Capítulo 7 (parte 2)

John trabalhou calado, com cara séria e um quê de nostalgia no olhar. Realizou suas tarefas na biblioteca quase roboticamente. Quando acabou seus afazeres, ainda permaneceu em seu gabinete, quieto, pensativo, deixando escapar um suspiro profundo de quando em quando.

— Pelo amor de Deus... — disse Norma.

Interrompido de seus pensamentos distantes, John olhou-a, virando-se em sua direção.

— O que foi?

— Não vá me dizer que está apaixonado por aquele imbecil.

Norma sempre sabia de tudo. Sempre.

— De onde tirou isso?

— Está escrito na sua testa.

John fitou-a com seu olhar intimidador, que já não surtia efeito algum.

— Não estou apaixonado por ninguém.

— Não está pouco apaixonado, né?

— Não estou apaixonado por ninguém — corroborou.

— Humf... — arfou Norma. — Tá bom, então — e saiu.

Apaixonado era um termo muito expressivo, e John não tinha certeza de que o que sentia era realmente paixão. Não amava a Steven, mas desejava-o intensamente, isto era sabido.

Logo anoiteceu. Retornando ao quarto, um bilhete sobre a cama de Andrew. "Fui ao bar. Andrew". John se lembrou de que precisava fazer o mesmo. Tratou de ligar para Melanie para confirmar se o compromisso ainda estava de pé.

Estava.

Tomou um banho rápido, trocou de roupa e saiu. Pegou o carro e buscou-a em casa. Cumprimentaram-se e seguiram ao tradicional pub sem demora. John estacionou o carro do outro lado da rua e, então, ambos entraram.

— Nossa, isso aqui tá cheio hoje, hein? — disse Melanie, segurando o braço de John, que seguia à frente.

— É... Deve ter mesa lá em cima. Vamos.

Caminharam alguns passos por entre as muitas pessoas que ali estavam, mas logo John parou por um instante. Tudo pareceu ter se tornado silencioso e difuso.

— Que foi, John? Por que parou? — perguntou Melanie.

Não houve resposta. Qualquer coisa que John justificasse pareceria boba, pois o que estava vendo tinha importância apenas para si: um pouco à esquerda do centro do bar, sentados sozinhos à mesa, estavam Andrew e Steven. Mas não foi isso que o deixou paralisado; foi algo que, para ele, era inédito: Steven sorria. Mais do que isso, ele ria. Desde que se esbarraram pela primeira vez, naquele mesmo bar, John nunca vira um riso tão sincero e espontâneo e bonito quanto o que via naquele tênue instante.

Mas logo em seguida Steven tornou-se sério novamente, como se o encanto tivesse efeito por muito pouco tempo.

— Quem você está vendo aí, John? — perguntou Melanie, adiantando-se e acompanhando o olhar de John. — Ah, o Andrew e o Steven?

— É... Eu nunca tinha os visto por aqui antes.

— Ué, mas a faculdade inteira vem pra cá. Por que o espanto?

Como previra, qualquer explicação seria tola demais para esclarecer a surpresa.

— Por nada. Vamos subir.

Ignorando a presença de ambos ali, para evitar constrangimentos, John e Melanie seguiram por entre as pessoas rumo à escada que levava às mesas de cima.

— Ei! John! — ouviu-se exclamar.

O som ecoou nitidamente, apesar da movimentação ali. Não dava para fingir não ter ouvido. John então se virou com naturalidade em direção ao chamado de Andrew e sorriu discretamente, levantando um aceno. Queria não ter que se dirigir à mesa onde estavam ele e Steven, mas esse pediu, à sua maneira indiscreta, que John fosse até lá.

Com um olhar de mistério, Steven os observava. Com outro olhar, de quem sabia que aprontara, John guardou as mãos nos bolsos da calça e caminhou até a mesa onde estavam os rapazes.

— E aí, joe? — cumprimentou Andrew, dando um tapa no ombro de John.

— Oi, Andrew. Oi, Steven.

Steven apenas levantou as sobrancelhas. Com as mãos cruzadas sobre a mesa, mantinha o mesmo olhar frio e inquietante sobre John.

— Ah — continuou John —, não sei se já a conhecem, mas essa aqui é a Melanie — apresentou, passando o braço pelos ombros da amiga.

— Oi — cumprimentou ela, com sorriso educado e um aceno.

— Acho que nos conhecemos de vista — disse Andrew. — Por que não se sentam aqui com a gente? — convidou em seguida.

— Ah, acho melhor não. Viemos... — John pensou em qualquer desculpa — conversar sobre um trabalho que precisamos apresentar amanhã. Fica pra próxima.

Andrew franziu a testa, compreendendo.

— Tudo bem, então. A gente se vê mais tarde.

— É, a gente se vê. Boa noite pra vocês.

Apesar da tensão, John conseguiu se manter neutro em relação a Steven. Não podia nem queria mostrar qualquer exaltação em relação a ele em frente a Andrew e Melanie. Subiram os dois pequenos lances da escada amadeirada do salão e se sentaram numa das mesas do parapeito, de onde era possível ver o piso inferior. Por sorte, ou azar, o lugar tinha vista panorâmica para Steven, que continuava a observar desconfiadamente.

Já acomodados, John e Melanie fizeram seus pedidos e cruzaram as mãos sobre a mesa.

— Então? Quem começa? — perguntou ela.

— Você.

— Pois bem... É sobre o carinha com quem estou fazendo a minha matéria.

John inclinou-se para frente. Melanie manteve o efeito por alguns segundos.

— A gente ficou. Na verdade, a gente tá ficando, há mais ou menos uns quatro dias.

John sorriu, surpreso.

— E por que só estou sabendo disso agora?

— Porque eu precisava saber se rolou só por rolar ou se nós vamos continuar com isso e ver no que vai dar.

— E vocês vão?

— Vamos. Ele é muito gente fina, além de ser super fofo comigo e tal... — Melanie apoiou o queixo sobre a palma da mão esquerda e cruzou as pernas. — Mas e você? Qual a sua novidade?

John suspirou fundo. Olhou para os lados, inclinou-se novamente, fitou a amiga e pediu, calmamente:

— Antes de eu te contar, preciso que você jure por mim, pela nossa amizade, pela morte do seu cachorro, por tudo que é mais sagrado que você vai ser discreta e que vai conter sua reação, seja ela qual for.

— Nossa... Tá bem.

— "Tá bem", não, você precisa jurar.

— Tá, eu juro.

John recostou-se novamente à cadeira. O garçom chegou com os pedidos e colocou-os sobre a mesa. Enquanto Melanie tomava um gole de refrigerante, John aproveitou para dizer de uma vez.

— Eu e o Steven transamos.

Melanie quase devolveu o refrigerante ao copo. Arregalou os olhos, tampou a boca e manteve-se em silêncio por alguns segundos, já que não podia externar sua surpresa, conforme jurara.

— Sugiro que você desfaça essa cara de susto e tire as mãos da boca, porque, provavelmente, agora ele está nos observando lá de baixo.

Melanie olhou, rapidamente, de soslaio e, realmente, o olhar intimidador de Steven permanecia sobre eles. Então seguiu o conselho de John e tentou disfarçar sua cara de espanto. Tomou mais um gole de refrigerante e perguntou, com um sorriso dissimulado:

— Onde? Quando? Como?

— Na casa dele, ontem. Foi a transa mais louca e selvagem e incrível que eu já tive. O Steven é simplesmente uma máquina — respondeu John, calmamente, enquanto bebericava sua cerveja.

— Conte mais. Quero detalhes — pediu Melanie, ainda contida, ciente de que estava sendo observada.

— Bem... Sabe homem? Digo... homem de verdade, com H maiúsculo, macho alfa, tipo bombeiro de calendário?

Melanie meneou a cabeça afirmativamente.

— Imagine um desses te jogando contra a parede, te roubando um beijo ardente, te levando até a cama e transando com você incansavelmente por, sei lá, duas horas.

— Imaginei.

— Foi mais o menos o que me aconteceu. Nunca estive com um homem tão macho quanto o Steven. Aconteceu tudo tão rápido e tão intensamente que eu não sei nem explicar direito. Só sei que essa ficou no Top 3 das transas da minha vida. Não chegou ao topo, mas chegou perto.

— Quem está no topo?

— Ninguém.

Melanie balançou a cabeça novamente. Torceu os lábios e admitiu:

— É... Estou impressionada. Logo o Steven, que tem essa fama toda... O Andrew tá sabendo disso?

— Não. Ele não pode nem sonhar com isso.

— Ué, por que não? Vocês não são amigos?

— Somos, mas eles também são, e o Andrew não sabe que o Steven sai com caras. Além disso, eu não teria jeito pra contar essas coisas ao Andrew. É muito íntimo, sei lá... — John se levantou. — Vou ao banheiro, já volto.

Retirou-se da mesa e caminhou até o sanitário, no piso inferior. Adentrou-o. Olhou-se no espelho e ajeitou seus cabelos. Não havia ninguém por ali. Posicionou-se em frente a um dos mictórios, abaixou o zíper da calça e urinou, assoviando baixo.

Quando se preparava para voltar à mesa, em frente ao espelho, lavando as mãos, a porta do banheiro se abriu rapidamente, chamando sua atenção.

O coração disparou. Steven.

Antes que John pudesse dizer qualquer coisa, Steven puxou-o pela manga da camisa e o conduziu até a primeira cabine da fileira. Trancou a porta e o impeliu contra a parede do cubículo, segurando-o pela gola da camisa. Com o dedo indicador em riste, Steven avisou ameaçadoramente:

— Se contar pra mais alguém, eu te mato.

Desprevenido, assustado e intimidado, John assentiu.

— Ouviu bem?

— Ouvi, ouvi...

Steven analisou as feições de John por um instante.

— Bom garoto.

A proximidade dos corpos e o magnetismo entre eles fez surgir dali um beijo. Não tão desesperado quanto os de antes, mas, ainda assim, carregado com a virilidade de Steven, sempre cheio de mãos, não obstante a circunstância não permitir ir muito longe.

Aquele ávido beijo, toques lânguidos, faíscas, hálito, saliva, desejo e um silêncio ofegante por fim.

— Amanhã, no mesmo horário, na minha casa — encerrou Steven, saindo da cabine.

John se sentou sobre o vaso sanitário e repousou a cabeça sobre as palmas das mãos. Steven o deixava perplexo e extasiado, ao mesmo tempo. Aproveitou o lugar, o momento, sua natureza masculina e acabou de se satisfazer ali mesmo.

Saiu da cabine, lavou as mãos novamente e retornou à mesa, onde Melanie o esperava. Tudo isso não durou cinco minutos. John sentou-se, tomou mais um gole de cerveja e disse, fatigadamente:

— Preciso de férias.

No dia seguinte, John muito pensou. Steven era um enigma, e desvendá-lo estava sendo um árduo trabalho.

— Amanhã, no mesmo horário, na minha casa.

O que queria isso dizer, além do óbvio? Steven não parecia ser do tipo que se apaixona, tampouco que marca segundos encontros. Qualquer traço de romantismo, por mais barato que fosse, passava longe de si. Por isso John se perguntava: o que queria Steven consigo? Se aquela fora apenas uma transa casual ou, numa outra possibilidade, consequência do momento, por que o reencontro?

Por duas ou três vezes, John pensou seriamente em não comparecer ao encontro, mas depois pensou bem e chegou à conclusão de que não tinha nada a perder. Independentemente das razões e intenções de Steven, sua vontade já havia sido satisfeita e, de qualquer forma, no fim, toda paixão acaba morrendo, afinal a novidade só é interessante enquanto é novidade.

Foi.

Uma súbita vontade de ligar para tia Beth e pedir a ela um conselho passou pela cabeça insegura de John, já no percurso para a casa de Steven, mas, desta vez, ele decidiu fazer o que seu coração pedia.

Desceu do carro e entrou na academia abandonada, que parecia cada vez mais soturna. Subiu o lance de escadas que levava ao segundo piso e parou de frente à velha porta azul. Dentro do apartamento soava uma melodia trip-hop que parecia familiar aos ouvidos de John.

Portishead... — pensou.

Três batidas à porta e Steven abriu-a, trajando apenas uma calça jeans preta. Trocaram um longo e profundo olhar. Steven esboçou um sorriso que dizia eu sabia que você viria. John sentiu-se enrubescer.

— Entra.

John pediu licença e entrou. Não estava tão tenso, mas o coração batia forte no peito.

— Quer beber alguma coisa? — ofereceu Steven, indo em direção à cozinha, como fizera na primeira vez.

— Não, obrigado.

De braços cruzados, John deu alguns passos errantes pelo pequeno escritório de Steven. Sobre a mesa, uma foto: Steven, um pouco mais moço, abraçado a uma jovem mulher loira. John pegou o porta retrato para si e observou a fotografia. Nela, Steven sorria, assim como no dia anterior; aquele mesmo sorriso puro e jovial, que fez com que John também sorrisse.

Encostado à estante, Steven disse:

— É minha irmã.

John manteve o sorriso e meneou a cabeça.

— Você fica tão bonito quando sorri. Devia sorrir mais.

Steven não respondeu. Deixou seu copo sobre o balcão da cozinha e caminhou até John. Abraçou-o lascivamente por trás, fazendo-o arrepiar-se por inteiro.

Apesar da inexplicável sensação de proteção e volúpia que John sentira, precisou interromper:

— Steven, espera. Isso tudo está muito estranho — disse, virando-se de frente para ele.

— O que é estranho? — perguntou Steven, enquanto desabotoava calmamente a camisa de John.

— Primeiro... Eu não sabia que você é gay, ou bi, ou sei lá o que.

— Eu não sou.

— Ah, não? Então por que... isso? — perguntou John, apontando a situação em que se encontravam.

— Hetero, homo, bi, tri, tetra, pan, trans... A terminação disso tudo não é sexual? Pois então, é disso que eu gosto: de sexo. Nomes são nomes.

— As coisas não são tão simples assim. O Andrew me disse que você é um verdadeiro devorador de mulheres. De mulheres.

— Ele disse a verdade, mas... — Steven chegou ao último botão — tem coisas que a gente mantém em sigilo.

Atirou a camisa de John sobre o sofá e aproximou seu corpo ao dele, tirando seu cinto enquanto mordia levemente o lóbulo de sua orelha.

— Você é tão... complexo.

— E você é tão chato, John... — sussurrou ao pé do ouvido.

John. John. John...

— Oh... Essa é a primeira vez que me chama pelo nome.

— Isso faz diferença?

— Pra você, não, pra mim, muita. Aliás, esta está sendo a primeira vez em que conversamos — constatou John, com certa emoção na voz. Mais um daqueles momentos onde qualquer explicação pareceria tola e pequena.

Steven fitou-o com olhar interrogativo. John sorria inocentemente.

Mesmo em meio àquele momento não muito oportuno, interrompendo brevemente a atmosfera erótica que Steven sempre criava, John abraçou-o pela cintura e recostou a cabeça em seu peito, como se ambos fossem velhos e queridos amigos. E, mesmo sem entender o porquê daquela atitude tão aleatória, Steven o correspondeu. Trocaram um longo, terno e atípico abraço.

Naquele momento, John percebeu que estava apaixonado. Sentiu uma imensa vontade de sussurrar "eu te amo", mas isso seria, além de inverdade, uma grande tolice, conquanto ele não conhecesse outro termo que expressasse a boa sensação que permeara seu coração naquele instante.

— Chega de conversa — disse Steven, quebrando o momento e trazendo à cena, novamente, seu jogo de sedução, no qual era especialista.

Então, John se rendeu a Steven, que parecia poder controlá-lo, sempre apertando os botões certos. Entregou-se ao fogo da paixão sem medos ou arrependimentos. Sentiu-se completo, e, novamente, desligou-se da vida, do tempo, das horas, como se o mundo tivesse parado de girar enquanto estivera nos braços e olhos e lábios de Steven.

▪▫▪

Daquele dia em diante, John e Steven passaram a se encontrar com frequência, sempre no mesmo lugar — a academia abandonada, como dizia John. Não havia conversa, não havia rodeios, perífrase, demora. Não havia afagos nem romantismo: era apenas sexo, literalmente nu e cru. Apesar da paixão de John, Steven permanecia a mesma pedra tosca que sempre fora.

Na universidade, mal se viam. Quando acontecia, fingiam não se conhecer. Quando se encontravam na biblioteca, apenas um olhar codificado. O disfarce, unido à frieza de Steven, era tão impecável que chegou a enganar Norma, que se felicitou ao saber que o frisson de John sumira. Ah, se ela soubesse...

Por mais que essa situação luxuriosa não fosse do total agrado de John, este não ousava reclamar. Antes assim do que sem nada, além de que Steven não era uma pessoa aberta a discussões. Aliás, de quando em quando, John se perguntava o que foi que vira de tão atrativo e fascinante e irresistível em Steven. Ele era o tipo de homem de que John menos gostava: os obtusos. Talvez fosse o interminável acervo de características que John menosprezava que Steven carregava que o tornava intrigante e irresistível.

Algumas noites após a primeira, John decidiu ligar para tia Beth a fim de contar a ela a novidade. Mas era ela quem tinha uma notícia quente.

— Estou namorando!

O tal "coroa" com o qual esta estivera cogitando possibilidades acabou dando certo. Riley. Uma pessoa muito bacana, segundo ela, que John precisava conhecer o quanto antes, pois esse já estava cansado de ouvir a respeito do tal meu sobrinho.

Na contramão do namoro de Andrew e Teri, o agora namoro de Melanie e seu companheiro de matéria ia de vento em popa. Durante os pouco mais de dois meses que haviam se passado, ela e o moço se aproximaram e se enamoraram. Ainda durante esse tempo, ambos, John e Melanie, finalizaram suas redações e as entregaram dentro do prazo estabelecido. A aprovação, caso acontecesse, seria noticiada logo após as férias. John não estava muito esperançoso, pois sabia que perdera um bom tempo tratando de assuntos secundários com Steven, mas suas chances eram grandes, pois era excelente redator.

Assim, despedia-se o primeiro semestre do primeiro ano da segunda vida de John em Wistworth, que lhe renderam muitas, muitas emoções.

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