meia volta e não entendi nada, quando ele entrou verifiquei se ele já estava no elevador e saí novamente para a rua, vi o Flávio encostado ao muro que circulava o prédio. - Ei vai dar uma volta!

- Por quê? - Ele me olhou sem entender, vi então que ele fumava um cigarro.

- Seu pai estava te procurando, vai logo! - Olhei para ele e vi o medo passar por seus olhos.

- Vem comigo? - Eu sei que não devia, afinal de contas o cara tinha sido complacente com os dois amiguinhos dele, mas naquele momento somente a visão dele apanhando do pai me atingiu e não tive coragem de lhe negar companhia, ele devia estar na rua fugindo do pai.

- Pra onde? - Perguntei.

- Isso importa? Vem logo! - Não soube o que responder, mas ele segurava em meu pulso e rapidamente me vi andando por ruas esquisitas, pouco iluminadas nas redondezas dos prédios em que morávamos. - Foi mal por aquele dia, eu não sabia que eles iam fazer aquilo.

- Bom, acho que você os conhece o suficiente para saber do comportamento deles... - Disse sem lhe olhar.

- Eu gosto da tua companhia, mas...

- Mas o que? - Estanquei no meio do caminho e já me arrependia de estar com ele por ali, eu demoraria um pouco a me encontrar naquela altura do bairro.

- Quer um cigarro? - Ele tirou uma carteira de Marlboro Vermelho de um dos bolsos da calça.

- Não, me responde o que eu te perguntei. Você gosta de mim, mas... - Insisti e dessa vez não sei como arranjei forças para não ser sugado para dentro daquele olhar. Sustentei por muito tempo, de certa forma a maneira como ele acendeu aquele cigarro foi extremamente charmosa, como aqueles atores em filmes antigos que faziam esse vício horroroso ficar bonito. A chama do isqueiro iluminou uma parte de seu rosto e ele se dividia entre a ponta do cigarro e meus olhos. Minhas pernas até ficaram bambas.

- Não sei explicar, você é diferente. - Disse como se aquilo fosse um elogio, mas me soou como algo terrível, logo eu que só queria ser igual a todos os outros. Ele sorriu. Tragou demoradamente o cigarro e soltou a fumaça fazendo com que ela subisse, vi um banco próximo a uma árvore e fui andando e sentei ali. Ele veio andando em minha direção ajeitou a calça que estava quase no joelho, não sei como ele conseguia andar.

- Isso vai te matar! - Falei apontando para o cigarro.

- Não, meu pai tenta muito mais e ainda não conseguiu! - Disse fazendo graça, mas aquilo me pegou desprevenido. Ela tragou de novo com prazer absurdo aquele cigarro - O que foi que eu disse? - Perguntou olhando para a minha cara de interrogação.

- Por que ele te bate assim? - Perguntei com medo, ele segurou o cigarro de uma maneira diferente.

- Por que ele é um escroto! - Disse com raiva,

- Sim, mas o que isso quer dizer? - Perguntei ainda tentando entender. Até então eu só havia apanhado de meu avô e não gostava nem de lembrar daquilo, imagina só você apanhar de um cara bêbado quase que diariamente.

- Que ele me odeia... É isso que significa! - Disse com raiva, mas sei que não era de mim e por isso continuei.

- E sua mãe?

- Eita que você hoje tá perguntando muito! - Falou irritadiço.

- Vai quebrar o meu braço por isso? - Disse chateado com o seu tom de voz.

- Como assim?

- Meu nariz, quebrou! - Disse apontando pra ele.

- O meu já foi quebrado duas vezes. - Engoli em seco aquela informação. Fiquei calado olhei para o meu relógio e vi que passava das onze da noite e que meus pais deviam estar enlouquecendo.

- Tenho que ir, meus pais vão ficar preocupados! - Disse levantando na esperança de que ele me acompanhasse até o nosso prédio. Só que ele continuou sentado, então o puxei. Só então percebi que seus olhos estavam vermelhos. Será que ele chorou e eu não notei, ele viu que eu notei e virou o rosto para o outro lado. - Vem, eu não sei voltar sozinho e não vou te deixar no meio da rua uma hora dessas. - Ele sorriu e foi como se eu ganhasse o dia, que ódio de mim!

Andamos em silêncio até o prédio, na entrada eu pedi que ele me esperasse e eu voltaria para lhe avisar se seu pai estava por ali, assim ele fez, percorri a garagem do prédio e fui até o hall de entrada. O velho não estava por lá, voltei para busca-lo. Subimos calados no elevador, ele com seu skate e eu com minha mochila. Não nos olhávamos, não sei dizer por que. Pouco antes de chegar em seu andar, sua mão tocou de leve em meu braço me arrepiei completamente.

Notei então que ele me olhava, foi rápido o seu movimento ele me encurralou contra a parede fria de ferro do elevador e colou os lábios aos meus, me desesperei e quase não consegui permanecer vivo até o momento em que senti sua língua encostar ao meu lábio inferior e contive um frêmito, segurei seu antebraço com os olhos fechados, quando voltei a realidade estava chupando a sua língua com gosto, ele gemeu ao sentir a minha entrega. O cheiro de seu suor misturado ao perfume e o cheiro do cigarro formavam um aroma totalmente novo, totalmente dele e eu me senti perdido pela primeira vez em minha vida. Ele se afastou de mim sorrindo e em silêncio voltou ao lugar em que estava antes, saiu do elevador me deixando totalmente abobalhado. Antes da porta fechar ele disse:

- Te espero lá em cima hoje! - Puta merda, como ele conseguiu fazer isso sem que eu oferecesse a menor resistência? Virei para o espelho que ficava na parte de trás do elevador e passei gentilmente dois dedos em meus lábios e sorri. Desci do elevador e quando entrei no apartamento tive certeza que minha avó havia morrido, minha mãe e meu pai me olharam os dois com os olhos marejados.

- Meu filho! - Gritou minha mãe e veio em minha direção quase me derrubando no chão com a força do abraço que me deu. - Você quer me ver morta menino? - Falou alto em meu ouvido e temi pela saúde dos meus tímpanos.

- Meu deus, o que houve mamãe? - Disse assustado.

- Você estava onde Samuel? - Agora ela me chacoalhava como se eu fosse um boneco. - Me diga, onde você estava menino? Ai Jesus, esse menino que não fala nada! - Disse ainda me chacoalhando e eu não sabia se ria ou se... Ria, a situação era cômica demais.

- Mamãe pare de me balançar assim! - Segurei-a e meu pai veio em minha direção.

- Onde você estava mocinho? - Disse me olhando e tentando fazer uma cara de bravo.

- Eu estava com um amigo aqui perto do prédio. - Os dois se entreolharam e sorriram.

- E por que não avisou a nenhum de nós dois? - Meu pai falou apontando dele para mamãe.

- Porque ele me chamou quando eu estava entrando, acabamos conversando muito. Desculpa! - Não queria preocupa-los, de verdade. Senti-me mal. - Desculpa gente, não foi minha intenção.

- E quem é esse garoto? - Perguntou minha mãe. Vendo que eu procurava uma resposta - É aquele do outro dia?

- Que outro dia? - Falou meu pai e daquela parte eu vi que ele não gostou nem um pouco.

- Depois eu te falo. - Falou olhando pra ele - Vai tomar banho e comer alguma coisa menino! - Disse me olhando, mas fui comer primeiro. Logo depois de passado o susto eu entrei banheiro e sorri ao me ver no espelho, eu estava horroroso, um círculo roxo emanava do meu nariz subia quase até a minha testa. Parecia que eu havia passado uma maquiagem em apenas uma parte do meu rosto, mesmo assim sorri pela lembrança dos lábios dele. Esperei meus pais dormirem e eles nunca demoraram tanto como naquele dia, verdade seja dita eu me entreti bastante no banho, pois com certeza somente as minhas partes internas não viram o sabonete que eu usava.

Escolhi uma roupa e fiquei me perguntando se ele notaria o cuidado com que eu havia combinado aquelas peças, se ele notaria que aquele cheiro que emanava de mim havia sido escolhido depois de cuidadosa consideração. Andei devagar para fora do apartamento como eu sempre fazia, mas peguei o elevador para o último andar e de lá fui pela escada de incêndio, cheguei ao telhado e ele estava lá. Com a mesma roupa de mais cedo, com a cabeça baixa e um cigarro nos dedos, quando ele levantou vi seus olhos brilhando e seu nariz escorrendo sangue. "O pai dele é um monstro!".

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

ki

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top