CAPÍTULO - 03
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O lugar era totalmente diferente do que eu imaginava, parecia um grande parque com todos os tipos de árvores, flores, animais. O sol esquentava de uma forma gostosa a todos ali, vi muitas pessoas juntas, alguns pareciam ser casais, todos em estado contemplativo. Maria segurava em minha mão me guiando por aqueles locais, diferente daquele em que estive anteriormente, neste nós parecíamos nos mover. De repente alguns prédios se fizeram notar e eu estava em uma cidade de sonhos, quase tudo era transparente, me vi deslumbrado com o local.
- É tudo muito lindo não é papai? - Minha filha me perguntou sorrindo e orgulhosa. - Desde que cheguei aqui não canso de contemplar tanta beleza. - Era realmente tudo muito lindo por ali, uma sensação de paz e completude me pegava o tempo todo e me vi sorrindo de felicidade.
- Onde nós estamos Maria? - Perguntei sentindo uma pontada de medo de sua resposta.
- Na sua nova morada papai, não se preocupe com nomes. Vamos, vou lhe levar em um lugar para limpar essas impurezas que o senhor ainda carrega em si, e depois vamos ver qual será a sua missão. - Falou rápido e aquilo tudo me pareceu loucura por um minuto. - Venha, não papai, não é loucura. - Ela lia os meus pensamentos de verdade. Resolvi tentar algo, pensei: "Que saudade de Leninha e Samuel" - Provavelmente sua missão tem a ver com ele! - Disse me fazendo perceber que sim, ela lia os meus pensamentos como se eles estivessem sendo escritos em minha testa à medida que os desenvolvia.
- Filha, me explique melhor tudo isso, e que história é essa de missão? - Perguntei segurando-a no meio do caminho.
- Papai, prometo que lhe explicarei, mas venha se limpar primeiro. Tem muita energia ruim à sua volta ainda! Venha! - Pude perceber que a grande maioria das pessoas que lá estavam usavam roupas leves de cores claras, eu era o único até então que usava roupas escuras e sociais, por mais que elas estivessem em estado lastimável. Entramos num lugar que remetia a um hospital, lá dentro havia câmaras, coisas que eu só cheguei a ver em alguns filmes que passavam na TV e dos quais nunca me chamaram muito a atenção, mesmo assim Maria me colocou lá dentro e foi como se eu sonhasse pela primeira vez desde que fui parar naquele lugar. À medida que eu ia me sentindo melhor, consegui ouvir as orações de Leninha, Neto, Samuel e até de Viviane por mim. Nem todas eram as rezas normais como "Ave-Maria" ou o "Pai-Nosso", principalmente as de Samuel me tocaram de uma maneira que um nó se formou em minha garganta.
Em uma delas ele dizia: "Vovô, me perdoa por te decepcionar. Eu te amava, digo... Ainda te amo tanto, eu não queria ser assim, eu juro. Se o senhor estiver me ouvindo, me perdoa tudo bem?". Consegui visualizar seu rostinho angelical dizendo aquelas palavras com as bochechas banhadas em lágrimas. À sua volta uma aura que oscilava entre a cor rósea e o lilás. Quis tanto voltar no tempo e desfazer as mágoas que lhe causei. Meu pequeno, eu prefiro arrancar a minha mão a lhe fazer sofrer novamente, pensei e quis que aquela prece chegasse a ele. Quando Maria abriu a câmara, estava eu também vestindo uma espécie de bata, da cor azul clara.
- Minha filha, eu ouvi o Samuel... - Disse a ponto de chorar.
- Papai, à medida que nos limpamos de sentimentos e energias negativas fica muito mais fácil de entrar em contato com o coração de pessoas que amamos e isso não só por aqui, na vida na terra também. - Disse me fazendo um carinho. - Samuel tem uma alma antiga, muito antiga mesmo. Ele já lhe perdoou e mesmo sem me conhecer ele sempre conversa comigo em sonhos. - Disse sorrindo - Ele tem uma bonita missão na terra, não é nada grandioso, mas ele vai tocar o coração de várias pessoas, será ele a semente de algo muito bonito! - Eu chorei e não sei explicar como, mas minhas lágrimas me deixavam com uma sensação física de leveza.
- Eu posso vê-los? - Perguntei excitado pela possibilidade.
- Primeiro o senhor terá que aprender a não interferir em nada, nós não podemos nos meter no plano físico. Mas sim, o senhor poderá vê-los.
- Pois me ajude minha filha, eu preciso saber que estou fazendo algo de bom por eles.
- O perdão chega para todos, mas o senhor precisa se perdoar papai! - Sentou-se ao meu lado e me fez um carinho. Não sei quanto tempo passei indo diariamente realizar essas "limpezas", mas o certo é que elas me ajudavam e sempre durante esse período que eu só posso comparar a um sono com sonhos nítidos, eu ouvia a voz de meu neto, de meu filho e de Leninha. Por muito tempo, a contragosto, eu "trabalhei" naquele ambiente como servente, só quando eu peguei gosto por esse trabalho simples é que fui finalmente chamado a outro prédio onde um senhor simpático e de cabelos muito brancos dava os cargos aos mais diversos espíritos dali.
- Olá meu irmão, o seu nome é Manoel, não é? - Disse só de me olhar.
- Sim, e o senhor como se chama? - Disse sentado em uma banqueta de frente para aquele senhor.
- Me chamo Sampaio, é o nome que trago de minha última encarnação na terra e gosto dele. - Sorriu e segurou minha mão, tive um sobressalto interno, pois em vida nenhum homem jamais se aproximou de mim daquela forma, não posso dizer que foi de maneira desrespeitosa, mas estranhei mesmo assim. - Não precisa se alarmar, aqui essas coisas não existem! - Disse calmo.
- Perdão - Falei envergonhado.
- Logo você se acostuma e verá que a troca de energia que um abraço sincero trás para a sua vida independe de rótulos.
- Eu nunca senti isso. - Disse mais envergonhado ainda.
- Sentiu sim, sua mulher sempre lhe abraçou dessa forma, Maria também e por último o pequeno Samuel.
- Minha filha me disse que minha missão pode ter a ver com ele. - Disse animado com a possibilidade de vê-lo.
- Indiretamente! - Disse enigmático.
- Me explique, por favor! - Ele começou a falar devagar, mas o que ele me pediu para fazer era ultrajante demais! Como é possível? Eu sou avô dele!
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Começar a frequentar o cursinho foi uma mudança e tanto na minha rotina, afinal de contas havia milhares de pessoas ali dos mais variados tipos e estilos. Queria fazer amizade com cada um deles. No primeiro dia eu entrei mudo e saí calado, assisti aulas de cálculos e química, ou seja, mais cálculos. A sala era extremamente numerosa, mais de oitenta pessoas com certeza, aquela multidão de rostos era assustadora e excitante ao mesmo tempo. Meu pai foi me buscar naquela noite, como o prometido. Ele era um homem bem protetor comigo e mamãe, mas não de um jeito sufocante e chato e sim de uma forma fofa. Ele colocou uma música do Chico Buarque para tocar enquanto íamos andando até chegar em casa.
- E então filhote, como foi o primeiro dia de aula? - Disse segurando em meu joelho.
- Ah pai, normal! Muita gente, na minha sala tem mais de oitenta pessoas, acredita? - Disse animado, seguimos conversando sobre isso. Passamos pela pracinha onde vi o Flávio pela primeira vez e ele estava lá sentado em cima do skate, sozinho no escuro. Meu coração se comprimiu de pena dele, nas últimas noites nós tínhamos nos encontrado diariamente no telhado do prédio, sem muito conversar, só queríamos a companhia um do outro, era estranho estar sempre silenciosamente ao lado de uma pessoa, mas com ele era bom. Não vou dizer que não precisávamos de palavras para nos entender e todo esse blá blá blá melodramático, até por que eu precisava e muito das palavras dele, mas ao que parece ele não estava disposto a me dar. A mim me restava apenas esperar que em algum momento ele quisesse conversar.
Naquela noite eu subi ao telhado depois de confirmar que meus pais dormiam, no meio do caminho meu coração batia na garganta e eu cada vez mais queria que pudéssemos passar a noite ali juntos, mesmo que calados. Quando pisei no telhado ele se virou e sorriu, eu levei uma manta que ficava em cima do sofá da sala, pois mesmo não estando numa estação fria, os últimos dias tinham se apresentado mais fresquinhos.
- Oi - Disse me encostando ao parapeito, ele me olhou e sorriu. Aquela era a sua maneira de dizer "Oi" - Te vi hoje na praça quando eu estava voltando do cursinho. - Tentei puxar assunto.
- Hoje foi o primeiro dia? - Disse sem o mínimo interesse.
- Foi sim! - Falei baixando a cabeça e em seguida olhei para o horizonte.
- Como foi lá? - Ele perguntou baixinho.
- Você quer mesmo falar sobre isso? - Perguntei com esperança de que ele mostrasse o mínimo de interesse pelas coisas do meu dia-a-dia.
- Na verdade não! - Ele se virou e foi sentando no chão, seu rosto desapareceu na escuridão, mas seu olhos, como os de um gato, brilhavam no escuro e eu sentei imediatamente. Fiquei calado sem lhe encarar, olhava para as unhas do meu pé e abracei os meus joelhos.
- Tá usando algum perfume? - Disse do nada e eu fiquei sem saber o que responder.
- Estou! - Falei tímido.
- Você passa perfume para vir me ver? - Disse em tom jocoso e eu quis pular daquele parapeito de tanta vergonha.
- Claro que não seu convencido! - Disse com falsa raiva da pergunta dele.
- Eu acho que sim! - Disse de forma safada e eu que era super verde não consegui entender aquele tom, fiquei calado sem conseguir formular uma frase de defesa. - Deixa eu ver se é você mesmo... - Ele veio em direção ao meu pescoço, cheirou-o longamente fazendo barulho e eu quase desfaleci ali, de repente eu senti os lábios dele tocando gentilmente o meu pescoço e um arrepio frio me percorreu por inteiro. Demorou menos de um segundo aquele contato, mas foi o suficiente para fazer ruir todas as minhas convicções, a maciez dos lábios dele no meu pescoço, o ato inesperado, o lugar em que estávamos, tudo foi perfeito. Sonhei que o meu primeiro beijo seria ali, mas lamento dizer que não.
Ele parece ter se assustado pelo que fez e se recolheu ao seu lugar, afastou-se um pouco de mim e ficou calado imediatamente. Aquela noite foi particularmente interessante, pois nenhum dos dois teve coragem de levantar até que as luzes começaram a mudar de cor e nós percebemos que logo iria amanhecer. Aquilo nos assustou e até descemos juntos, ele morava um andar abaixo de mim, antes de nos separarmos na escada ele falou: - Amanhã naquele mesmo "BatHorário" e naquele mesmo "BatCanal"? - Eu não entendi o que era aquilo, mas confirmei imediatamente, ele continuou descendo e entrei em casa pé ante pé, ouvindo o meu pai roncar. Quando abri a porta de meu quarto, minha mãe estava sentada em minha cama.
- Posso saber onde o mocinho estava? - Disse inquisitiva cruzando os braços.
- É... Eu... É... - Dei um sorriso de nervoso. Ela chegou bem próximo de mim, segurou nas minhas bochechas e cheirou dentro da minha boca.
- Não estava bebendo e nem fumando... - Falou mais calma - Onde você estava Samuel? - Falou cruzando novamente os braços. Fiquei calado e ela cada vez mais impaciente - Você só vai dormir depois que me disser onde se meteu! - Droga, queria tanto saber mentir!
- Estava no telhado do prédio... - Falei baixinho.
- Sozinho? - Droga! Uma mentirinha, só uma!
- Não! - Falei envergonhado.
- Com quem Samuel? - Ela estava até calma, mas eu sabia que mamãe não deixaria passar aquela.
- Com o Flávio! - Disse mais baixo ainda.
- Com quem?
- O Flávio, mãe! - Falei como se ela soubesse de quem se tratava.
- Não conheço esse menino! - Ela sentou em minha cama.
- Ele é aqui do prédio, nós somos amigos. Eu acho... - Lembrei dos lábios dele no meu pescoço, daquele nariz, dos braços dele...
- Acha? Filho, você sabe que pode me contar tudo o que você quiser, não é? Aliás, tanto pra mim como para o seu pai. - Falou e levantou para me abraçar - Então, quer me falar alguma coisa? - Eu sei que eu poderia tentar conversar com ela sobre o que eu vinha sentindo por ele, mas se nem eu mesmo sabia bem como colocar as coisas, conversar parecia ser uma tarefa sem fundamento naquele momento. Com uma caretinha eu declinei da oferta, ela me beijou e foi para o seu quarto. Não dormi imediatamente, meu pescoço queimava no lugar em que Flávio beijou e naquela noite eu tive que me masturbar antes de dormir.
Acordei mas de dez da manhã, meu pai que estava recebendo uma bolsa da universidade para estudar em casa, estava em seu quarto. Fui até ele e dei um abraço;
- Bom dia papai! - Disse bagunçando os seus cabelos.
- Bom dia Samuel! - Falou sorrindo, tive certeza que minha mãe havia dito algo. - Acordou tarde hoje, sua mãe está sentindo falta do ajudante dela. - Dei um beijo nele e saí do quarto. Na cozinha minha mãe preparava o prato preferido de meu avô, um baião de dois com costela suína. Ajudei nos últimos retoques e depois almoçamos juntos, meu pai saiu para a sua aula logo em seguida e eu dormi mais um pouco durante a tarde.
Quando acordei tomei um banho demorado e caprichado, vesti uma roupa simples e fiquei esperando meu pai na garagem do prédio para que ele me levasse ao cursinho. Foi quando o Juninho e o Gabriel apareceram acompanhados do Flávio.
- Olha quem tá por aqui! - Disse o Gabriel passando o braço pelos meus ombros. - Tá indo pra onde? - O Juninho fez o mesmo e agora os dois me cercavam, olhei para Flávio como um pedido de socorro. - Calma fruta! Não precisa por um ovo! - Os três caíram na gargalhada, foi com ódio que vi quando o Flávio riu e muito, diga-se de passagem.
- Com licença! - Disse e fui me afastando, foi quando o Juninho pôs o pé na minha frente e eu caí de cara no chão, ouvi um "plaft" e quando levantei o rosto o meu nariz sangrava, só o Flávio parou de rir, mas nem a mão me estendeu. Subi correndo ao meu apartamento, minha mãe quase morre do coração, segundo dia de aula e eu já ia faltar. Consegui dele um beijo no pescoço num dia e no outro os amigos me quebravam o nariz. Obviamente que naquela noite eu não subi ao telhado, um tanto pela mágoa, mas muito pelo remédio que o médico passou que me derrubou de imediato, para os meus pais eu contei a história mais antiga do mundo: Tropecei e caí!
Dois dias depois eu voltei de ônibus do cursinho, pois o carro do meu pai deu um problema, a parada era justamente na pracinha onde vi os meninos de skate pela primeira vez. Pelo horário havia pouca movimentação, eu estava envergonhado de andar por aí com aquele roxo que se formou ao redor da área do nariz, mas meus pais não me deixavam faltar aulas. Quando desci na parada, avistei o Flávio andando sozinho de skate, ele treinava umas manobras, estava sem camisa e novamente com um olho roxo. Parece que o pai dele adorava aquele lugar para lhe marcar, mas naquele momento não senti pena dele... Andei um pouco ainda na praça até chegar à faixa de pedestres, quando coloquei um pé no asfalto:
- Sam, a gente pode conversar? - Flávio segurava o meu cotovelo.
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