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ENTRE O SONHO E A REALIDADE


Maria Clara sentiu o cheiro forte de hospital antes mesmo de abrir os olhos. Era como se sua mente estivesse lentamente despertando de uma névoa profunda. Tudo parecia desconexo, como se sua consciência estivesse presa em uma realidade fragmentada. Seus olhos se abriram com dificuldade, e a luz branca e fria do teto do quarto a fez piscar várias vezes.

Ela sentiu um peso estranho no peito, como se algo importante tivesse sido arrancado dela, mas não sabia o quê. Tentou se mover, mas a dor em seu corpo a manteve presa à cama. Um bip constante de monitor cardíaco preenchia o ambiente, e, ao virar levemente a cabeça, viu João Moreira sentado ao lado dela.

Ele estava com a cabeça apoiada nas mãos, o cabelo desgrenhado, e parecia cansado. Havia algo em sua expressão que Maria não reconhecia imediatamente: medo.

— João...? — A voz dela saiu rouca, quase como um sussurro.

João levantou a cabeça imediatamente, seus olhos se arregalando ao vê-la acordada. Ele se inclinou para frente, quase sem acreditar.

— Maria?! Meu Deus, você acordou! — Ele segurou a mão dela com força, como se precisasse da confirmação de que ela estava realmente ali.

Maria franziu a testa, confusa. Ela tentou organizar os pensamentos, mas tudo parecia um borrão. Por um instante, flashes de memórias inundaram sua mente: gêmeos, uma casa em Manchester, irmãos mais novos, uma tragédia. Mas nada disso fazia sentido.

— Onde... onde estão as crianças? — perguntou ela, sem nem perceber o que estava dizendo.

João piscou, claramente confuso. — Crianças? Que crianças, Maria? Você está no hospital... Você sofreu um acidente há duas semanas. Eu achei que... — Ele parou, sua voz falhando. — Eu achei que tinha perdido você.

O coração de Maria disparou. O quê? Duas semanas? Tudo o que ela se lembrava — os gêmeos, Olívia e Heitor, a casa grande com jardim, os pais falecidos, até mesmo Manchester — parecia tão real. Mas agora, encarando João e o ambiente estéril do hospital, tudo isso começava a se desintegrar como areia entre seus dedos.

— Não... — murmurou ela, tentando se sentar. A dor latejou em seu corpo, mas ela ignorou. — Eu estava em Manchester... Tínhamos uma casa grande... E... e os gêmeos, João! Os nossos filhos! — Ela olhou para ele, esperando algum sinal de reconhecimento, mas tudo o que viu foi a expressão de perplexidade e preocupação no rosto dele.

João balançou a cabeça, ainda segurando a mão dela. — Maria, você deve estar confusa por causa do acidente. Não houve Manchester. Não houve gêmeos. — Ele parou, tentando medir as palavras. — Foi só um sonho. Você estava vindo para a minha casa naquela noite, lembra? E sofreu um acidente no caminho. Isso é tudo.

As palavras dele caíram como uma bomba em sua mente. Todo o futuro que ela achava ter vivido desapareceu como fumaça. Ela sentiu as lágrimas escorrerem antes mesmo de perceber que estava chorando.

— Não... não pode ser... — sussurrou ela, apertando a mão de João como se isso pudesse trazer aquele mundo de volta. — Era tão real... Eu sentia tudo, João. Eu amava eles... Eles eram nossos.

João a puxou para perto, tentando consolá-la. — Eu não sei o que você sonhou, mas estou aqui, Maria. Estou aqui com você, e vou ficar ao seu lado. Sempre. — Ele a segurou com cuidado, seus próprios olhos brilhando com lágrimas. — Eu sei que você está assustada, mas você está viva, e isso é tudo o que importa.

Maria encostou a testa no peito dele, sentindo o calor do abraço, mas sua mente ainda estava perdida no mundo que agora sabia ser apenas um sonho. Como podia ter sido tão real? Como podia ter se sentido tão viva naquele futuro que não existia?

A Confusão e o Recomeço

Os dias seguintes foram um borrão de exames, fisioterapia e conversas confusas com João. Ele permaneceu ao lado dela o tempo todo, tentando ajudá-la a separar a realidade do sonho. Mas para Maria, cada pequeno detalhe do que ela viveu em sua mente ainda estava presente: o sorriso de Heitor, a risada de Olívia, a dor de perder os pais, a alegria de adotar os gatos Thor e Luna e até mesmo a sensação de pisar no gramado do Old Trafford.

— E se não foi só um sonho, João? — perguntou ela uma noite, enquanto ele a ajudava a caminhar pelo corredor do hospital. — E se foi... uma espécie de visão? Como se fosse algo que poderia acontecer, ou que deveria acontecer?

João parou, olhando para ela com uma mistura de tristeza e ternura. — Eu não sei, Maria. Mas, se for algo que deveria acontecer, então a gente vai fazer isso juntos. Um passo de cada vez, ok?

Ela olhou para ele, buscando algo que a ancorasse na realidade. E naquele momento, percebeu que talvez não precisasse de um sonho para criar um futuro com ele. Talvez o que realmente importasse fosse o presente, o que eles poderiam construir a partir daquele momento.

Um Novo Começo

Quando Maria recebeu alta, ela e João voltaram a focar em suas vidas. O acidente não apenas abalou suas perspectivas, mas também os aproximou de uma maneira que nenhum dos dois esperava. Eles ainda tinham suas carreiras no futebol, suas rivalidades dentro de campo, mas agora havia algo mais: uma promessa silenciosa de que, juntos, poderiam criar um futuro tão bonito quanto o sonho que Maria teve.

E, em algum lugar no fundo de sua mente, Maria ainda guardava os rostos de Heitor e Olívia. Talvez eles ainda estivessem esperando por ela, em algum futuro que só o tempo poderia revelar.

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